A reforma tributária deu mais um passo nesta terça-feira, 17, com a votação do primeiro projeto de sua regulamentação. O texto segue agora à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Câmara dos Deputados, que já havia analisado a proposta em julho, aprovou nesta terça o projeto pela segunda vez, após modificações feitas pelo Senado.
A primeira regulamentação da reforma tributária traz as principais regras de funcionamento do novo Imposto sobre Valor Agregado, que será dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o IVA federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o IVA de Estados e municípios. Eles vão substituir cinco tributos que hoje incidem sobre o consumo e estão embutidos nos preços dos produtos: IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS (saiba mais abaixo detalhes sobre as principais mudanças).
O sistema de impostos no Brasil já foi batizado de “manicômio tributário”, por conta da sua complexidade e da extrema dificuldade de ser entendido. A necessidade de uma reforma nesse sistema vem sendo discutida há décadas, mas só no ano passado um projeto ganhou força para ser votado e acabou sendo aprovado definitivamente no Congresso.
A ideia principal da reforma não é fazer com que as pessoas e empresas paguem menos impostos. É principalmente simplificar o processo, criando melhores condições para um crescimento econômico sustentável, de longo prazo.
A avaliação unânime dos especialistas é de que essa não foi a reforma ideal, mas a possível, dadas as complexidades políticas enfrentadas. Nas palavras de Haddad, o projeto teria uma nota 7 ou 7,5, se comparado à reforma ideal. “Mas o sistema que temos atualmente é nota 1 ou 2″, disse, à época da votação do projeto no Senado.

Veja abaixo os principais pontos da reforma tributária:
O que é reforma tributária e por que ela é importante?
O sistema de cobrança de impostos no Brasil é considerado um dos mais caóticos do mundo. Temos impostos federais, estaduais e municipais, cada um com regras próprias, com alíquotas diferentes dependendo do Estado ou do município, cobrados de forma cumulativa (em cascata) durante todas as etapas da cadeia de produção, o que encarece tudo o que é fabricado e torna todo o processo muito burocrático.
As empresas precisam manter verdadeiros exércitos de funcionários para dar conta dos problemas tributários, que volta e meia vão parar na Justiça e acabam incentivando a sonegação. A ideia da reforma é simplificar essa cobrança, criar regras unificadas, que todos possam entender, o que deve reduzir significativamente os custos das empresas e melhorar esse cenário de judicialização e sonegação. No longo prazo, isso deve acabar favorecendo investimentos e o crescimento econômico.
Como vai funcionar?
A reforma aprovada no Congresso unifica cinco impostos sobre consumo, que incidem sobre todos os produtos e serviços: os federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS. Eles serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, dividido em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal).
Esses dois novos impostos terão alíquotas e regras uniformes em todo o País, o que vai acabar com a confusão dos impostos diferentes dependendo do local em que cada produto ou serviço é fabricado ou oferecido. Além disso, também será criado um Impostos Seletivo, que vai incidir sobre produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas.

