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Vitória de governistas não garante base forte para reformas, diz economista-chefe do Citi no País

Para executivo, discussão sobre o auxílio emergencial, ainda essencial nos dias de hoje, vai ser o primeiro teste de fogo sobre a coordenação política do Planalto e sua base de apoio no Congresso

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Por Thaís Barcellos (Broadcast)
Atualização:

A vitória dos candidatos apoiados pelo Planalto na eleição para a presidência da Câmara e do Senado não é garantia de base suficiente para aprovar reformas constitucionais, como a Proposta de Emenda à Constituição do pacto federativo e a emergencial, fundamentais para garantir a sustentabilidade da dívida pública no médio prazo, afirma o economista-chefe do Citi no Brasil, Leonardo Porto.

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Na Câmara, Arthur Lira (PP-AL) ganhou com quase 59% de apoio, enquanto Rodrigo Pacheco (DEM-MG) angariou 70% dos votos no Senado, porcentuais próximos do necessário para aprovação de emendas constitucionais, de 60%. "Mas sabemos que quem votou não necessariamente defende a agenda como ela está."

Para o Citi, a discussão sobre o auxílio emergencial vai ser o primeiro teste de fogo sobre a coordenação política do Planalto e sua base de apoio no Congresso. Diante do agravamento da pandemia de covid-19, o banco espera que o governo tenha de estender medidas fiscais, mas "torce" para que venha junto com medidas compensatórias.

De qualquer forma, o Citi já espera que o gasto sujeito ao teto supere o limite em 1 ponto porcentual do PIB este ano, ou R$ 75 bilhões. Questionado sobre perspectivas de outras reformas este ano ou ainda neste mandato, Porto afirma que, considerando a eleição em 2022, já será um grande resultado a aprovação das duas PECs do pacto federativo e emergencial.

Sobre a política monetária, o economista afirma que a percepção é de que o Banco Central se tornou menos tolerante com os riscos no cenário inflacionário, especialmente considerando que há fatores que sugerem que o impacto inflacionário nesta segunda onda da pandemia pode ser pior que na primeira onda. O Citi espera que a inflação oficial seja de 3,7% em 2021, praticamente no centro da meta (3,75%), e aposta que a alta de juros deve começar em junho, levando a taxa Selic para 4,0% no fim deste ano. Leia abaixo os principais pontos da entrevista:

'Condição para o governo acabar com o auxílio emergencial é ter a pandemia sob controle', diz Leonardo Porto. Foto: Divulgação

Os candidatos governistas foram eleitos no Congresso e fizeram discursos pró-reforma, com destaque para a PEC Emergencial, mas também com apoio a novo auxílio emergencial dentro do teto. O que deve mudar na agenda econômica? É esperada maior celeridade agora?

Foi um resultado extremamente confortável para o Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e para o Arthur Lira (PP-AL), na Câmara. A reforma mais importante para o mercado é a de cunho fiscal, que é a maior vulnerabilidade que o Brasil tem hoje. Então o mercado quer saber se a PEC do pacto federativo e a emergencial estão à frente da reforma administrativa e tributária. Tudo isso é proposta de emenda constitucional, que requer 60% de apoio. O placar foi de 59% na Câmara e, no Senado, de 70%. Então, o mercado olha e se pergunta se a base do governo no Congresso está próxima da maioria constitucional.

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Qual é a expectativa do Citi? No relatório de ontem, vocês destacaram que o primeiro teste de fogo para a base do governo será a discussão sobre a extensão ou não do auxílio emergencial...

Desde agosto, dizemos que a condição para o governo acabar com o auxílio emergencial ou com medidas de apoio fiscal é ter a pandemia sob controle. Como a pandemia se agravou de forma rápida e preocupante, a gente acha que o governo vai ter que estender medidas fiscais ao longo do primeiro trimestre. Vai depender enormemente da habilidade política do governo, de coordenação com o Congresso. Essa é a grande batalha e é o primeiro teste sobre a base de coalizão do governo, que não necessariamente vai ser a votação dos candidatos que foram apoiados pelo Planalto. É isso que temos que monitorar, e por isso a melhora dos mercados fica limitada. Não temos a votação aberta, porque foi secreta, mas vimos que a oposição votou no Pacheco, o que é a demonstração de que não dá para fazer correspondência entre votação dele e coalizão do governo. Escrevemos no relatório que isso ajuda, porque evita dificuldade adicional do governo na coordenação política se não tivesse as Casas, mas não significa que tem coalizão sólida e grande o suficiente para aprovar.

O Citi já projeta há alguns meses que os gastos devem superar o teto em 2021. Essa percepção sobre a extensão das medidas fiscais eleva ainda mais a previsão de gasto extra teto?

