Novos hinos

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Anthem, álbum recém-lançado de Madeleine Peyroux, joga novo frescor no trabalho da cantora

 

Não se deixe enganar pelas texturas. Madeleine Peyroux sempre teve um pé (e os dois braços) na música cancioneira. Por trás das sofisticadas fachadas de baterias com vassourinhas e baixos acústicos, a cantora sempre exibiu uma ressonância maior com seus conterrâneos de Athens, Georgia, que os vizinhos de prateleira nas lojas de discos.

O jazz, outrora manifestação da massa excluída do idioma musical e expressão de liberdade artística, se colocou diversas vezes na música recente como idioma códice e sacrossanto. Mesmo o jazz mais próximo das canções, caso de Nina Simone, aparece em vários momentos como uma peça que necessita de um dicionário para se compreender.

Alguns trabalhos do fim do Século XX conseguiram estreitar esse hiato entre a linguagem sofisticada do jazz e a música mais palatável dos nossos tempos, tendo como exemplos de sucesso Norah Jones, Jamie Cullum e a própria Madeleine Peyroux. Sua obra continuamente transitou por blues, bluegrass e releituras de Leonard Cohen e Elliott Smith, sempre com a tinta do jazz. Agora em Anthem a artista retorna ainda mais tributária dos subgêneros que se ocultavam sob a pátina jazzística.

O fato de Anthem ser o segundo disco da cantora pela Verve deveria desmentir a visão. O lendário selo, casa de Ella Fitzgerald, Stan Getz e Billie Holliday, reforça Madeleine Peyroux entre os grandes nomes do jazz contemporâneo. Mas basta chegar os ouvidos no recém-lançado álbum para entender o que está em jogo. Passe por “Own My Own”, faixa que abre Anthem e que já havia sido lançada anteriormente como single. O equilíbrio entre a canção e o ambiente jazzístico, marca registrada de Madeleine, é a isca pra pegar o público já cativo da cantora. O que se segue do disco é eminentemente pop.

Caminhando por trilhas de blues com a maccartiana “Down On Me” e “On A Sunday Afternoon”, reminiscência da invasão britânica, se estendendo na senda do (quase) soul de canções como “The Brand New Deal” e “Party Time", reverência à Stevie Wonder que não se resume somente ao uso da gaita, Anthem caminha tranquilo em ritmos e texturas executados de maneira original na carreira da cantora. Num ar de família indie aparecem músicas como "All My Heroes", que parece ter sido composta por uma banda britânica nos fins dos 90, "We Might As Well Dance" e a melancólica "Liberté", inspirada em poema de Paul Éluard. A dolorida e épica faixa-título "Anthem", versão do angelical Leonard Cohen, coroa o novo horizonte de Madeleine, cada vez mais multifacetado.

Faixas como a latina "Honey Party" e a bossa gringa “Last Night When Were Young" surgem em um domínio muito similar à toda carreira de Peyroux, assim como em “The Ghosts Of Tomorrow”, bluegrass de corte fino que remete ao berço country da cantora. Mas há algo de inédito na aura de Anthem, além da paleta muitas vezes monocromática do som que consagrou Madeleine e que aponta para a ossatura cancioneira por trás de sua música. O novo trabalho da cantora irrompe no caminho oposto das texturas jazzísticas consolidadas, num horizonte mais distante da solenidade do idioma. Talvez o jazz tenha mudado, ou talvez seja a atualidade da música popular que pede mais sofisticação.

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