Enem traz itens sobre democracia, povos indígenas e igualdade de gênero

Candidatos fizeram questões de Linguagens e Ciências Humanas, além de Redação; prova segue tradição de valorizar discussões sociais e de direitos humanos

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Foto do author Ítalo Lo Re
Por Ítalo Lo Re , Giovanna Castro e Beatriz Bulhões
Atualização:

O primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe questões sobre o papel da mulher da sociedade, democracia, meio ambiente e povos indígenas e quilombolas - que foi o tema da Redação. Linguagens e Ciências Humanas foram as outras provas deste domingo, 13. Na próxima semana, os candidatos respondem a questões de Ciências da Natureza e Matemática.

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Nos últimos quatro anos, houve tentativas de interferência da gestão Jair Bolsonaro no conteúdo do Enem, com a criação de uma comissão para vigiar itens considerados problemáticos e denúncias de técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo teste. As questões deste domingo, no entanto, mostram um Enem que segue sua tradição histórica, de valorizar pautas sociais, de direitos humanos e sustentabilidade.

Na Redação, os candidatos tiveram de falar sobre os “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais do Brasil”, como indígenas e quilombolas. Entre os textos de inspiração para os candidatos, havia uma Carta da Amazônia, apresentada por movimentos sociais na Cúpula do Clima de 2021. O manifesto fala sobre a defesa da sociobiodiversidade, o reconhecimento de territórios protegidos, a ameaça de direitos dos indígenas e o respeito a saberes tradicionais.

Cerca de 3,4 milhões de candidatos se inscreveram para a prova Foto: PEDRO KIRILOS

Nos últimos quatro anos, não houve demarcação de território indígena, promessa de Bolsonaro na campanha de 2018. O presidente também defendeu flexibilizar regras para o garimpo nas áreas destinadas a esses povos. Em relação a quilombolas, Bolsonaro chegou a ser processado pelo crime de racismo por uma fala de 2017, em que disse que um “afrodescendente” de um quilombo “pesava sete arrobas” e afirmou que os membros da comunidade “não fazem nada”.

Para tratar sobre a questão de gênero, uma das questões trouxe um comentário de uma jornalista sobre a vitória olímpica da skatista Rayssa Leal, a Fadinha, na Olimpíada de Tóquio no ano passado. O item discutia a desconstrução do estereótipo de gênero motivada pela conquista da atleta no esporte, geralmente associado aos homens.

Em 2021, Bolsonaro criticou uma questão sobre desigualdade de gênero na prova. O item tratava da diferença de salário entre os jogadores de futebol Neymar e Marta, ambos considerados entre os melhores do mundo no esporte, mas com remuneração bem menor para a atleta. O presidente chamou a questão de “ridícula” e disse que o banco de questões ainda não era do seu governo.

Outra questão da prova de Ciências Humanas deste domingo fala sobre possíveis violações ao Estado Democrático de Direito - a supressão das eleições era a resposta correta. Não apareceu na prova, como tem ocorrido nos últimos anos, ditadura militar.

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Professores elogiaram o nível de questões e o grau de atualidade do teste. Para Giba Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, o Enem “não levou em conta toda essa questão da polarização política” e se conectou ao que deve ser o ensino médio. “Não olhou para trás, olha para o futuro”, afirma.

Outro ponto positivo, acrescenta, é que a prova teve várias questões novas, a exemplo do item que cita Rayssa. “Estávamos muito preocupados de haver poucas questões no banco (de itens do Inep, para a elaboração do exame)”, continua. “Essa atualização (de questões) veio, e de forma positiva.”

Para Vera Lúcia Antunes, coordenadora pedagógica do Objetivo, a prova foi “atualíssima” e “cuidadosa”, com a contextualização de problemas sociais, como a da Amazônia.

A prova de Linguagens trouxe excertos de textos de Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas e Esaú e Jacó). Também havia textos do cronista Antônio Prata e do livro Quarto de Despejo, principal obra da escritora negra Carolina Maria de Jesus.

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“Embora a maioria dessas questões pudesse ser resolvida apenas com a devida interpretação do texto-fonte, uma parte delas exigia uma extrapolação do texto-fonte para que o candidato conseguisse responder algo mais abrangente sobre a escola literária em questão, fazendo com que ele tivesse que ir além do texto-fonte para conseguir resolver”, analisa a coordenadora pedagógica do Poliedro de São Paulo, Vivian de Ulhôa. Ainda segundo a professora, a temática de tecnologia e das redes sociais foi frequente. “Uma questão trazia uma análise sobre aplicativos de relacionamento amoroso, enquanto outra abordava os mecanismos de funcionamento do Instagram”, relata.

Alunos elogiam tema da Redação

Grande parte dos candidatos ouvidos pela reportagem achou o tema da Redação previsível e as questões da prova mais focadas em interpretação de texto do que em conteúdo. “Achei o tema da Redação e a prova, no geral, tranquilos. Já fiz o Enem outras vezes e achei essa prova mais fácil que anteriores”, disse Amanda Freiras, 27 anos, que trancou o curso de Administração no Instituto Federal de São Paulo para tentar uma vaga em Psicologia.

A baiana Luana Letícia, de 22 anos, foi a primeira a sair da sala no campus de Ondina da Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Do lado de fora, o namorado, Luis Felipe, que também fez a prova, a aguardava. Ele foi o terceiro a sair da sala dele.

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Os dois acharam o tema da Redação “inesperado”, mas acreditam ter se saído bem. A reclamação do casal é em relação aos textos da prova. “Não teve nada que tenha sido impossível ou que eu seja incapaz de resolver. Minha reclamação é só a quantidade de textos, muita leitura cansa”, disse Luana, que já havia feito a prova em 2018. Neste ano, a prova teve cerca de 3,4 milhões de inscritos, seguindo a tendência de queda de candidatos nos últimos anos. A abstenção foi de 26,7%, dentro da média histórica do Enem.

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