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Comportamento Adolescente e Educação

Sharenting: a prática de expor filhos na internet que os coloca em risco

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Por Carolina Delboni

Entre prós e contras, a prática de "sharenting" coloca crianças e adolescentes em risco nas redes sociais. Entre os crimes mais comuns está a pornografia. Entenda como a foto do seu filho pode cair em lugares inimagináveis e saiba como se proteger

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Se por um lado, cada vez mais crianças consomem conteúdos em redes sociais, por outro, elas também estão cada vez mais presentes do outro lado da tela. Ou seja, são o conteúdo. Impulsionada pela prática do sharenting - compartilhamento de fotos dos filhos pelos pais - a presença infantil em redes sociais exposta para milhões de pessoas dispara alertas para a segurança das crianças.

A difusão das redes sociais fez com que a exposição virasse regra. E a facilidade em compartilhar imagens e vídeos na internet está entre as principais explicações para isso. Quando esse cenário chega nos núcleos familiares e, mais especificamente, na infância, a prática ganha o termo inglês "sharenting": junção de "share", do verbo compartilhar + "parenting", de paternidade.

Na prática, é quando pais expõem, de alguma forma, a imagem de seus filhos no mundo digital e na era dos influenciadores digitais, ela ganhou alcances altíssimos. O perfil "Pai, tô com fome!", por exemplo, conta com quase 340 mil seguidores no TikTok. Nele, o chefe de cozinha Patrick Bagrato se junta a seu filho Louis, de 11 anos, para ensinar receitas.

Há também casos no YouTube, como o do canal Bel Para Meninas, com mais de 7 milhões de inscritos, protagonizado por Bel Peres, de 16 anos. O canal existe desde 2013 e, em 2020, entrou na mira do Ministério Público do Rio de Janeiro por suposto comportamento abusivo da mãe em alguns vídeos. Algumas publicações chegaram a ser removidas, mas Bel ainda produz conteúdo mostrando seu dia a dia.

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O sharenting nem sempre acontece nos holofotes: pode ser a exposição de crianças sem ser com milhões de visualizações. Essa diferenciação fez surgir também o termo "oversharenting", que se refere a uma superexposição, fora do normal, dos pais pelos filhos.

Segundo estudo, até 2030, a prática de sharenting será responsável por dois terços das fraudes relacionadas à identidade. Foto Getty Image  

A professora Luciana Carla dos Santos, do departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, enxerga pontos positivos e negativos na prática. "Famílias que precisam de ajuda para algum tipo de tratamento para os filhos divulgam fotos fazendo o pedido e o atingem, seja pela colaboração da sociedade civil economicamente ou junto aos serviços públicos", exemplifica.

Especialistas também apontam que o sharenting pode facilitar que parentes ou amigos distantes acompanhem o desenvolvimento da criança por meio da internet. "Para muitas famílias é importante registrar como a criança está se desenvolvendo. As mães também podem dividir com seus seguidores experiências de maternidade, que pode ser solitária para muitas mulheres", aponta Gabriela de Almeida, diretora do Redes Cordiais.

Existem, portanto, referências positivas para se olhar. Humberto Baltar aproveitou a sua relação com o filho para criar um perfil chamado Pais Pretos Presentes, no Instagram. Com mais de 50 mil seguidores, a página se tornou um espaço para compartilhar experiências de paternidade ao mesmo tempo em que aborda temáticas raciais sem expor necessariamente a imagem do filho, mas sim a sua relação com a paternidade.

Por outro lado, apesar das boas experiências, a exposição de crianças nas redes sociais traz riscos à segurança. "Temos que pensar nas questões de vulnerabilidade que as redes nos colocam frente a criminosos, que podem usar essas informações de diferentes formas", explica Luciana. Ela cita casos de crimes cometidos contra crianças praticados a partir de informações vindas de redes sociais ou até mesmo de crimes situados no próprio ambiente digital. Gabriela de Almeida também lembra que, na internet, a simples presença de um usuário se traduz em dados valiosos para plataformas digitais. "Imagina uma criança com dados inseridos nesse tipo de mercado desde muito nova", ela reflete.

