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Um guia simples para entender a reforma tributária

Governo encaminhou ao Congresso a proposta de regulamentação da reforma aprovada no ano passado

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Por Redação
Atualização:

A reforma tributária deu mais um passo nesta quarta-feira, 24, com o envio pelo governo ao Congresso Nacional da proposta de regulamentação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse acreditar que a regulamentação pode ser aprovada na Câmara até o recesso parlamentar, em julho. Depois disso, iria para o Senado.

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O sistema de impostos no Brasil já foi batizado de “manicômio tributário”, por conta da sua complexidade e da extrema dificuldade de ser entendido. A necessidade de uma reforma nesse sistema vem sendo discutida há décadas, mas só no ano passado um projeto ganhou força para ser votado e acabou sendo aprovado definitivamente no Congresso.

A ideia principal da reforma não é fazer com que as pessoas e empresas paguem menos impostos. É principalmente simplificar o processo, criando melhores condições para um crescimento econômico sustentável, de longo prazo.

A avaliação unânime dos especialistas é de que essa não foi a reforma ideal, mas a possível, dadas as complexidades políticas enfrentadas. Nas palavras de Haddad, o projeto teria uma nota 7 ou 7,5, se comparado à reforma ideal. “Mas o sistema que temos atualmente é nota 1 ou 2″, disse, à época da votação do projeto no Senado.

Arthur Lira (E) recebe de Fernando Haddad a proposta de regulamentação da reforma tributária Foto: Wilton Junior/Estadão

Veja abaixo os principais pontos da reforma tributária:

O que é reforma tributária e por que ela é importante?

O sistema de cobrança de impostos no Brasil é considerado um dos mais caóticos do mundo. Temos impostos federais, estaduais e municipais, cada um com regras próprias, com alíquotas diferentes dependendo do Estado ou do município, cobrados de forma cumulativa (em cascata) durante todas as etapas da cadeia de produção, o que encarece tudo o que é fabricado e torna todo o processo muito burocrático.

As empresas precisam manter verdadeiros exércitos de funcionários para dar conta dos problemas tributários, que volta e meia vão parar na Justiça e acabam incentivando a sonegação. A ideia da reforma é simplificar essa cobrança, criar regras unificadas, que todos possam entender, o que deve reduzir significativamente os custos das empresas e melhorar esse cenário de judicialização e sonegação. No longo prazo, isso deve acabar favorecendo investimentos e o crescimento econômico.

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Como vai funcionar?

A reforma aprovada no Congresso unifica cinco impostos sobre consumo, que incidem sobre todos os produtos e serviços: os federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. Eles serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, dividido em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal).

Esses dois novos impostos terão alíquotas e regras uniformes em todo o País, o que vai acabar com a confusão dos impostos diferentes dependendo do local em que cada produto ou serviço é fabricado ou oferecido. Além disso, também será criado um Impostos Seletivo, que vai incidir sobre produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas.

E os outros impostos que não entraram nessa reforma?

Nessa primeira etapa, foram contemplados apenas os impostos sobre o consumo. O governo deve enviar ao Congresso posteriormente um projeto de reforma para a renda, como os Impostos de Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica, por exemplo.

Outros impostos continuarão existindo separadamente, como o federal IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), os estaduais ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) e os municipais IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).

Como funciona o IVA?

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O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é um tipo de imposto adotado hoje em cerca de 170 países. Sua principal característica é não ser cumulativo - ou seja, é cobrado apenas em cima do que foi agregado em cada etapa da cadeia de produção de um bem ou serviço, excluindo o que já foi pago nas etapas anteriores. Evita, assim, a chamada tributação em cascata, que tanto encarece, burocratiza e judicializa a produção no atual sistema tributário brasileiro.

Com a reforma, todos os produtos pagarão a mesma alíquota de IVA?

Não. Para possibilitar a aprovação do projeto em meio às fortes pressões de vários setores, foram criadas alíquotas diferenciadas para alguns desses segmentos. Dessa forma, serão quatro cobranças diferentes:

  • Alíquota padrão: vai incidir sobre todos os produtos que não se encaixarem nas alíquotas reduzidas.
  • Alíquota de 70% da padrão: será paga por profissionais liberais, como advogados, engenheiros, veterinários e arquitetos, dentre outros.
  • Alíquota de 40% da padrão: será paga por setores como saúde, educação, produtos agropecuários, produções artísticas, culturais e jornalísticas e transporte coletivo, entre outros.
  • Alíquota zero: alguns produtos e serviços - como a cesta básica nacional - terão isenção total.