Nosso cenário base é de que as despesas vão superar o limite do teto em cerca de 1 ponto porcentual do PIB, o que seria hoje R$ 75 bilhões. A gente faz questão de não dizer que vai ser por causa da extensão do auxílio, porque isso pode ser um Bolsa Família ampliado, o que, no passado, se chamou de Renda Brasil, ou medidas para empresas, como o programa de manutenção do emprego. No nosso cenário, não terá aumento de imposto para financiar esse aumento de gastos, ou seja, vai virar crescimento de dívida, que chegaria a 92% do PIB no fim deste ano e a 104% em 2024. E o importante também é que o gasto seja concentrado este ano. Se o governo passa a mensagem que esse aumento de gasto pode se perpetuar nos próximos anos, terá uma desancoragem nos preços de ativos. No nosso cenário, o desvio em relação ao teto ocorre somente este ano. Se for assim, o impacto nos mercados deve ser bem limitado. Isso demonstra como é importante a solução legislativa que vai ser criada, a depender de como for comunicado, pode desancorar expectativas em relação à credibilidade do regime fiscal. Se vier uma solução que enfraqueça o teto para sempre, a coisa é a mais complicada.

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Mas, em 2020, dizia-se também que o mais importante era circunscrever o aumento de gastos àquele ano. Isso não abre um precedente perigoso?

Abre, por isso que a comunicação é importante. Eu costumo fazer a comparação com o regime de metas para a inflação, como quando o Banco Central teve de mudar a meta de inflação, no início dos anos 2000. Quando se eleva a meta, sempre corre o risco do BC ser interpretado como complacente com a inflação. Mas, geralmente, o BC muda a meta e explica o porquê, é muito transparente e, para não dizer que é leniente, sobe a taxa de juros. Então, se for desviar do teto este ano, o ideal é que se fortaleça o teto nos próximos anos. De qualquer forma, aos poucos, os preços vão refletindo esse maior risco doméstico. Hoje, os preços dos ativos do Brasil estão cada vez mais descolados dos preços sugeridos pelos fundamentos globais. O real era para estar orbitando abaixo de R$ 5,00 e não acima dos R$ 5,00.

E dá para esperar avanço de outras reformas este ano ou ainda neste governo, como a administrativa e a tributária?

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Ano que vem é um ano de eleição, então já será complicado. Eu diria que, se a gente conseguir aprovar as duas PECs fiscais, o pacto federativo e a emergencial, já vai ser um grande resultado, seria aprovar duas PECs em um ano só. Temos que mostrar que a dívida pública é sustentável no médio prazo.

O Banco Central se precipitou em dar um recado mais duro no último Copom ou era necessário?

Acreditávamos que o juro iria subir só no ano que vem, mas como o comunicado veio bem mais hawk [a favor de juros mais altos]. O cenário de inflação se deteriorou entre as duas últimas reuniões, mas não me parece ter sido o suficiente para entender a mudança no comportamento do Banco Central. Na nossa avaliação, o BC se tornou menos tolerante com o risco inflacionário. Não se sabe hoje se segunda onda de covid-19 terá um impacto deflacionário, por retomada mais lenta, ou inflacionário, por eventual afrouxamento fiscal. Mas tem dois componentes que sugerem que o impacto inflacionário pode ser pior do que na primeira onda. O primeiro é o ponto de partida. O IPCA fechou 2020 em 4,5% e a meta deste ano é 3,75%, enquanto, no ano passado, a inflação estava ao redor de 4,0% em fevereiro e a meta era de 4,0%. O espaço de acomodação de um eventual choque inflacionário hoje é menor do que foi na primeira onda, o que pode ter tornado o BC mais cauteloso. O segundo ponto é que os preços de commodities não param de subir, ao contrário da primeira onda.

Nesse segundo ponto tem a questão do câmbio, porque, desde o ano passado, não está acompanhando as commodities...

Esse é o principal impulsionador do câmbio. Esse descolamento começou em junho. Desde junho, o preço de commodities vem subindo e a taxa de câmbio não tem apreciado. Tem oscilado em torno de um intervalo bem grande. Em junho, chegou a R$ 4,90, foi para R$ 5,70, vai para R$ 5,30, enquanto as commodities não param de subir. E o BC tem que tomar isso como dado. Se o preço de commodities está subindo e o câmbio não aprecia, há impacto inflacionário. O melhor exemplo é o preço da gasolina, que é fixado sobre parâmetros internacionais, o petróleo e o câmbio, e vem subindo.

Quais são as projeções?

No nosso cenário, a alta de juros começa em junho, terminando 2021 em 4,0%. Para a inflação oficial, a expectativa é de 3,70%. A de câmbio atualmente é de R$ 5,19 no fim do ano. Se o cenário inflacionário se deteriorar muito até a próxima reunião, em março, o BC poderia subir os juros antes. Mas até agora continua abaixo do centro da meta para 2021, conforme a pesquisa Focus (3,53%). E ainda tem uma variável importante que é a severidade da segunda onda e a resposta do fiscal. No nosso cenário, o PIB do primeiro trimestre deve ter contração de 0,50%, o que não me parece uma aposta consensual do mercado, e o do segundo trimestre deve ficar estável. Isso tende a segurar o BC um pouco mais. E o afrouxamento fiscal que temos no cenário é limitado. Ou seja, a atividade econômica sofre por medidas de restrição de mobilidade, combinado com afrouxamento fiscal bem menor do que na primeira onda, o que segura as projeções de inflação e uma reação mais contundente do BC. Por isso, junho é o mês mais provável neste momento para o início do processo de alta de juros.

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