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Equilíbrio entre Lula e o mercado e abalos na governança: como foi o 1º ano de Prates na Petrobras

Ex-senador completa um ano à frente da estatal nesta sexta; período foi marcado pela manutenção dos dividendos em bom nível, mas também por mudanças do estatuto para reduzir barreiras a indicações políticas

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Por Redação
Atualização:

RIO - O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, completa um ano à frente da estatal nesta sexta-feira, 26, com o valor de mercado da companhia em patamar recorde, acima dos R$ 536 bilhões. Apesar da gestão mais palatável ao mercado do que se projetava para a Petrobras no governo Lula 3, e da manutenção dos dividendos em bom nível (45% do fluxo de caixa livre), a condução da estatal por Prates não é unanimidade.

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Os críticos reclamam de abalos na governança, que se materializaram com a mudança do estatuto para reduzir as barreiras a indicações políticas. Em reunião do Conselho de Administração nesta sexta-feira, 26, por exemplo, o advogado Renato Galuppo, que não preenche o requisito básico da governança, o de possuir experiência prévia no setor, foi eleito para o colegiado. A estatal alega que apenas adaptou o documento à derrubada de trechos da Lei das Estatais decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Outra queixa comum diz respeito à estratégia futura, que passa pela expansão do parque de refino e planos em energias renováveis, como geração eólica offshore, com custos associados considerados altos.

Lula e Prates durante cerimônia de retomada das obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Em novembro do ano passado, a Petrobras também decidiu rescindir o contrato de venda de uma refinaria no Ceará, cuja entrega já havia sido adiada por duas vezes. O negócio havia sido fechado por US$ 34 milhões (R$ 167,3 milhões) em 2022 a um grupo especializado em asfaltos. A estatal anunciou a “reestatização” da Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor) alegando que algumas condições precedentes para transferência do ativo não foram concluídas.

Algumas medidas no ano passado pareceram aproximar a estatal do modelo de gestão adotado nos governo petistas anteriores. Nos governos Lula 1 e 2 e Dilma Rousseff, a Petrobras sofreu com o aparelhamento político, se endividou para fazer investimentos do interesse do governo (como a construção de estaleiros e a compra de navios sonda) e teve prejuízo recorde entre 2014 e 2017 de R$ 71 bilhões, culminando numa dívida de cerca de R$ 350 bilhões.

A empresa fez uma série de investimentos sob os governos do PT que não trouxeram os resultados previstos e acabaram tendo custos excessivos devido à busca por uma posição monopolista em diversas áreas. Foi o caso, por exemplo, da compra da Refinaria de Pasadena, que acabou custando à estatal, em 2008, US$ 1,2 bilhão, valor bastante superior aos US$ 42 milhões desembolsados pela empresa belga Astra Oil, em 2005.

Neste terceiro mandato de Lula, Prates prometeu desde o início e vem cumprindo mudanças estruturais na Petrobras. São os casos da política de preços, que assistiu ao fim da política de paridade internacional (PPI), um tópico do programa de governo de Lula, e da estratégia de investimentos para os próximos cinco anos, cujo montante previsto saltou dos US$ 78 bilhões previstos na gestão anterior para US$ 102 bilhões.

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Equilíbrio

Como ex-senador, Prates soube administrar as pressões políticas do PT e do Palácio do Planalto, entregando as mudanças pleiteadas pelo governo, mas com evidente contenção de danos na percepção dos investidores.

Para o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman, o primeiro ano da gestão foi marcado pelo tripé de mudanças nas políticas de derivados, dividendos e investimentos (Plano Estratégico 2024-2028) e deu o tom do que vai ser o futuro da administração.

“A política de derivados é mais opaca do que a anterior, mas bem menos nociva do que mercado esperava”, diz Arbetman. Ele faz referência ao fim do PPI, e entrada em vigor de uma banda de acompanhamento dos preços do diesel e da gasolina da Petrobras, em que a base é o preço de custo da companhia e o teto é o preço alternativo da concorrência.

Embora o sistema não seja transparente e a Petrobras tenha promovido mais baixas de preço do que aumentos, na passagem de 2023 para 2024 os preços praticados nas refinarias da estatal estiveram acima da referência internacional.

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Em termos de resultado financeiro do braço de refino, embora os preços praticados tenham diminuído, a estatal ampliou severamente o fator de utilização (FUT) de suas refinarias, que saltou mais de 10 pontos porcentuais na comparação com 2022. Isso aumentou os volumes comercializados, o que permitiu equalizar a receita, compensando perdas causadas pela redução de preços.

Sobre os dividendos, Arbetman afirma que a redução de 60% para 45% do fluxo de caixa livre foi mais branda do que a esperada pelo mercado, que chegou a prever o mínimo legal (25%). Paralelamente, ainda houve recompra de ações, o que protege o acionista.

“No fim, a gestão Prates não desassociou a distribuição de proventos da geração de caixa da empresa. Havia esse temor, mas isso não foi feito”, diz.

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Por fim, sobre o novo plano de investimentos, o analista afirma que as declarações dos executivos da empresa prepararam o terreno e a divulgação da estratégia até 2028 veio sem surpresas, com uma ênfase maior em refino e geração de energias renováveis.

Críticas

Em que pese essa previsibilidade e a prática por vezes afeita ao mercado, como na reversão da política de venda de ativos, que respeitou contratos assinados, a governança da gestão Prates na Petrobras ainda é vista com desconfiança.

Ao Estadão/Broadcast, altos executivos da gestão anterior da Petrobras, de Caio Paes de Andrade, fizeram críticas a Prates, no que definiram como processo de “aparelhamento gradual da companhia”, espécie de “volta ao passado” marcada pela indicação de executivos ligados a escândalos e retomada de investimentos em obras de refinarias e construção naval.

