Conseguimos aprender com vídeos e áudios acelerados? Veja o que dizem estudos e especialistas

Pesquisas apontam resultados divergentes sobre a compreensão dos temas; professores se desdobram para captar atenção dos alunos

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Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari
Atualização:

Quando precisava se desdobrar entre escola, trabalho e estudos para vestibular, Maria Suzana Pereira, de 22 anos, passou a acelerar a velocidade de reprodução das videoaulas do cursinho online. “Não foi uma escolha, era o que eu podia fazer.” A necessidade, porém, virou hábito. “Foi caminho sem volta.”

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Hoje, cursando Jornalismo na Universidade de Brasília (UnB) e um cursinho preparatório para concurso público, as aulas presenciais são um desafio. “Fico agoniada, querendo acelerar o professor”, conta. “Começo a fazer algo que mantenha minha atenção presa. Bebo água, levo lanchinho, vou ao banheiro.”

A “agonia” de Maria já é percebida por professores em seus alunos, principalmente após a pandemia, que impôs a rotina de aulas remotas, algumas gravadas e com a possibilidade de acelerar.

Maria Suzana Pereira, de 22 anos, diz que algumas aulas presenciais lhe dão 'agonia' Foto: Sergio Lima/Estadão

“Antes de você começar a explicar, eles já começam a levantar a mão. ‘Não entendi isso.’ ‘Está muito difícil pra mim.’ Isso não era comum antes. Não esperam você concluir o raciocínio”, diz o sociólogo, antropólogo e psicanalista Tiago Pereira Andrade, coordenador do curso de Ciências do Consumo da ESPM.

“Em média, 25% dos meus estudantes não conseguem ficar 30 minutos na sala de aula sem levantar ao menos de duas a três vezes. No pré-pandemia, não era comum, não chegava a 5%”, conta Vanessa Clarissa Marchesin, doutora em Neurociência Aplicada e professora da ESPM.

“Esse acelerado tem até reprodução de fala. Eles atropelam as palavras. Outra coisa que acontece: um aumento das pessoas tomando água, com suas garrafinhas. E tem estudante também que precisa pegar o celular, está no TikTok e no Instagram”, completa.

Frente a essa realidade, professores se desdobram para compreender sobre os interesses dos alunos e como eles aprendem, para captar atenção; e especialistas indicam que essa realidade é um convite para repensarmos a qualidade de produtos educacionais gravados. Na literatura científica, estudos apontam resultados divergentes sobre o aprendizado acelerado.

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Estudos

Embora essa discussão pareça ser recente, pesquisadores já esmiúçam os possíveis impactos do número de palavras por unidade de tempo faladas por um locutor na aprendizagem desde, pelo menos, os anos 1960. Estudos chegaram a conclusões divergentes. Em comum, há limitações: as pesquisas tiveram amostras pequenas, de apenas dezenas de participantes, e ainda precisam incorporar alguns dos avanços técnicos mais recentes.

Mais recentemente, em 2021, pesquisadores da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), dos Estados Unidos, decidiram testar essas hipóteses em um estudo mais amplo, com 231 estudantes da instituição submetidos a três experimentos que testaram a compreensão imediata e tardia de aulas nas velocidades 1x, 1,5x, 2x e 2,5x. Os resultados foram publicados na revista científica Applied Cognitive Psychology.

Os resultados surpreenderam os cientistas. “A velocidade do vídeo teve pouco efeito na compreensão imediata e tardia, de modo que o aprendizado não foi significativamente prejudicado nos participantes que assistiram a vídeos em velocidade de 1,5x e 2x. A compreensão foi prejudicada apenas em participantes assistindo a uma velocidade de 2,5x”, concluíram. Mas apesar do prejuízo, quem foi submetido à velocidade de 2,5x compreendeu “com sucesso” parte do material.

Maria Suzana diz que aprende sim com os vídeos acelerados. “Se eu estiver totalmente concentrada, consigo reter conteúdo”, fala. Ela afirma, porém, que não consegue ultrapassar o 2x. “Não consigo entender nem o que a pessoa fala. Vou até o meu limite.”

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Outro resultado interessante da pesquisa americana foi na comparação de alunos vendo uma aula no ritmo normal (1x) com estudantes que assistiram ao mesmo conteúdo no 2x só que com a oportunidade de repetição. Nesse experimento, os dois grupos assistiram ao vídeo uma vez uma semana antes do teste, mas quem o viu acelerado, pôde revê-lo, no mesmo ritmo (2x), imediatamente antes de confrontar as questões.

Quem viu o vídeo acelerado, neste caso, se deu melhor. “Alunos podem estudar com mais eficiência e aprimorar resultados de aprendizado assistindo a aulas assíncronas inicialmente em velocidade 2x e novamente em velocidade 2x imediatamente antes do teste, em vez de assistir uma única vez em velocidade 1x muito antes do exame”, escreveram.

Pistas

Os pesquisadores americanos destacam que é possível que dois fatores ajudem os alunos a perceber e codificar as informações necessárias para os testes mesmo em velocidades maiores: experiência e material visual. O primeiro tem a ver com a capacidade de “treinar o ouvido”.

