A transição energética para uma economia verde, com a substituição do petróleo por fontes renováveis, como a solar e a eólica, deve pressionar os preços de commodities no médio prazo. No lugar do minério de ferro e da soja, que estão puxando hoje os preços nos mercados internacionais, o cobre, o alumínio e até mesmo o petróleo devem ter suas cotações em alta no futuro.
“É ótimo termos uma economia verde, mas isso tem um custo. E esse custo não é trivial”, diz Ruy Alves, gestor de ações globais da Kinea (gestora de recursos independente que faz parte do grupo Itaú). Alves destaca que os países mais pobres devem sofrer mais com a conta a ser paga, dado que, quando o preço das commodities sobem, os alimentos costumam ficar mais caros também.
Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, essa inflação será observada porque as novas fontes de energia devem ser mais caras pelo menos em um primeiro momento, até que a produção ganhe ainda mais escala. “Quando se faz uma transição energética como a que se pretende realizar e com a pressa que essa mudança demanda, a tendência é usar inicialmente tecnologias mais caras na exploração.”
Relatório deste mês da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) aponta que, para o mundo zerar a emissão líquida de carbono até 2050, a participação da energia eólica e fotovoltaica na geração de energia elétrica no mundo terá de saltar de menos de 10% hoje para quase 70% em 30 anos.
Essa transformação demandará, sobretudo, cobre e alumínio, além das chamadas terras raras (substâncias químicas de difícil extração usadas na produção de baterias recarregáveis). O estudo da IEA aponta que o uso dessas commodities deve passar de cerca de 8 milhões de toneladas por ano em 2020 para 40 milhões em 2050, um crescimento de 400%.
O cobre, produzido principalmente no Chile, no Peru e em países africanos, é tido como um dos principais produtos dessa nova economia. Ele deverá ser usado sobretudo em redes de transmissão de energia construídas especificamente para atender fazendas de energia eólica e solar. Carros elétricos também demandam uma quantidade maior do material do que os veículos tradicionais.
Por outro lado, os investimentos para ampliar a produção dessa commodity têm sido aquém do necessário para acompanhar o crescimento da demanda, segundo relatório que a Kinea divulga nesta quinta-feira, 27. “Novos investimentos de exploração, se iniciados hoje, devem levar ao menos cinco anos para gerar oferta substancial, e nesse interregno não vemos perspectiva de a oferta cobrir a demanda ‘verde’ para distribuição de energia e carros elétricos. Esse desbalanço provavelmente terá que ser resolvido através de preços mais altos”, afirma o documento.
No caso do alumínio, a procura deve crescer alavancada pela utilização em painéis solares. Mais leve que o aço, a commodity também deve ser aproveitada pelas indústrias da construção e de transportes.
As condições da oferta do produto, no entanto, podem resultar em preços mais elevados. O alumínio é feito a partir da bauxita e sua produção utiliza uma enorme quantidade de energia elétrica. O entrave ocorre porque a China, que tem no carvão sua principal fonteenergética, é o maior fornecedor de alumínio do mundo.
Assim como Washington, Pequim também vem revendo sua postura em relação à emissão de carbono. Esse movimento fez a produção global de alumínio, que vinha crescendo de forma acelerada, ficar estancada no mesmo patamar desde 2017.
“Devemos nos deparar com forte demanda da reabertura econômica juntamente com a inabilidade do mundo de responder com correspondente oferta (de alumínio), gerando um déficit e consequente queda de estoques, que já se encontram em nível abaixo da média histórica”, destaca ainda o relatório d a Kinea.
Petróleo
Apesar de ser uma das fontes mais “sujas” de energia, até o petróleo deve registrar alta nos preços no período em que a economia estiver em transformação. Isso deve ocorrer como resultado da redução de investimentos no setor.
Nos últimos dez anos, o petróleo de xisto nos Estados Unidos cresceu a ponto de se tornar responsável por 10% do total produzido no mundo. O governo de Joe Biden, porém, está desincentivando o segmento.
Fundos de investimento também têm reduzido aportes no setor petroleiro como um todo. A tendência, portanto, é que, nos próximos anos, a produção se concentre nas mãos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que pode tabelar o preço em patamares elevados.
“Os países altamente dependentes da exportação, sabendo do fim iminente do petróleo, vão querer maximizar receitas. Eles podem e tem poder para colocar o preço em US$ 100 o barril”, diz o economista-chefe da consultoria LCA, Bráulio Borges.
Para Borges, uma forma para tentar aliviar, no Brasil, essa pressão nas commodities decorrente da transformação energética seria reduzir a alíquota de importação de bens duráveis, que é superior à média global. “Não aliviaria muito os preços em reais das commodities básicas, mas amenizaria ou mesmo neutralizaria os efeitos na inflação final”, explica.