Eros Grau: um peixe fora d’água no STF

Ministro do Supremo diz que nasceu para ser professor e que vai continuar dando aula, mesmo aposentado

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Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau, de 68 anos, diz que a academia é para ele o que o mar é para o peixe. Mesmo com a aposentadoria na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) recém-anunciada, ele continuará na faculdade, colaborando como professor, "enquanto eu for útil". Nesta entrevista, Eros Grau conta como conseguiu conciliar os holofotes do STF com a carreira acadêmica. "Meu livro não era erótico. Só foi chamado de erótico por falta de imaginação das pessoas que o comentaram. Se me chamasse Hermes, diriam que o livro é 'hermético'" (foto:Valéria Gonçalvez/AE) O senhor anunciou sua aposentadoria no Direito da USP após mais de três décadas como professor. Vai sentir saudades? No dia em que comuniquei que iria pedir aposentadoria, já me convidaram a continuar a dar aula. Hoje, existe na universidade a possibilidade de um professor, mesmo aposentado, continuar. E isso vai acontecer. Vou continuar no mesmo departamento (de Direito Econômico, Financeiro e Tributário). Enquanto eu for útil, vou dar aula. Veja também:Ouça a entrevista com o ministro Eros Grau Como foi conciliar nos últimos anos a atividade de professor universitário com o cargo de ministro no Supremo? Foi muito difícil. Inicialmente, fui colocado à disposição da UnB. Aliás, tenho uma grande mágoa, porque eu cheguei a falar com os professores da UnB e dizer que estava à disposição, e eles me recusaram. Todos os professores da São Francisco que foram ministros do Supremo sempre ficaram à disposição da UnB. Por causa dessa situação, pedi licença sem remuneração na USP. Mas aí alguns professores pediram para eu voltar a dar aula. E eu voltei a dar aula no bacharelado na São Francisco às segundas-feiras. O que o atrai tanto nesse ambiente acadêmico? Um peixe pode viver fora da água? É a mesma coisa. A minha natureza são as águas salgadas do mar. O mar é o mundo acadêmico. A magistratura é a água doce. É muito agradável, mas as minhas águas são as acadêmicas. O sr. fala em água doce na magistratura, mas chegou ao STF num momento turbulento. Há quem diga que o órgão tem exercido indevidamente atividades da esfera parlamentar. O Supremo, como instituição, está fazendo o que dele se reclama neste momento. As coisas acontecem como tinham que acontecer. É a marcha da história. O que o sr. diria a um aluno de Direito que pretende ingressar na magistratura? O juiz deve ser aplicador da Constituição e das leis. Ele tem que exercer a sua atividade, que é criativa, de transformação de textos em normas. Mas sempre paramentado pela Constituição. Cada decisão jurídica é dramática. É terrível. Esse decidir envolve interpretação dos textos e da realidade. Não acredito que exista juiz que não queira tomar decisão correta. Entidades que congregam juízes federais, como Fausto De Sanctis (que mandou prender o banqueiro Daniel Dantas, solto por ordem do STF), clamam por mais autonomia. Os juízes têm sido cerceados? Gostaria que você me desse um exemplo de cerceamento, de alguém que tenha sido cerceado. Eu abro o jornal todos os dias. Nem abro os jornais, vejo um clipping, para saber o que está sendo dito da minha prestação jurisdicional. Isso são pessoas se manifestando. Na democracia, é normal. Cada um deve continuar a agir de acordo com sua consciência. Voltando às "águas" do Supremo: o sr. se posicionou contra o televisionamento das sessões do STF. Por quê? Acho que banaliza o Supremo. Nós viramos uma espécie de apresentador de televisão. A função de juiz é extremamente séria. Quando estou falando ali, sou o Estado falando. Disse que seria melhor nós preservarmos essa intimidade. Já me