Com mais vagas de emprego na área de tecnologia do que profissionais capacitados para ocupá-las, o setor se tornou um dos mais promissores do mercado. Até 2024, o Brasil vai precisar de mais de 300 mil profissionais de TI, mas só forma 46 mil alunos na área por ano. Assim, na hora de escolher uma profissão, investir no segmento pode parecer garantia de trabalho, mas não é bem assim. A disputa atual no mercado é por profissionais experientes - e os iniciantes estão sendo colocados de escanteio.
Aline Teles, de 30 anos, é moradora de São Paulo, recém-formada em Gestão de Tecnologia da Informação e conta que está com dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Os requisitos para os cargos de entrada acabaram se tornando uma barreira.
“Durante a faculdade, eu não cheguei a estagiar, mas fiz várias entrevistas. O que eu pude perceber, infelizmente, é que até para vagas de estágio há muitas exigências”, diz ela.
Aline conta que sempre gostou de tecnologia e lembra que o seu primeiro contato com um computador foi aos 9 anos, mas nunca imaginou que poderia se tornar um ofício. Com 15 anos, ela começou um curso de Informática, mas precisou trancar para trabalhar. Nesse meio tempo, foi babá, cuidadora de idosos, entregadora de panfletos e até tosadora de animais.
Na hora de escolher uma nova profissão, ela viu que a área de tecnologia estava precisando de profissionais e, após pesquisas e conversas, optou por estudar TI. Ela afirma que observa, sim, uma grande quantidade de vagas, porém a maioria destinada para quem já está no mercado há mais tempo.
“As empresas estão basicamente disputando os profissionais que já têm experiência. Mas até chegarmos lá ainda há uma caminhada muito grande. No meu caso, que estou iniciando e nem consegui estagiar, é muito complicado por conta das muitas exigências, que às vezes nem serão utilizadas para o cargo que você vai ocupar.”
Formada e sem trabalhar na área, ela conta que não deixa de buscar aprendizado. “Hoje eu ainda trabalho como atendente e tosadora, mas sigo sempre atualizando e aprimorando meus conhecimentos na área de tecnologia. No momento, estou participando de uma trilha de Python com a empresa ShareRH, que se chama Afrodev. É um programa voltado para pessoas negras.”
Em paralelo, ela busca por vagas diariamente e está cadastrada em diversas plataformas, como Revelo, Catho e InfoJobs, além de conferir as chances disponíveis no LinkedIn. “Eu devo enviar em média uns 20 currículos por dia.”
Essa também é a realidade de Ednavan Lima, de 23 anos, que mora em Campina Grande (PB), e se formou recentemente em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. “Além da experiência profissional, as empresas pedem conhecimentos em inúmeras linguagens de programação, o que torna ainda mais difícil para um iniciante entrar no mercado de trabalho.” Segundo ele, muitas empresas acabam não dando oportunidade para quem está começando.
“Recentemente, participei de um processo seletivo para uma empresa que estava com chances para profissionais juniores e estagiários. Em uma das etapas, enviei alguns trabalhos que eu já havia feito, mas no final eu não fui selecionado. Eu pedi um feedback para o recrutador como forma de saber o que precisava melhorar e soube que as vagas foram ocupadas por programadores mais experientes”, conta.
Atualmente, Ednavan trabalha na área de suporte e busca por uma vaga de desenvolvedor. No dia a dia, ele usa o LinkedIn para fazer networking com recrutadores e profissionais da área.
Segundo Ronaldo Takahashi, CTO do Distrito, a busca por uma digitalização dentro do menor prazo possível faz com que as empresas recorram a perfis com um nível de senioridade maior. “Desenvolvedores com menos experiência precisam de um tempo maior para adaptação e capacitação. Em alguns casos, o próprio tempo de desenvolvimento também acaba sendo maior”, explica.
As vagas ofertadas nas plataformas
Para entender esse cenário de contratações, o Estadão consultou as principais plataformas de recrutamento do País. Em 2020, de todas as oportunidades anunciadas para a área de tecnologia no Vagas.com, 60,4% eram destinadas para profissionais plenos e seniores, enquanto 20,4% eram para cargos de estágio e trainee ou júnior.
Apenas as vagas para sênior (28,2%) tiveram maior representatividade do que todas as chances para iniciantes. Analisando os meses de janeiro a abril deste ano, o cenário não mudou muito, com 59,2% das chances para cargos especialistas e 26,4% para cargos de entrada.
Dados da Catho mostram que, de janeiro a março deste ano, 87,96% das vagas de emprego em tecnologia anunciadas eram destinadas a profissionais especializados com ensino superior. Para quem tem apenas nível médio ou técnico, as chances não chegaram a 1% (0,97%). Além disso, enquanto cargos de chefia e supervisão representavam 6,8% das vagas, as posições de estágio somaram apenas 1,2%.
Na Gupy, a maioria das vagas de TI publicadas recentemente também é para cargos pleno e sênior, sendo 45% e 33%, respectivamente. Já as oportunidades para posições juniores representaram 24%. No geral, a área de tecnologia é uma das que mais geram oportunidades de trabalho, sendo 17% de todas as vagas da plataforma, mas, segundo Guilherme Dias, CMO e cofundador da Gupy, também é uma das áreas mais difíceis para se encontrar talentos.
No InfoJobs, o cenário se repete. Das vagas anunciadas atualmente na plataforma, 57,8% são destinadas para analistas, especialistas, coordenadores e outros cargos com nível maior de senioridade. Para estagiários, trainees e cargos juniores, esse percentual é de 5%.
“Por se tratar de uma área técnica, muitas vezes em posição urgente, conhecimentos técnicos são exigidos e necessários. Esses conhecimentos aparecem em profissionais com mais experiências e, assim, a chance de obter sucesso na contratação e agilizar a transição e absorção dos processos torna-se ainda maior”, explica Ana Paula Prado, country manager do InfoJobs.
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