Nas próximas semanas, as escolas brasileiras abrem novamente as portas para começar mais um ano letivo. A volta às aulas é sinônimo de alegria para 93,5% das crianças e adolescentes brasileiros, que têm seu direito de acesso à escola garantido. Mas é também um momento de tristeza para mais de 2,8 milhões de meninos e meninas de 4 a 17 anos que vão continuar longe das salas de aulas.
É o caso de Joana*, 4 anos. Por lei, a menina deveria começar este ano ingressando na pré-escola, primeiro ano da escolaridade obrigatória. Mas Joana tem deficiência física e a família não conseguiu uma escola com a estrutura adequada no município em que vive, no interior do Rio de Janeiro. A muitos quilômetros dali, Henrique*, 15 anos, também está fora da escola. Vivendo em uma família com renda per capita de menos de ½ salário mínimo, o adolescente amazonense teve de deixar os estudos para trabalhar.
As histórias de Joana, Henrique e tantos outros brasileiros alertam para uma tragédia que não pode continuar. A cada ano que passam fora da escola, essas crianças e esses adolescentes têm seu direito de aprender negado e ficam ainda mais longe da garantia de outros direitos. A exclusão escolar está presente em todas as regiões do Brasil, tanto no campo quanto nas cidades, e é marcada por um aspecto comum: ela afeta justamente meninos e meninas vindos das camadas mais vulneráveis da população. Do total fora da escola, 53% vivem em domicílios com renda per capita de até ½ salário mínimo.
Para eles, estar na escola pode ser a diferença entre vida e morte, entre ter seus direitos garantidos no presente, uma oportunidade no futuro ou perpetuar um quadro de pobreza e vulnerabilidade. Conforme o tempo passa, diminuem as chances dessas crianças e desses adolescentes escreverem uma história diferente. Ou seja: é preciso agir agora. Enfrentar a exclusão escolar no Brasil é urgente, além de uma obrigação do País prevista nas metas do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024).
O primeiro desafio é encontrar cada um desses meninos e dessas meninas. Grande parte dos 2,8 milhões que hoje estão excluídos nem sequer bate à porta da escola em busca de vagas. Há uma série de barreiras sociais, culturais e econômicas que os afastam das salas de aula, deixando-os invisíveis à gestão educacional.
Não adianta, portanto, apenas ofertar vagas na escola. É necessário ir atrás de cada menino e menina, entender as causas da exclusão e tomar as medidas necessárias para garantir a (re)matrícula e a permanência na escola, aprendendo.
Muitas vezes, a criança que está invisível para a Educação é bem conhecida pela equipe de Saúde que visita o bairro em que ela mora, ou já está cadastrada em algum projeto da Assistência Social. A chave para encontrá-la e levá-la à escola, portanto, está em um esforço conjunto das áreas de Educação, Saúde, Assistência Social, entre outras, - em parceria com a toda a sociedade - para planejar, desenvolver e implementar políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar.
É essa a proposta da Busca Ativa Escolar, iniciativa do UNICEF em parceria com o Instituto TIM, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas). Trata-se de uma tecnologia social e uma plataforma gratuita para ajudar estados e municípios no enfrentamento da exclusão escolar (http://buscaativaescolar.org.br).
A iniciativa reúne representantes de diferentes áreas da administração municipal - Educação, Saúde, Assistência Social, por exemplo - dentro de um mesmo sistema online de gestão. Cada pessoa ou grupo tem um papel específico, que vai desde a identificação de uma criança ou adolescente fora da escola até a tomada das providências necessárias para a matrícula e o acompanhamento da permanência do aluno na escola.
Lançada em julho de 2017, a Busca Ativa Escolar já conta com a adesão de mais de 560 municípios em todas as regiões do País. Ao aderir à iniciativa, cada um deles tomou uma decisão corajosa: olhar para um problema até então oculto. E unir esforços para solucioná-lo.
Que, nesta volta às aulas, mais e mais brasileiros deixem de lado o discurso de que "o acesso escolar está universalizado no Brasil" e ajudem a realmente levar todas as crianças e todos os adolescentes para a escola, proporcionando a cada um as condições necessárias para efetivar seu direito de aprender. Fora da Escola Não Pode! E os meninos e as meninas excluídos não podem mais esperar.
Ítalo Dutra, Chefe de Educação do UNICEF no Brasil
*Os personagens citados são fictícios, mas representam perfis de crianças e adolescentes excluídos de acordo com os estudos feitos pelo UNICEF no Brasil.