transformaram em um sujeito que é contra. Não sou contra, mas deveria ser editado. Não é bonito. Aquilo não é um show. Após um desses episódios de devassa do que ocorre no STF (a publicação de e-mails trocados pelos ministros Cármem Lúcia e Ricardo Lewandowski), o sr. se indispôs com alguns ministros. Tenho relações educadas e civilizadas com todos os ministros. Além do mais, o ministro Ricardo Lewandowski é meu amigo de muitos anos. Mesmo com os ministros com quem tive algum desentendimento, tenho relações cordiais. Isso tudo faz parte da democracia. Expor também faz parte. Mas eu me sentiria mais à vontade se determinados momentos não fossem transformados em espetáculo. "Justiça e Direito não têm nada a ver." O sr. teria dito isso numa aula na São Francisco. Foi uma provocação ou é a realidade? A provocação pode ter sido o "não têm nada a ver". Tem alguma coisa a ver. Mas a Justiça é um tema da Filosofia. Para aprender Justiça, os alunos deviam ir para a Faculdade de Filosofia. O que nós produzimos é uma ordem jurídica. Num mundo em que prevalecem as relações de troca, é necessário que exista segurança. A segurança jurídica é essa possibilidade weberiana de se prever comportamentos. E é a serviço dessa segurança que a ordem jurídica está. Muitas vezes, tenho que tomar decisões que, do ponto de vista pessoal, não seriam as mais justas. Que tipo de decisões? Muito difícil dar exemplo. O juiz, em cada decisão, projeta toda sua vida, toda sua experiência. O sr. não comentou nada sobre a advocacia, atividade que praticou durante muito tempo. Meu momento agora é da magistratura. Não sei o que vou fazer depois que me aposentar. Para a advocacia, não volto. O sr. tem planos de escrever outro romance erótico, como Triângulo no Ponto? Mas o meu livro não era erótico. Só foi chamado de erótico por conta da completa falta de imaginação das pessoas que o comentaram. Se eu me chamasse Hermes, diriam que o livro é "hermético". Quero fazer ficção e ensaios. Meu outro romance só publicarei depois que me aposentar. E depois que as pessoas, para comentar algo, tenham lido o texto. O sr. ficou chateado com a imprensa por conta disso? Se eu não estivesse na função de juiz, teriam falado menos do meu livro, mas seria no plano da seriedade. Foi molecagem o que fizeram. Não leram e falaram que é erótico. Trata da minha geração, de uma época em que tínhamos horizontes cheios de obstáculos. Se pudesse comparar seus alunos de hoje com os de 30 anos atrás, o que diria? Os alunos escreviam melhor. Tenho a impressão de que liam mais e tinham uma visão política do mundo mais aguda. E depois há essa coisa da internet, que é muito perigosa. As pessoas acabam sabendo nada sobre tudo. Há espaço no Direito para os profissionais bons e idealistas? Tranquilamente. Tem que ler, ler, ler. Ser humilde, humildade intelectual é fundamental. Tem que estar permanentemente estudando. Sou um estudante. Estou falando sério, não fazendo retórica. PASSOS 1963 - Canudo na mão Nascido em 19 de agosto de 1940, em Santa Maria (RS), se forma em Direito no Mackenzie. A família morou em várias cidades, como Cuiabá (MT) e Natal (RN), até se fixar em SP, em 1950. 1973 - Defesa de tese 'Aspectos Jurídicos do Planejamento Metropolitano’ foi o tema do doutorado em Direito. A tese marca o início da carreira de Grau na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. 1990 - Professor titular Grau assume cadeira no Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário. Alguns livros: 'O Direito Posto e o Direito Pressuposto' e 'Ordem Econômica na Constituição de 1988' 2004 - Topo da magistratura Em 30 de junho, Grau substitui Maurício Corrêa no Supremo. Quarto ministro indicado pelo presidente Lula, ele mantém a carreira acadêmica, mas tem de se afastar da advocacia.

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