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Presidente da Febraban critica ‘maquininhas’ de cartão e diz que setor lucra com modelo ‘artificial’

Em disputa sobre rotativo e parcelamento sem juros, Isaac Sidney diz que setor usa ‘distorção’ como ‘modelo de negócio rentável’: ‘Ficam com receitas de juros e não correm o risco de crédito’

Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla
Atualização:

O presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, criticou nesta segunda-feira, 14, a indústria de “maquininhas” de cartão de crédito, chamadas de “adquirentes”, por, segundo ele, manter um “modelo de negócios artificial”.

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Em meio ao debate sobre o fim do rotativo do cartão de crédito, pleiteado pelo governo e pelo Congresso, e de um possível redesenho no parcelamento de compras sem juros em vigor hoje no País, Sidney afirmou ao Estadão que as adquirentes usam uma “distorção” no atual sistema para lucrar.

“Se os bancos emissores tivessem por finalidade manter o modelo de negócio, não estaríamos abertos a um redesenho não só do parcelado sem juros, mas também do rotativo. O que não dá para aceitar, e contra isso atuaremos com muita firmeza, é a manutenção de um modelo de negócio artificial, no qual as maquininhas ficam com as receitas de juros, não correm o risco de crédito, não alocam capital e ainda estimulam incentivos de financiamentos longos que só as beneficiam”, afirmou.

Segundo ele, parcela considerável das receitas das maquininhas vem da antecipação de recebíveis. “E os lojistas pagam muito caro por isso. Portanto, parece não haver dúvidas de que são as maquininhas, e não os bancos, que estão defendendo a preservação de um modelo de negócio”, disse Sidney.

Na semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, trouxe a público o que já vinha sendo discutido pelos bancos e pelo governo nos bastidores: a possibilidade do fim do rotativo do cartão de crédito, a linha de financiamento mais cara do País.

Isaac Sidney, presidente da Febraban Foto: Celso Doni/Febraban

Bancos admitem acabar com o rotativo, mas argumentam que, de maneira concomitante, é preciso encontrar um reequilíbrio na cadeia de crédito e definir alguma limitação nas compras com parcelamento sem juros.

O clima é belicoso no setor de cartões de crédito desde a fala do dirigente do BC. Os bancos argumentam que o fim do rotativo deve estar atrelado a uma diluição do risco, que levará a uma diminuição do custo e, portanto, à queda no preço do crédito oferecido ao consumidor.

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A alegação levada à Brasília é a de que, atualmente, diversos atores se beneficiam do parcelamento (lojistas, bandeiras de cartão, máquinas de cartão), mas o risco fica concentrado no setor bancário.

A Associação Brasileira de Internet (Abranet), que representa parte das credenciadoras e das empresas que atendem pequenos lojistas e consumidores, manifestou em nota, nesta segunda-feira, “sua veemente contrariedade ao projeto de encarecer o pagamento parcelado sem juros, que, na prática, vai desaquecer ainda mais a economia”. A entidade acusa os bancos de quererem substituir o parcelado sem juros por um parcelado com juros.

Em nota pública divulgada pela Febraban também nesta segunda-feira, Sidney afirmou não haver “qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito”. A intenção dos bancos, segundo o comunicado, é estabelecer um novo desenho para o parcelamento, adotando um modelo de considere o tipo de bem a ser adquirido.

Bens duráveis, por exemplo, poderiam ser parcelados em prazo maior do que os não duráveis. O prazo da operação também teria influência nas taxas — quanto maior o número de parcelas, maior o juro que seria pago pelo consumidor. O varejo e as chamadas adquirentes, no entanto, se opõem à proposta.

‘Não existe solução simples’

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Sidney rebateu ao Estadão a nota divulgada pela Abranet: “A busca de soluções não pode ter o viés primário de defesa de receitas atuais das indústrias individuais de maquininhas, como temos visto na narrativa de algumas entidades, que não têm o olhar transversal dos elos desequilibrados do sistema de crédito via cartões”.

Segundo o presidente da Febraban, um tema tão complexo “exige visão holística, multidisciplinar e colaborativa”. “É preciso encarar a situação com as mais diversas lentes, que vão dos diversos players do mercado, até reguladores, governo e a população. Não existe solução simples, mas o risco está na visão limitada e curto-prazista, que leve em consideração apenas um pilar da cadeia, a adquirência”, afirmou.

O Estadão apurou que o incômodo na Febraban é com as pequenas adquirentes, chamadas no meio de independentes, como a PagSeguro e a Stone. Há adquirentes que são ligadas aos grandes bancos, representados pela Febraban, e que, portanto, fazem parte das negociações com o governo e Banco Central sobre o parcelamento sem juros e o rotativo.

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A avaliação da Febraban é que, no caso dos grandes bancos, mesmo trabalhando com a adquirência, há entendimento de que é preciso discutir um “reequilíbrio sustentável” do sistema.

Presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, e ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que estão à frente de discussões sobre o rotativo do cartão de crédito. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Sidney chama ainda de “totalmente tendenciosa e descabida” a informação de relatório da Abranet de que o risco de inadimplência do parcelado sem juros é a mesma da modalidade à vista.

“Em prazos significativamente estendidos, o cliente tem estatisticamente mais chance de ter intercorrências e falhar com seu pagamento. Estudos realizados pela Febraban e seus principais associados, que representam mais de 70% do mercado de cartões em base de clientes e faturamento, ou seja, estatisticamente relevantes e representativos, mostram que a inadimplência dos planos a prazo, comparada com planos à vista, é duas vezes superior na média. Já quando olhamos para o público de baixa renda, a inadimplência é três vezes superior”, afirma.

Segundo um estudo feito para a Abranet, apresentado ao Banco Central e revelado pelo Painel S.A., do jornal Folha da São Paulo, a taxa de inadimplência entre os que compram à vista é igual ao dos que parcelam as compras, na casa de 30%. A associação representa cerca de 10% dos cartões emitidos no mercado.

“Quanto maior for o prazo de financiamento, maior o custo e o risco de crédito, bem como o capital a ser alocado. Logo, seria impossível termos a mesma inadimplência numa modalidade à vista e nos financiamentos com prazos longos”, afirma o presidente da Febraban.

De acordo com a Febraban, o nível de endividamento cresceu duas vezes mais rápido do que a renda no pós-pandemia. A inadimplência de cartões de crédito pessoa física chegou a 49% no mês passado, no rotativo.

“A extensão desmedida de prazos para parcelamento sem juros é rentável para alguns elos do sistema, como a indústria de adquirência, que eleva seus ganhos ao adiantar recebíveis e resgatar parte desta dívida com varejistas, enquanto o risco e o impacto da inadimplência são integralmente assumidos por bancos emissores de cartões. Por isso, um novo equilíbrio de forças é necessário para balancear o sistema, a equação crédito versus inadimplência, mas, principalmente, proteger famílias e indivíduos do alto endividamento e suas consequências”, afirmou Sidney.

Por meio de sua assessoria, Abranet disse, sobre as críticas do presidente da Febraban, que representa “diversas empresas de emissão de cartões e adquirência que, juntas, têm mais de 70 milhões de clientes de serviços financeiros com mais de 40 milhões de clientes de cartões (crédito, débito, etc)” e que se coloca à disposição do governo e do BC para colaborar na discussão.

”E, obviamente, temos o direito de questionar e discordar de argumentos divulgados por outras associações, quando esses argumentos não parecem fazer sentido para nós, principalmente quando olhamos os dados das nossas empresas associadas e para o perfil do cliente brasileiro, que tanto necessita do parcelamento sem juros”, disse a Abranet. “Neste sentido, nosso diálogo tem sido construtivo, baseado em propostas técnicas e de abertura do mercado. Dados do BC disponíveis em seu site mostram que a taxa de antecipação de recebíveis de cartão para os lojistas está em 1,4% ao mês (com a Selic a 1,1% ao mês), e só chegou neste patamar devido à competição no setor de adquirência. Não conseguimos vislumbrar alguma outra linha de crédito ao lojista ou ao consumidor que seja tão baixa como esta”, rebateu a Abranet.

Histórico

A Febraban tem levado para a mesa de negociação o histórico do uso do cartão de crédito que surgiu após o Plano Real, para substituir o cheque pré-datado. “Essa não é uma simples mudança de meio de pagamento, mas, principalmente, de garantia de crédito e gestão de inadimplência”, afirma Sidney.

O risco do não pagamento passou dos comerciantes para os bancos. Com longos parcelamentos, no entanto, o setor bancário pondera que a lógica mudou e houve, segundo a Febraban, um “desequilíbrio da equação crédito versus inadimplência”.

“Nesse contexto, a relevância da adquirência (maquininhas) é fortalecida, com a oferta da antecipação de recebíveis ao varejo, que sem o ônus da garantia da dívida, amplia o horizonte de parcelamento aos clientes”, afirma Sidney.

Máquina de pagamento de cartão de crédito Foto: TV Estadão

Outro argumento que vem sendo usado pelos bancos é o de que a dinâmica de parcelamento sem juros é muito diferente, no Brasil, se comparado a outros países da América Latina, Europa e aos EUA. Há, hoje, segundo a instituição, um “empilhamento” de cartões de crédito entre as famílias, que ficam endividadas.

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Governo

Nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o fim do parcelamento sem juros não é uma saída para acabar com o rotativo do cartão de crédito. Ele disse ainda que o padrão de compra do brasileiro é através do pagamento parcelado.

Nos bastidores, o ministro da Fazenda tem se mostrado atento aos argumentos dos dois lados, para evitar impacto no consumo. O varejo argumenta que uma limitação no parcelamento sem juros poderia afetar o setor. Já os bancos ponderam que acabar com o rotativo sem mexer em outras variáveis para reequilibrar o risco pode gerar um corte na concessão de cartões que também levaria a um impacto na economia.

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