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Segundo os cientistas, estudos anteriores indicaram que nossa compreensão da fala alheia começa a diminuir quando a rotação do emissor ultrapassa 275 palavras por minuto. No experimento deles, com vídeos na velocidade 2x, a rotação superou essa marca (entre 314 e 332). Para eles, o que explica não terem detectado prejuízo na aprendizagem mesmo ultrapassando esse patamar, é que a prática ajuda nesse treino.

Atenção

Mas ainda não dá para cravar que os vídeos acelerados não trazem efeitos negativos. “Hoje os estudos são isolados”, diz a neurocientista Vanessa. É preciso esperar mais para termos revisões sistemáticas das pesquisas e identificar todas as variáveis envolvidas. Mas a forma como o cérebro e o sistema de atenção funcionam dão pistas.

Atenção, explica a professora, é o tempo que direcionamos para determinado alvo, e, para que isso ocorra, precisamos estar interessados. “Estudante, a partir dos 7, 8 anos, precisa ter um propósito pra estudar. Eles têm de entender o porquê”, fala. “Aquele que viu acelerado, mas que mesmo assim ficou super conectado ce entendeu o propósito da matéria vai bem.”

Segundo Vanessa, o cérebro não consegue diferenciar o digital do real. “Ele tende a simular a mesma reação atencional da internet para o mundo analógico”, diz. “Se ensino ao cérebro que essa conexão (tempo direcionado a um objeto), pode ser menor, nossa tendência é buscar essa recompensa rápida.” A desconexão entre virtual e real, alerta, pode levar a ansiedade e dificuldades de atenção. O melhor, na visão dela, seria alternar.

Doutora em gestão do conhecimento pela Universidade de Santa Catarina (UFSC) e consultora em EdTech, Carolina Schmitt Nunes comenta que esses estudos demonstram que é possível aprender com vídeos acelerados, mas as pesquisas têm limitações. “Foram feitos em ambientes controlados com determinado público”, explica.

“No geral, a gente vê que tem impacto (no aprendizado), tanto as características do aluno como também o conhecimento prévio que ele tem sobre aquele assunto. Imagina explicar física quântica na velocidade dois?”, pontua. Para ela, o recurso é uma boa ferramenta, por exemplo, para revisar conteúdos.

Divagação mental

Carolina também diz que a aceleração do conteúdo pode ajudar a reduzir um fator que prejudica a absorção do conhecimento: a divagação mental. Ela explica que isso acontece, por exemplo, quando estamos vendo um vídeo muito longo, em que a pessoa mantem sempre o mesmo tom de voz, em um contínuo. “Não tem elementos que me chamam atenção ali. Eu vou começar a pensar em outras coisas, vou distrair, vou me desconcentrar e vou começar a pensar em outras coisas.”

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Com isso, Carolina destaca que o fato da aceleração ser um fato posto, é preciso “dar um passo para trás” e produzir vídeos melhores e mais atrativos.

Uma solução para todos?

Paulo Blikstein, professor de Design de Tecnologias de Aprendizagem na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, avalia que ver acelerado é uma solução educacional que só vai funcionar para um “subgrupo de alunos” e pode ser usada nas escolas. “Mas acho que, como solução para recuperação da aprendizagem, como uma política pública, não podemos confiar nessas soluções mágicas de acelerar a aprendizagem, de tocar vídeo mais rápido e tudo mais, porque mesmo com o vídeo na velocidade normal, muitos alunos e alunas têm muitas dificuldades em aprender.”

“O problema maior nas salas de aula não são os alunos que conseguem aprender em modo acelerado, porque esses vão sempre achar um jeito de se recuperar na aprendizagem por conta própria, porque já tem ou uma bagagem maior ou uma facilidade maior ou um apoio familiar maior. O problema na educação pública é sempre o aluno que não tem essa facilidade”, afirma.

Entender e conquistar

Captar a atenção dos estudantes, porém, nunca foi uma tarefa fácil. Mas, agora, após os quase dois anos de pandemia, é preciso acostumar os alunos com o ritmo das aulas síncronas.

Vanessa utiliza algumas estratégias para que os alunos fiquem atentos às lições da disciplina de Neurociência Cognitiva. “Nas duas primeiras semanas de aula, faço uma conversa para entender como é que é o dia a dia (do estudante), para além do estilo de aprendizagem.”

Se a turma é muito grande, ela faz um questionário no Google Forms, com perguntas sobre hábitos de sono, sobre o que gosta de fazer no tempo livre, quais as estratégias de estudo, por exemplo. Quando leciona para classes com 20 ou 25, prefere o bate-papo cara a cara. “Isso é maravilhoso, porque conecta o estudante, pois ele percebe que foi acolhido e tem escuta dentro dessa sala de aula. A escuta é o principal no ambiente de sala de aula. Sabendo o estilo de aprendizagem da turma, consigo migrar melhor as estratégias.”

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