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Trabalhar com um chefe narcisista te faz sentir uma farsa, diz especialista

Em entrevista ao ‘Estadão’, Birgit Schyns, PHD em psicologia, explica como conviver com chefes narcisistas pode impactar na saúde mental e na carreira dos liderados

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Por Bruna Klingspiegel
Atualização:
Foto: Arquivo Pessoal
Entrevista comBirgit SchynsPHD em Psicologia e professora do NEOMA Business School

Você tem um chefe que rouba suas ideias? Ou que tem a necessidade de ser admirado o tempo todo? Cuidado, você pode estar lidando com um narcisista – ou com alguém que age da maneira como definem essa condição psiquiátrica. É o que explica a alemã Birgit Schyns, especialista em psicologia organizacional e professora do NEOMA Business School, na cidade francesa de Reims.

O transtorno de personalidade narcisista é caracterizado por uma série de comportamentos que envolvem o egocentrismo e uma necessidade excessiva em ser admirado. Segundo a especialista, embora seja difícil determinar se os indivíduos nascem com essas características ou se as desenvolvem mais tarde na vida, experiências iniciais de negligência ou superproteção podem ser influências significativas.

Os narcisistas podem ser inicialmente atraentes devido à sua natureza extrovertida e ao amor por desafios, mas, no final das contas, sua tomada de decisão pode prejudicar potencialmente a produtividade e o crescimento de uma empresa.

Em entrevista ao ‘Estadão’, Birgit Schyns e a professora-assistente Urszula Lagowska, falaram sobre o narcisismo no ambiente de trabalho e como empresas e colegas podem lidar com esses comportamentos no dia a dia.

Birgit Schyns, PHD em psicologia organizacional e professora do NEOMA Business School. Foto: Arquivo Pessoal

Quais são os comportamentos mais comuns ou mais fáceis de serem identificados em líderes narcisistas?

Birgit: Uma das principais características dos narcisistas é que eles se sentem no direito de tudo. Então, às vezes, resumimos a isso na literatura acadêmica, eles pensam que tudo é sobre eles ou, se não é, deveria ser.

As pessoas nascem com essas características ou elas são desenvolvidas ao longo da vida?

Birgit: É difícil dizer. Não há um elemento que mostre que esses traços são desenvolvidos por experiências da primeira infância. O que percebemos é que a negligência ou a superproteção podem ser fatores de extrema influência nesse processo. Quanto mais velho você fica, é meio natural você diminuir esses comportamentos. Na adolescência, por exemplo, você precisa ser diferente dos outros, precisa se destacar. Então é um momento em sua vida em que o narcisismo é mais normal, mas a longo prazo, se torna um problema.

Como isso impacta na cultura e na produtividade de uma empresa?

Birgit: Geralmente achamos que os narcisistas são ótimos. Eles geralmente se interessam e se saem bem em posições de liderança. Então, se você conhece um narcisista no trabalho, ele é extrovertido, ama desafios, não tem problemas. Isso os torna atraentes para ocupar posições de liderança porque estamos procurando pessoas com esse espírito. O problema é que nem todas as suas decisões são boas ou éticas. Temos que ter em mente que são escolhas egoístas. Eles estão tomando a decisão segundo o que é melhor para eles, não necessariamente pela organização, o que pode afetar diretamente na produtividade e no crescimento da empresa. Além disso, os relacionamentos também tendem a ser piores com eles. Assim como em relacionamentos amorosos, os narcisistas não são pessoas legais de interagir, então ter relacionamentos de longo prazo com eles geralmente é problemático e gera muitos danos para os colegas e para a empresa.

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Você consegue identificar esses comportamentos em uma entrevista de emprego, por exemplo?

Urzula: O que também percebemos é que essas pessoas não conseguem sustentar sua imagem positiva por muito tempo. Eles não podem projetar esse lado positivo deles. Eles não têm empatia, então não podem agir assim a longo prazo.

Birgit: Tempo de convívio é realmente importante. Em uma entrevista de emprego, todos nós usamos uma máscara, mas quando você conhece mais as pessoas, fica difícil manter a sua imagem construída. Portanto, no momento em que realmente lidamos com elas por mais tempo, é provável que a máscara caia e os narcisistas sejam descobertos. Meu conselho é: deixe eles falarem com as pessoas, se eles não forem legais com quem está abaixo deles, eu já pensaria duas vezes antes de contratá-los.

Há alguma diferença em relação às novas gerações? A geração Z é realmente mais narcisista que as demais?

Birgit: Acabamos de ter exatamente essa conversa em uma conferência com uma das minhas colegas, Emily Grijalva. Ela tem um estudo sobre a influência da diferença geracional no desenvolvimento do narcisismo. O resultado é que não há diferença entre as gerações. A geração Z não é mais narcisista do que as demais, o que está em jogo é que, quanto mais velhos somos, mais responsabilidades de cuidado temos, seja com filhos e com as outras pessoas. A vida nos deixa menos narcisistas.

