Publicidade

Cashback é mais barato e eficiente do que reduzir o imposto, diz diretor da reforma tributária

Rodrigo Orair, responsável pela elaboração do capítulo sobre cesta básica e devolução de impostos na reforma, afirma que medida acerta mais em focalizar os mais pobres

Foto do author Mariana Carneiro
Foto do author Bianca Lima
Por Mariana Carneiro e Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - O sistema de devolução de impostos para famílias de baixa renda, o chamado cashback, é uma política mais barata e eficiente do que ampliar a lista de produtos atendidos por uma tributação mais baixa, afirma o diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Rodrigo Orair. O economista é um dos braços direitos de Bernard Appy no Ministério da Fazenda e está liderando as discussões sobre o cashback e a cesta básica.

PUBLICIDADE

O debate se instalou desde que o governo apresentou uma lista com 15 itens da cesta básica nacional que teriam a tributação zerada. A Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) considera a lista restrita, uma vez que não contempla nenhum tipo de carne e deixa de fora produtos regionais como a tapioca.

Esses itens, no entanto, estão numa segunda lista elaborada pela Fazenda, composta por 14 categorias de produtos, com redução de 60% na tributação. Esse segundo grupo está sendo chamado de “cesta estendida” pela equipe econômica.

“Produtos como sal, tapioca e mate não estão na atual lista de isenções do PIS/Cofins e com a reforma terão uma redução tributária”, afirma Orair. “Também fizemos um filtro e tiramos o que é consumido pelos muito ricos, como é o caso do bacalhau e atum. Isso abriu espaço fiscal para a gente trazer mais coisa in natura ou minimamente processada para a cesta estendida.”

Brasil não pode perder janela de oportunidade histórica com reforma, diz Orair Foto: Gabriela Biló/Estadão

A restrição é justificada pelo custo de se ampliar a desoneração sobre a alíquota média da nova tributação, estimada em 26,5%. Mas não é só isso. Segundo Orair, é mais barato para o governo devolver o dinheiro pago pelos mais pobres do que estender a isenção para produtos que serão consumidos por ricos e pobres sem distinção.

“É (um custo) muito menor, porque vai direto ao bolso das famílias que precisam e é um mecanismo que mantém a carga tributária. Se dou muitas exceções (por meio de redução de alíquotas), tenho de aumentar a tributação de todos os outros bens e serviços para compensar (e manter a arrecadação), já que a renúncia fiscal é muito alta”, afirma Orair.

“São esses efeitos que precisam ser comparados”, aponta o economista.

Publicidade

O governo avalia que o sistema de devolução de tributos ao consumidor de baixa renda poderá alcançar 28,8 milhões de famílias, o equivalente a 73 milhões de pessoas. O foco será nas contas de água, luz e gás, mas o mecanismo se estenderá, em menor porcentual, a todas as compras que essas famílias fizerem, inclusive as feitas em supermercados e em comércio de alimentos.

No caso de contas de luz, água e esgoto e gás, a devolução de impostos é de 50% (na fatia federal da nova tributação) e de 20% (na fatia de Estados e municípios). Em compras diversas, a devolução é de 20% nos dois casos.

Banco Mundial: cesta básica ampliada onera os mais pobres

A avaliação da Fazenda é corroborada pelo Banco Mundial, que simulou um cenário em que todos os alimentos teriam alíquota zero, e não apenas os 15 itens incluídos na cesta básica nacional. Nessa hipótese, não haveria cashback e a alíquota padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) saltaria de uma média de 26,5% para 28%. Ou seja, todos (inclusive os mais pobres) pagariam mais nas compras dos produtos não isentos.

E mais grave: o aumento na tributação seria ainda maior para a população carente. Os brasileiros que fazem parte dos 10% mais pobres passariam a comprometer 26,8% da renda com a tributação sobre o consumo, ante 23,3% com a proposta atual do governo. Já os que estão no 10% mais rico teriam um impacto menor: de 9,4% para 9,5%.

PUBLICIDADE

“Uma cesta básica mais ampla, no lugar do cashback, levará a um resultado pior para as camadas mais pobres da sociedade e também levará a uma alíquota padrão mais alta, já que tem um custo elevado”, afirma o economista sênior para o Brasil do Banco Mundial, Cornelius Fleischhaker.

