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Reforma tributária: uma construção coletiva; leia artigo de Bernard Appy

Projeto foi construído a partir da compreensão das dificuldades que impediram o avanço da reforma nas tentativas anteriores; impacto para a população e as empresas será muito positivo, ainda que diluído no tempo

Foto do author Bernard Appy
Por Bernard Appy
Atualização:

Após décadas de tentativas malsucedidas, em 20 de dezembro foi promulgada a Emenda Constitucional 132, que promove uma ampla reforma da tributação do consumo. Esse é o resultado de uma construção política, que permitiu a superação de barreiras que impediram a aprovação da reforma no passado, mas é também o resultado de um trabalho que começou há muitos anos.

Estamos discutindo a migração do nosso disfuncional sistema de tributação indireta da produção, comercialização e consumo de bens e serviços para um modelo mais próximo ao de um bom imposto sobre o valor adicionado (IVA) pelo menos desde a Constituinte de 1987/1988. Ao longo dos anos, diversos projetos com esse objetivo foram apresentados: alguns mais abrangentes, na forma de propostas de emenda constitucional (PEC), outros mais focados em alguns tributos, sobretudo no ICMS. Propostas abrangentes de reforma foram apresentadas e discutidas nos governos FHC e Lula (duas vezes). Propostas mais focalizadas foram discutidas nos governos seguintes. Nenhuma foi aprovada.

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Há consenso de que nosso sistema de tributação indireta gera muitas distorções, que prejudicam o crescimento do País, e que a melhor forma de corrigir essas distorções é migrar para um sistema com as características de um bom IVA – base ampla de tributação (alcançando, mercadorias, serviços e intangíveis), não cumulatividade plena, tributação no destino e regras simples e homogêneas.

O problema é que a economia se organizou em torno dessas distorções, e mudanças no modelo tributário afetam os preços relativos e as empresas, o que gera resistências à mudança. Questões federativas também dificultam a adoção do novo modelo, pois a migração da tributação para o destino afeta a distribuição da arrecadação entre Estados e municípios.

Bernard Appy e o relator da reforma na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Foto: Bianca Lima

O projeto que deu base à PEC 45, agora convertida na Emenda Constitucional 132, foi construído a partir da compreensão das dificuldades que impediram o avanço da reforma tributária nas tentativas anteriores. Esse projeto – cuja base é o trabalho realizado pelo Centro de Cidadania Fiscal, com a contribuição decisiva de servidores públicos das três esferas de governo, de acadêmicos e especialistas e do setor empresarial – busca contornar essas dificuldades através de duas transições: uma para as empresas e para a sociedade e outra, mais longa, para a distribuição da arrecadação entre os Estados e municípios.

Do ponto de vista técnico, esse projeto só foi possível por conta do aprendizado acumulado sobre o tema desde a Constituinte. Mas o que fez realmente diferença foi o processo de construção política que levou a sua aprovação.

Nas eleições de 2018, quase todos os principais candidatos incorporaram em seus programas uma proposta de reforma tributária baseada na substituição dos tributos indiretos atuais por um bom IVA. A única exceção foi o candidato eleito, Jair Bolsonaro. A resistência do governo eleito não impediu, no entanto, que a discussão avançasse, pois em 2019, o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, resolveu patrocinar a proposta, com o apoio de vários líderes partidários, em especial do deputado Baleia Rossi, que apresentou a PEC 45.

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Embora a reforma não tenha sido aprovada, a discussão do tema no Congresso entre 2019 e 2022 – tanto da PEC 45 na Câmara quanto da PEC 110 no Senado – permitiu seu amadurecimento e uma melhor compreensão da sociedade sobre sua importância.

Bernard Appy e o relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM). Foto: WILTON JUNIOR

Com a posse do presidente Lula, em 2023, o tema voltou à pauta, por conta, sobretudo, do empenho do ministro Fernando Haddad, que colocou a reforma tributária como uma de suas prioridades e foi decisivo nas principais negociações que viabilizaram sua aprovação. Mas esse avanço só foi possível porque o tema se tornou prioridade também no Legislativo.

A atuação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e dos relatores nas duas casas – Deputado Aguinaldo Ribeiro e Senador Eduardo Braga – foi essencial para a construção política que permitiu a aprovação da reforma. O texto aprovado não é o ideal, pois foram incluídas várias exceções para viabilizar a aceitação da mudança pelo Parlamento, mas ainda assim o novo sistema resolverá quase todos os problemas do sistema atual.

O impacto da reforma tributária para a população e as empresas será muito positivo, ainda que diluído no tempo, dada a transição de nove anos até que o novo sistema esteja plenamente implementado. As mudanças no sistema tributário poderão elevar o poder de compra das famílias em mais de dez pontos porcentuais.

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Esse impacto será tão maior quanto mais bem sucedido for o processo de regulamentação da reforma, que é o desafio para o próximo ano, e no qual o governo federal espera atuar conjuntamente com os Estados e municípios.

Quanto mais bem delimitadas forem as exceções, quanto mais claras forem as leis complementares e quanto mais simples for o novo sistema para os contribuintes, mais as famílias e a sociedade serão beneficiadas.

Conseguimos chegar até aqui por conta de uma bem-sucedida construção coletiva – técnica e política. Seguiremos dependendo do trabalho coletivo de todas as esferas da federação e dos políticos para que os efeitos da reforma sejam os melhores possíveis.

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*É Secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda

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