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Há ainda os chamados regimes específicos, que terão regras diferentes de tributação, como combustíveis e serviços financeiros. Essas regras serão definidas por lei complementar, na fase de regulamentação.

Que produtos entrarão nessa cesta básica nacional?

A proposta de regulamentação entregue ao Congresso prevê uma cesta com 15 produtos, com foco em alimentos in natura ou minimamente processados. São eles:

  • Arroz;
  • Leites;
  • Manteiga;
  • Margarina;
  • Feijão;
  • Raízes e tubérculos;
  • Cocos;
  • Café;
  • Óleo de soja;
  • Farinha de mandioca;
  • Farinha e flocos de milho;
  • Farinha de trigo;
  • Açúcar;
  • Massas;
  • Pães.

Outros três produtos, apesar de não estarem na cesta básica, também terão alíquota zero do novo Imposto sobre Valor Agregado:

  • Ovos;
  • Produtos hortícolas;
  • Frutas.

Outros 14 tipos de produtos alimentícios terão alíquota reduzida, ou seja, desconto de 60% em relação à alíquota cheia do IVA:

  • Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foies gras);
  • Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos);
  • Crustáceos (exceto lagostas e lagostim) e moluscos;
  • Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;
  • Queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino;
  • Mel natural;
  • Mate;
  • Farinha, grumos e sêmolas, de cereais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais, exceto os grãos de milho; e amido de milho;
  • Tapioca;
  • Óleos vegetais e óleo de canola classificado na subposição;
  • Massas alimentícias;
  • Sal de mesa iodado;
  • Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes;
  • Polpas de frutas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes.

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Já se sabe de quanto será a ‘alíquota padrão’ do IVA?

De acordo com o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a estimativa de alíquota do IVA (imposto sobre valor agregado a ser criado com a reforma) é entre 25,7% e 27,3%, sendo a média de 26,5%.

Segundo o ministro Fernando Haddad, a alíquota final dependerá da votação no Congresso. Quanto mais exceções forem incluídas - ou seja, quanto menos setores e serviços entrarem nas regras de alíquotas menores -, maior será a alíquota média final.

Com esse patamar, será um dos maiores IVAs do mundo. Atualmente, entre os países que adotam esse tipo de imposto, a maior alíquota é cobrada na Hungria — 27%. O que o governo diz é que essa alíquota poderia ser menor, se na reforma não tivessem sido aprovadas exceções (alíquotas menores) para tantos setores - o que, por sua vez, foi o custo político a aprovação da proposta.

O projeto fala na criação de um ‘cashback’. O que é isso?

O governo propôs o cashback (devolução em dinheiro) de 50% no imposto federal pago pelos consumidores mais pobres nas contas de água e esgoto. O cashback é defendido pela equipe econômica desde o início da tramitação da reforma no Congresso, no ano passado, como uma forma de criar um benefício tributário focalizado, diferente de uma redução de impostos que pode beneficiar também as famílias mais ricas.

O programa de cashback dos impostos será voltado para famílias com renda familiar per capita de até meio salário mínimo (o equivalente hoje a cerca de R$ 700) e àquelas já cadastradas no Cadastro Único de programas sociais do governo. Essas famílias ingressarão de maneira automática no sistema de devolução de impostos.

As devoluções serão coordenadas pela Receita Federal e devem ser usufruídas em um prazo máximo de dois anos. No caso das contas de serviços utilitários, a devolução será feita nas próprias contas..

Depois da reforma, eu vou pagar mais ou menos impostos?

A ideia da reforma é ser “neutra”, ou seja, não aumentar e nem diminuir a carga tributária. Dessa forma, é provável que alguns produtos ou serviços fiquem mais caros, por conta de um imposto maior, e outros fiquem mais baratos. Na média, a ideia é que se pague a mesma coisa de hoje.

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Essas mudanças entram em vigor imediatamente?

Não, a reforma tem um prazo de implementação longo. A transição da CBS federal, que substituirá o IPI e o PIS/Cofins, se inicia em 2026, em forma de teste, com alíquota de 0,9%, mas já a partir de 2027, a nova contribuição será totalmente implementada.

Já a transição do IBS, estadual e municipal, é bem mais longa. O novo imposto terá alíquota de apenas 0,1% no período de teste de 2026 a 2028, e a sua implementação total só ocorrerá em 2033, seguindo um cronograma gradativo, mas com um grande ajuste repentino de 60% no final.

Mas haverá um longo período de transição para que a tributação mude da origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida).

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