Nos cálculos da instituição financeira internacional, os 20% mais ricos do País consomem, em valores absolutos, 53,9% dos queijos, 45,1% das frutas e 36,1% da carne bovina. Portanto, o subsídio fiscal seria majoritariamente absorvido pelas famílias mais ricas.

“Ou seja, se quiser uma reforma mais progressiva (que tributa mais os mais ricos), o caminho é reduzir ao máximo possível a cesta básica e outras reduções de alíquotas e aumentar o cashback”, diz Fleischhaker.

Publicidade

O cashback, porém, está longe de ser um consenso e deverá ser alvo, juntamente com a cesta básica, de duros embates no Congresso Nacional. Uma das críticas é de que as famílias mais pobres terão de ter “capital de giro” para primeiro pagar pelo produto ou serviço e depois receber o valor.

O governo avalia implantar uma devolução mais imediata, na boca do caixa dos supermercados, por exemplo, mas ainda há desafios relacionados à operacionalização, principalmente nos estabelecimentos menores.

Outro ponto colocado pelos críticos é de que o mecanismo criaria mais burocracia para beneficiar famílias atendidas pelo Bolsa Família. Dessa forma, melhor seria ampliar o programa em vez de criar um novo sistema.

A Fazenda discorda: “O Bolsa Família é uma transferência de renda, já o cashback é uma devolução de imposto com o objetivo de mitigar a regressividade da tributação no consumo”, afirma Orair.

Segundo ele, o benefício tributário atenderá ao público da ação social do governo, mas também famílias com renda de até meio salário mínimo per capita que não estejam no programa.

“A gente não quer que ele (cashback) seja confundido com outro programa social. Ele tem de ser comparado com alternativa a ele, que é a seletividade de alíquotas e diferenciação de alíquotas”, diz.

Tributação dos alimentos da cesta básica

Segundo Orair, o Ministério da Fazenda usou três critérios para selecionar os 15 produtos propostos para a cesta básica nacional com alíquota zero. A incidência da tributação, com o objetivo de evitar o aumento de preços; se o produto é ou não consumido pelos mais pobres; e o terceiro se são saudáveis ou não.

Publicidade

Com a cesta básica zerada e com a redução da 60% na cesta estendida, além do cashback, a equipe econômica calcula que a carga tributária média que incide sobre esses alimentos (que compõem a cesta estendida) recuará dos atuais 15,8% para 8,5% - ou seja, cairá quase pela metade.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entrega o projeto de regulamentação da reforma tributária ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Wilton Junior/Estadão

Isso porque, além da redução de alíquotas, devem ser considerados tributos que são acumulados pelos produtores e que acabam ficando embutidos nos preços dos alimentos, o chamado resíduo tributário. Como a nova tributação será um IVA, cada etapa da produção pagará o imposto sobre o valor que adicionou ao produto ou serviço, descontando os impostos recolhidos nas etapas anteriores.

Orair chama a atenção para o fato de supermercados e lojas estarem pagando impostos embutidos nas contas de luz, por exemplo, que poderão gerar créditos e serem abatidos.

“O problema da cesta básica e das isenções, das alíquotas reduzidas e zero, é que não há garantia de que vão repassar para preço. Estudos mostram que foi reduzida a tributação de PIS, Cofins e ICMS, outros países fizeram o mesmo, e ninguém reduziu o preço”, diz.

A proposta de cesta básica do governo, no entanto, está sendo considerada excessivamente restritiva até em relação ao decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, editado em março, e que lista 10 categorias de produtos, inclusive carnes, na cesta básica de alimentos da Política Nacional de Segurança Alimentar.

Orair afirma que o decreto presidencial prevê que adaptações sejam feitas em razão de limitações fiscais ou de critérios distributivos (focalizados nos mais pobres). “A nossa interpretação é que esse segundo grupo de alimentos (da cesta estendida) não passa no critério distributivo nem fiscal, que está no decreto”, afirma Orair.

“A gente está olhando muito para coisa da eficácia e da efetividade da política pública, em particular na progressividade, de mitigar que os benefícios tributários fiquem muito concentrados entre os mais ricos”, afirma.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.