Jean-Paul Prates era senador pelo Rio Grande do Norte antes de assumir a presidência da Petrobras Foto: André Coelho / EFE

“E ainda tem esse processo de revisão dos investimentos, com planos de retomada da construção de refinarias e construção naval. Isso é um claro retrocesso, uma brincadeira. Dá vontade de passar em Angra (dos Reis) para ver as (sondas) semi submersíveis da Sete Brasil”, disse um ex-conselheiro que não quis se identificar.

A Sete Brasil é uma empresa criada pela Petrobras, em sociedade com BTG Pactual, Bradesco, Santander e fundos de pensão para a construção de sondas de exploração de petróleo que entrou em recuperação em junho de 2016 com dívida superior a US$ 19 bilhões.

Neste mês, Prates anunciou um investimento entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões no projeto de ampliação da refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. O objetivo é elevar gradualmente o processamento de petróleo cru de 100 mil barris por dia para 260 mil barris por dia até 2028. A unidade, cuja construção foi inaugurada há 18 anos com a presença dos então presidentes Lula e Hugo Chávez (Venezuela), tornou-se um dos símbolos das investigações da Operação Lava Jato no escândalo do “petrolão”, esquema de desvio de recursos da estatal durante as gestões petistas. O projeto foi pensado em parceria com a estatal venezuelana PDVSA.

Sua construção se arrastou de 2005 a 2014, com um atraso de três anos para o início da operação parcial, antes previsto para 2011. Com um custo inicial de R$ 7,5 bilhões, as obras do empreendimento, que deveria ser o início da independência para o refino de petróleo brasileiro, consumiram quase R$ 60 bilhões.

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Outro executivo da gestão passada aponta as mudanças no estatuto da companhia, que afrouxou as barreiras a indicações políticas, e afirma que, nos bastidores, aumenta a sanha política pela diretoria que “fura poço” (Exploração e Produção), hoje ocupada por Joelson Mendes.

Ele acrescenta que o resultado financeiro encolheu em 2023 ante 2022 e diz que a única coisa que se manteve foi a perseguição à lógica de pagamento de dividendos por parte dos governos (Lula e Bolsonaro).

Sobre a mudança no estatuto, a Petrobras argumenta que só adaptou o documento a uma decisão do ex-ministro do STF e atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que derrubou trechos da Lei das Estatais no ano passado. O mercado, porém, não recebeu bem as mudanças nas regras internas de admissão.

À frente, o desafio será conter o apetite de políticos por cargos na empresa. O principal teste já está no horizonte: a assembleia de acionistas da companhia, que renovará, em abril, os membros do Conselho de Administração.

Dois analistas que não quiseram se identificar minimizaram a questão das indicações polêmicas, afirmando que o comando da companhia, ou seja, a diretoria executiva, é “predominantemente técnico”.

Com relação ao avanço de políticos sobre cargos na Petrobras, Prates tem a seu favor resultados operacionais robustos e o histórico de equilibrar pratos, atendendo, ao mesmo tempo, o governo federal e o mercado financeiro, uma qualidade rara para o ocupante de sua cadeira nos últimos anos.

“A média de permanência de presidentes da Petrobras no cargo tem sido de dois anos. Todos aguardam para ver se Prates vai conseguir ficar mais tempo”, diz Arbetman, da Ativa Investimentos, lembrando que, apesar da aparente confiança de Lula, Prates já teve polêmicas públicos com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e com alas do PT nos bastidores.

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Posição da Petrobras

Em nota, a Petrobras diz que a governança da companhia vem sendo fortalecida na gestão Prates e que a robustez da performance vem sendo confirmada a cada resultado “com produção crescente, diversos recordes operacionais e resultados financeiros positivos”.

Especificamente sobre a alteração do estatuto, a Petrobras repetiu que o objetivo foi alinhar o documento à Lei das Estatais “quaisquer que venham a ser as decisões judiciais a respeito do tema”. Segundo a empresa, o estatuto continua a fixar o cumprimento total da Lei das Estatais.

Na prática, segundo a Petrobras, ao eliminar as especificações do antigo artigo 21 da lei, a estatal se adianta a qualquer decisão judicial sobre o texto legal. O veto ao trecho da lei por Lewandowski chegou a ter o julgamento no STF em plenário iniciado, mas o ministro Nunes Marques pediu vista.

Sobre nomeações, a estatal nega a versão de aparelhamento levantada por integrantes da gestão anterior. Segundo a Petrobras, o corpo de funcionários é técnico e formado, em sua maioria, por funcionários de carreira.

A respeito de indicações específicas, a Petrobras afirma que o nome de Renato Campos Galuppo ao Conselho de Administração passou por todos os níveis da governança da empresa, que não constataram impedimentos. Com relação ao advogado-geral, Marcelo Mello, a Petrobras nega que o executivo tenha sido próximo de ex-diretores envolvidos em escândalos de corrupção e lembra que o mesmo foi testemunha em favor do Ministério Público em processo contra o ex-diretor Nestor Cerveró. Com relação a Luís Fernando Nery, a Petrobras afirma que a apuração interna sobre o caso dos ingressos em camarotes do carnaval da Bahia não imputou qualquer responsabilidade ao executivo.

Por fim, sobre a estratégia para o negócio de refino e, no futuro, energias renováveis, a Petrobras se diz comprometida com a transição energética e com sua função social para o “desenvolvimento socioeconômico sustentável” do Brasil, e afirma que tudo será feito de forma gradual e responsável, “sem abrir mão, de uma hora para outra, da produção de petróleo”.

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