É difícil imaginar que possa faltar tino político a quem já foi eleito três vezes presidente da República. Mas a verdade é que se acumulam evidências de que Lula da Silva vem se permitindo preocupante dilapidação dos seus recursos políticos.
Grande parte das dificuldades remonta à resistência do presidente a reconhecer que só foi eleito graças à profunda aversão de parcela substancial do eleitorado de centro a Jair Bolsonaro. Já no primeiro turno ficara mais do que claro que os eleitores haviam escolhido um Congresso marcadamente de centro-direita.
Tudo isso apontava para a necessidade de um movimento inequívoco de Lula para o centro do espectro político, no eixo que de fato importava, que era o da condução da política econômica.
Não foi o que ocorreu. Assombrado pelo passado, Lula viu seu novo mandato como uma oportunidade para insistir em políticas caras ao PT, certo de que isso redimiria o partido das pechas que lhe foram assacadas na esteira do desastre do terceiro governo petista.
Entregue ao negacionismo, o governo desencadeou agora mais um esforço de reconstrução da história, no seu incansável empenho em vender ao País a ideia de que o calamitoso governo Dilma Rousseff não passou de narrativa injusta, sem aderência aos fatos.
Em discurso proferido em Pernambuco, na Refinaria Abreu e Lima – memorial icônico da malversação de recursos dos governos petistas –, o presidente permitiu-se arguir que “a história ainda vai ser contada”. E que “tudo que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre (...) juízes (...) e (...) procuradores (...), subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que (...) nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras” (O Globo, 19/1).
Em paralelo, para espanto do País, o governo tentou interferir na Vale – empresa privatizada há quase 30 anos – com o intuito de alçar ninguém menos que Guido Mantega à presidência da empresa. Seria um gesto de reabilitação do ministro da Fazenda de Dilma Rousseff e de reconhecimento da gratidão a ele devida. Afinal, a investida acabou sendo abortada. Mas ainda se teme que o governo encontre formas de impedir a escolha de um CEO que não seja de seu agrado (Valor, 29/1).
Num momento em que boa parte das oportunidades de investimento privado no País está relacionada a projetos de infraestrutura – sabidamente expostos a alto risco de natureza regulatória e dependentes de um ambiente de estrito respeito às regras do jogo, sem históricos de arbitrariedades –, o episódio não poderia ter sido mais danoso.