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Um estudo realizado pela Instituição Financeira inglesa Barclays joga luz sobre essa preocupação. Segundo ele, até 2030, a prática de sharenting será responsável por dois terços das fraudes relacionadas à identidade, o que custará cerca de 667 milhões de libras por ano. Como recomendação, o banco orientou que os pais verificassem as configurações de privacidade online e que conhecessem as informações que estão sendo disponibilizadas sobre os seus filhos.

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Há também alertas sobre os impactos da exposição no desenvolvimento psicossocial das crianças. Essa ponderação é importante considerando que as experiências da infância impactam diretamente no resto da vida, com desfechos positivos ou negativos. Quando há uma exposição contra a vontade das crianças, elas podem se sentir desrespeitadas. "Os pais são cuidadores e deveriam ser protetores dos filhos, lembrando que a vida é do filho", diz Luciana.

A vulnerabilidade em relação a discursos de ódio também joga contra a exposição de crianças na internet. Isso porque, expostas nas redes sociais, crianças podem estar sujeitas a crimes como cyberbullying. "Temos que ter cuidado, porque a criança não tem poder de escolha e não tem muita noção para falar o que está sentindo", ela aponta.

Mas por que expomos os filhos na internet? Um estudo de 2017 realizado por meio de um Relatório de Mercado de Comunicações, observou que 42% dos pais entrevistados compartilham fotos dos seus filhos, sendo que, pelo menos a metade compartilha uma vez ao mês. Essa exposição pode servir a diversos fins, desde os mais simples como compartilhar os primeiros passos da criança até os mais complexos, com crianças garantindo uma parte na renda da família por meio da produção de conteúdo nas redes sociais.

Para a educomunicadora Januária Alves, a prática do "sharenting" vem da suposta necessidade de expor e compartilhar intimidades do cotidiano nas redes sociais. "Mostrar seu filho é muitas vezes mostrar o sucesso como pai e está ligado à necessidade de aceitação. Acho que os pais devem avaliar essa exposição com muito cuidado". É como se não houvesse mais uma separação entre vida online e offline, o que naturaliza a exposição dos filhos pelos pais nas redes.

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"Há uma vasta rede de possibilidades dos porquês os pais compartilham, seja por questões cotidianas ou comerciais, temos que proteger a privacidade e a individualidade das crianças", diz a professora Luciana. Por isso, cabe ressaltar algumas recomendações de segurança na hora de mostrar crianças na internet. O Instagram, por exemplo, permite deixar um perfil privado, fazendo com que as publicações fiquem visíveis somente para os seguidores e os pais tenham um controle maior de quem acessa a imagem de seus filhos.

A lei brasileira também tem uma atenção especial para essa exposição. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece que "o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse". O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vai no mesmo sentido ao tratar da preservação da imagem e da identidade como direito da criança.

Tem idade certa para aparecer nas redes sociais? Como em outros casos, a resposta aqui passa pelo equilíbrio. A prática do sharenting pode servir tanto para facilitar o compartilhamento de momentos especiais da criança quanto para a facilitar a prática de crimes. Por isso, a solução está nos cuidados para evitar extremos. Especialistas apontam que conversar com os filhos sobre o que circula sobre eles na internet e alertar para os riscos é um bom caminho.

Gabriela de Almeida orienta para não expor o colégio em que os filhos estudam por meio de fotos ou vídeos com uniforme escolar, por exemplo. Além disso, também é importante ter um cuidado com a geolocalização dos filhos que as plataformas por vezes solicitam.

Há ainda a idade mínima para abrir uma conta nas redes, ainda que não se tenha idade mínima para acessar os conteúdos que circulam nas redes sociais, o uso dessas mídias por menores de idade exige um cuidado por parte dos responsáveis. As próprias plataformas digitais orientam as crianças a acessarem essas redes a partir dos 13 anos, um ano depois do início "oficial" da adolescência. "Do ponto de vista do desenvolvimento, nessa idade o menor já tem condições de dizer aos pais o que querem, o que pensam, mas os pais mais uma vez devem monitorar", indica Luciana.

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* colaborou André Derviche

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