Urzula: Talvez nas novas gerações seja mais visível pelo elemento social. Os narcisistas precisam ser vistos e querem ter o máximo de atenção, então eles também garantem que estão sendo vistos a cada minuto nas redes sociais. Agora, com essa possibilidade de serem vistos em todos os lugares, nós os vemos mais.

Qual é o impacto na carreira e na saúde mental de quem lida com esse tipo de chefe ou colega de trabalho?

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Birgit: Os narcisistas podem ter alguns aspectos positivos porque eles gostam de desafios, não têm medo de mudanças, mas, a longo prazo, trabalhar com eles é problemático. Você se lembra assim que começa que, se não concordar com eles, eles podem se tornar agressivos. Portanto, essa é uma carga cognitiva enorme. E isso também significa que você provavelmente não está mostrando seu melhor desempenho porque pode estar com muito medo do que seu chefe fará e pode estar pensando que você o desafiaria se o fizesse. Portanto, a longo prazo, para o bem-estar mental dos outros, nunca é uma boa ideia. Eles simplesmente não são bons com as pessoas.

O trabalho remoto pode ajudar nessas situações?

Urzula: Descobrimos em nosso estudo mais recente que trabalhar remotamente pode realmente ajudar a pessoa a se proteger da influência de um líder negativo, porque levantamos a hipótese de que você pode se desconectar facilmente do chefe abusivo. Você não pode verificar seu e-mail ou não responder direito, você pode ter mais controle sobre como lidar com a situação do que pessoalmente. Estar na frente da pessoa abusiva é muito mais impactante e pode afetar muito mais o emocional. Vimos que as pessoas que estão online e não no escritório no dia em que o abuso acontece, dormem melhor e têm mais intenção de deixar a empresa se o chefe for abusivo. Assim, sujeitam-se a esta relação com o medo do patrão abusivo, mas quando estão longe, podem ser capazes de pensar em sair da empresa e procurar alternativas. Então isso é bastante positivo.

Todo chefe narcisista é abusivo?

Urzula: Nem todos os narcisistas são abusivos. O abuso de um supervisor se concentra no que a pessoa faz, não é sobre quem ela é. Portanto, um chefe abusivo é alguém que humilha você na frente de outras pessoas, que o critica sem motivo ou o intimida sem atos físicos.

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Birgit: Existem pessoas que não são narcisistas ou abusivas, mas podem ser, por exemplo, pessoas que sofrem muita pressão de seus próprios chefes e que reproduzem a pressão para baixo. Ou pessoas que são simplesmente incompetentes, de modo que não saibam como lidar com as pessoas e se você colocar em uma situação de pressão, essas características aparecem. Então não é uma regra para todos. Tendemos a pensar que quem é narcisista eventualmente se transformará em abusivo, mas nem todo abusivo é narcisista. Acho que também é importante lembrar porque falamos muito sobre narcisismo hoje em dia e é meio fácil classificar as pessoas com algo porque achamos útil fazer isso, mas nem sempre é assim. É mais complicado do que isso.

O que fazer quando você percebe que está em um ambiente lotado de narcisistas e não quer ou não pode se demitir?

Birgit: Eu sempre digo às pessoas para documentar, anotar todos os incidentes que você esteve com a pessoa porque, porque se chegar ao ponto em que você tenha que cortar seus laços com a organização pelo menos você tenha uma prova de que não é sua culpa, há uma razão muito boa para isso. Eu acho que quanto mais evidências você tiver, melhor você será também a longo prazo. Quando um novo chefe chegar, você pode dizer olhe, isso é o que experimentei e então pode ser capaz de ajudá-lo com a situação ou explicar por que as coisas funcionam desta forma.

Eu sempre tentaria encontrar apoio não apenas de colegas de trabalho, mas idealmente de fora também, porque pode ser muito difícil de lidar e pode realmente te desgastar. O perigo de trabalhar com um chefe abusivo ou narcisista é que você se sente uma farsa e isso pode afetar sua produtividade, pode afetar como você se sente em relação a si.

E do lado das empresas, existe alguma forma de traçar limites para essas pessoas?

Birgit: Pense na cultura da organização, no que acontece, nos comportamentos a recompensar e a punir, isso ajuda. Não dê responsabilidades que envolvam gerenciar outras pessoas. Portanto, se você colocá-los em uma posição, eles podem fazer seu trabalho, mas não influenciar os demais. Você não causa tanto dano aos outros do que eles fariam. Se você pode evitá-los, não contrate. Se você os tiver, não promova.

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