BRASÍLIA - Um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei com as primeiras regras da reforma tributária provocou dúvidas entre tributaristas sobre a incidência dos novos impostos sobre a totalidade dos fundos de investimentos. Nesta sexta-feira, 17, os escritórios de advocacia se dedicaram a tentar interpretar a norma e a leitura preliminar é a de que pode haver uma brecha para a tributação.
Questionado pelo Estadão, o Ministério da Fazenda informou que o intuito nunca foi tributar com CBS e IBS (que vão substituir os tributos atuais sobre consumo) os fundos com títulos e valores mobiliários - como os de ações, de renda fixa e multimercados - e que pode propor ajustes ao texto sancionado por Lula. Os vetos do presidente ainda serão levados à votação no Congresso e podem eventualmente ser derrubados.
“Embora essa não seja a intepretação do Ministério da Fazenda, caso seja necessário fazer algum ajuste no texto para deixar claro que não há incidência de IBS e CBS sobre as aplicações dos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários, o Ministério da Fazenda irá trabalhar para fazer esse ajuste”, afirma, em nota, a Fazenda.

O problema está na decisão de vetar parte do artigo 26, que mencionava exceções à tributação. Desde o início, a intenção do governo era tributar fundos que façam operações similares às que são passíveis de incidência de IBS e CBS, como os fundos imobiliários que alugam ou compram e vendem imóveis, os fundos de investimentos nas cadeias produtivas agroindustriais (Fiagros) e fundos de investimentos de direitos creditórios (FDICs).
A Fazenda entendeu que o texto final aprovado pelo Congresso estabelece isenções para estes fundos sob algumas condições que não estavam previstas nos pilares da reforma tributária, aprovada em 2023, e que seria necessário vetar por criar renúncias tributárias que excedem o comando constitucional.
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Porém, ao vetar todo o inciso que dava tratamento claro de isenção aos fundos de investimentos, na visão de analistas, é possível que não apenas estes fundos como todos os demais sejam passíveis de tributação.
‘Mira numa coisa mas acerta outra’
É a leitura de Diogo Olm Ferreira, sócio de tributário do VBSO Advogados, para quem os fundos que tenham aplicado em debêntures, ações ou mesmo em títulos poderiam ser abrangidos pela tributação.
“O veto, como estabelecido, mira numa coisa mas acerta outra”, afirma. “Vetaram o inciso inteiro, o que significa que todos os fundos de investimentos se tornaram contribuintes.”
Isso deriva, segundo ele, da leitura completa da norma, que determina o que objeto de tributação da CBS e IBS. A definição de bens tributáveis afirma que operações onerosas com qualquer bem, inclusive direitos, é alvo.
“Não vejo lógica em tributar os fundos com valores mobiliários, mas a solução para essa dúvida estava no dispositivo que foi vetado”, disse. “É uma situação preocupante porque tributa, em princípio, todos os fundos”.
Henrique Palma, sócio da área tributária do escritório Cescon Barrieu, afirma que, numa primeira leitura, é possível concordar que todos os fundos seriam tributados, mas que a partir da análise do texto completo, inclusive da parte dedicada à tributação de serviços financeiros, é possível depreender que não é o intuito tributar a totalidade da indústria de fundos.
Ele afirma, no entanto, que em algumas seções o veto dará margem para diferentes leituras. “Não é todo fundo, nem toda a atividade que será tributada. Está claro que um fundo imobiliário de tijolo (que aluga ou compra imóveis) será tributado, mas um fundo imobiliário de papel (que só negocia ativos financeiros) pode ou não ter essa interpretação”, afirma.
Os demais fundos, diz ele, dependerão da discussão sobre se bens “e direitos” serão passíveis de tributação, como mencionou Diogo Oim.
“Ou será um ponto de esclarecimento ou será ponto de discussão, mas demanda atenção; lembrando que os vetos ainda precisam ser apreciados pelo Congresso”, afirma Palma.