E os outros impostos que não entraram nessa reforma?
Nessa primeira etapa, foram contemplados apenas os impostos sobre o consumo. O governo deve enviar ao Congresso posteriormente um projeto de reforma para a renda, como os Impostos de Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica, por exemplo.
Outros impostos continuarão existindo separadamente, como o federal IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), os estaduais ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) e os municipais IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis).
Como funciona o IVA?
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é um tipo de imposto adotado hoje em cerca de 170 países. Sua principal característica é não ser cumulativo — ou seja, é cobrado apenas em cima do que foi agregado em cada etapa da cadeia de produção de um bem ou serviço, excluindo o que já foi pago nas etapas anteriores. Evita, assim, a chamada tributação em cascata, que tanto encarece, burocratiza e judicializa a produção no atual sistema tributário brasileiro.
Qual é a alíquota do novo IVA
O Ministério da Fazenda calculou que a alíquota de referência dos novos tributos ficaria ao redor de 27,97% após a primeira votação na Câmara, em julho. Depois de passar pelo Senado, a cifra aumentou para cerca de 28,7%. No retorno para nova apreciação dos deputados, o relator na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), retirou várias exceções inseridas no Senado, como benefício a saneamento, bolachas, água mineral, veterinários e times de futebol. Ele afirma que, com isso, provocou uma queda de 0,71 ponto na tributação. Assim, a alíquota deve retornar ao patamar de 28% - cálculo que ainda será refeito pelo Ministério da Fazenda.
O secretário especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, minimizou a expectativa de alta da alíquota. “A parte mais importante da regulamentação da reforma tributária vai à sanção, estou muito feliz. A Câmara conseguiu fazer ajustes que reduziram a alíquota referência em relação ao que veio do Senado, o que é positivo. O mais importante é ter vencido essa etapa”, disse, logo após a conclusão da votação, no plenário da Câmara. Ele não quis antecipar os pedidos de veto que serão recomendados pela Fazenda.
A Câmara estipulou um teto para a alíquota do IVA em 26,5%. Caso o porcentual fique acima desse limite, o governo deverá propor a retirada de benefícios tributários concedidos a setores contemplados em regimes especiais.
‘Imposto do pecado’
A regulamentação institui as regras do Imposto Seletivo, também chamado de “imposto do pecado”, que sobretaxa itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos (inclusive os elétricos), jatinhos, embarcações, apostas online (bets) e extração de mineral serão tributados.
O Senado tentou poupar as bebidas açucaradas, mas a inovação não passou na Câmara. Relator no Senado, Braga também tentou incluir a taxação de armas e munições pelo Seletivo, mas a mudança não foi aprovada pelos senadores.
Imóveis
O novos IBS e CBS vão recair basicamente sobre atividades entre empresas, mas as pessoas físicas serão tributadas em operações imobiliárias caso os rendimentos obtidos com a locação superem R$ 240 mil por ano e o proprietário tiver mais de três imóveis. No caso da venda, serão tributadas pessoas físicas que vendam mais de três imóveis em um ano ou mais de um imóvel adquirido nos últimos cinco anos.
A alíquota sobre a locação terá um desconto de 70% em relação à alíquota padrão. Já a que incide sobre a venda terá um desconto de 50%.
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Cesta básica e cashback
O relator retirou o óleo de soja da cesta básica com imposto zero, mas em acordo com o setor produtivo — que recebeu como contrapartida a previsão de que a indústria de esmagamento terá acesso a um benefício na exportação. O produto foi para a lista dos alimentos com alíquota reduzida, com desconto de 60%, com todos os outros tipos de óleo.
Foi instituído ainda o cashback, devolução dos tributos embutidos nas contas de luz, água e esgoto, gás e telecomunicações para a população de baixa renda. A devolução será integral na tributação federal e de pelo menos 20% na tributação de Estados e municípios, que poderão aprovar leis locais com maior devolução de tributos. Nos demais produtos e serviços, a devolução será de 20% da CBS e do IBS.
Já a alíquota de bares e restaurantes, hotéis, parques de diversão e parques temáticos foi reduzida a 40% da padrão.
Profissionais liberais, de saúde e educação
Profissionais liberais de 18 categorias, como advogados, personal trainer, arquitetos e veterinários serão tributados com uma alíquota 30% inferior à alíquota padrão. As academias também obtiveram a redução.
Profissionais da área de saúde, como médicos e dentistas, e de educação têm um desconto maior, de 60% em relação à alíquota padrão.
Medicamentos e planos de saúde
O texto aprovado pela Câmara retoma a lista com os medicamentos com imposto zero. O Senado havia retirado a lista e determinado que o rol de medicamentos isentos deveria ser instituído por uma nova lei complementar.
O relator Reginaldo Lopes rejeitou esse dispositivo e restabeleceu o anexo aprovado pelos deputados com 383 medicamentos com imposto zero. Novas inserções que tenham baixo impacto na alíquota padrão (de até 0,02 ponto) poderão ser feitas por ato do Poder Executivo. Para produtos que tenham impacto superior, será necessário tramitar um novo projeto de lei no Congresso.
A regulamentação também autoriza que as empresas se creditem de gastos com planos de saúde coletivos previstos em convenção oferecidos a funcionários. Já os planos de saúde de animais domésticos, os pets, contam com alíquota reduzida em 30%.
Nanoempreendedor e motoristas de app
A regulamentação também institui a figura do nanoempreendedor, cuja renda não pode passar de R$ 40,5 mil por ano. Eles serão isentos de IBS e CBS.
Durante a tramitação no Senado, foi acatada uma emenda que muda a receita bruta para motoristas de aplicativos, passando a considerar como receita bruta dos motoristas 25% do valor bruto mensal recebido.
Depois da reforma, eu vou pagar mais ou menos impostos?
A ideia da reforma é ser “neutra”, ou seja, não aumentar e nem diminuir a carga tributária. Dessa forma, é provável que alguns produtos ou serviços fiquem mais caros, por conta de um imposto maior, e outros fiquem mais baratos. Na média, a ideia é que se pague a mesma coisa de hoje.
Essas mudanças entram em vigor imediatamente?
Não, a reforma tem um prazo de implementação longo. A transição da CBS federal, que substituirá o IPI e o PIS/Cofins, se inicia em 2026, em forma de teste, com alíquota de 0,9%, mas já a partir de 2027, a nova contribuição será totalmente implementada.

Já a transição do IBS, estadual e municipal, é bem mais longa. O novo imposto terá alíquota de apenas 0,1% no período de teste de 2026 a 2028, e a sua implementação total só ocorrerá em 2033, seguindo um cronograma gradativo, mas com um grande ajuste repentino de 60% no final.
Mas haverá um longo período de transição para que a tributação mude da origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida).