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Comportamento Adolescente e Educação

Obsessão por futuro profissional tem levado crianças e adolescentes ao esgotamento

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Por Carolina Delboni

Nas melhores das boas intenções, mas absortos pelas exigências do mundo atual, pais e mães têm inserido os filhos na loucura da busca do sucesso e têm sugado suas possibilidades de infância e adolescência

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O psicanalista Joel Birman, no livro Tatuando o desamparo, a juventude na atualidade, fala sobre um tempo em que a complexidade de temas impera nas relações sociais e familiares. E como esse contexto interfere diretamente no conceito de infância e juventude causando uma precariedade de experiência, o que provoca uma fragilidade psíquica.

De forma didática, o que ele diz é que a complexidade do mundo e das questões em que os pais estão inseridos impede que as crianças sejam crianças e que os adolescentes vivam as experiências da adolescência nos tempos adequados e tudo isso causa uma sequência seríssima de problemas às próprias crianças e aos próprios adolescentes.

Pais e mães, na melhor das boas intenções, mas absortos pelas exigências do mundo atual, têm inserido os filhos na loucura da busca pelo sucesso cada vez mais cedo e têm sugado a possibilidade deles viverem o que é esperado para uma infância saudável e uma adolescência saudável.

Pressão por sucesso e agendas cheias contribuem para estresse crônico de crianças e adolescentes  

Vou ser mais clara ainda. Na ânsia de preparar os filhos para o mundo de sucesso, para o mercado de trabalho extremamente cruel e competitivo, os pais acabam encurtando já a primeira infância com estímulos excessivos ao bebê.

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Depois repetem o mesmo comportamento na infância com a pressa de alfabetizar a criança tanto na matemática quanto na língua portuguesa.

Logo, a criança é inserida no mundo das tarefas porque precisa aprender a nadar, a dançar, a jogar futebol, a desenvolver coordenação motora, a falar direitinho na fonoaudióloga, a fazer contas com agilidade no Kumon ou com a aula de reforço e por aí vai.

A criança que aprenderia tudo, tudo, com e através da brincadeira, não tem mais tempo de brincar porque a agenda está cheia. Com 6 anos, ela cumpre uma sequência de tarefas e não tem tempo para brincar. Normalmente, as crianças terminam o dia ou a semana exaustas. Muitas têm ficado doentes com maior frequência. É comum uma baixa nas salas de aula da Educação Infantil às sextas-feiras.

E não é porque existe algum problema de imunidade com elas, mas é porque estão exaustas. Algumas ainda precisam enfrentar uma sequência de médicos para investigar o que tem. Normalmente essa criança só precisa de tempo para ser criança. Como insiste o pediatra Daniel Becker, essa criança precisa de tempo na natureza. De pé descalço na grama, de poder sentir e descobrir o próprio corpo numa brincadeira ou subindo uma árvore. Quer melhor desenvolvimento motor que este? O de experimentar o corpo na natureza.

Mas é tanta coisa para fazer, tanto médico ou especialista para ir que a criança não tem tempo para ela mesma. A infância passa a ser ocupada pelas preocupações dos pais e pelas tentativas de resolver os "problemas" de desenvolvimento que ela supostamente tem. Por que será que ela está demorando para ler? Por que será que ela brinca pouco na escola? Por que será que ela demora para responder? Por que, por que, por que.

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A sociedade metralha a criança com uma sequência de porquês que zero importa àquela criança. E daí logo ela cresce, logo ela se imbui das preocupações e demandas da vida adulta e chega na adolescência precocemente. A gente não tem dito que as crianças estão entrando mais cedo na adolescência?

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É comum escutar pais falando como aos 11 anos os filhos trazem questões que antes apareciam com 14/15 anos. É comum meninas menstruarem mais cedo. É comum o corpo se desenvolver mais cedo. É comum questões como sexualidade despertarem mais cedo. É comum o vocabulário mudar cada vez mais cedo. É comum crianças com 11 anos não mais brincarem e pedirem para dar rolê com a turma no shopping.

E daí os filhos atingiram a famosa - e temida - adolescência. E daí iniciamos a segunda parte dessa saga rumo ao esgotamento emocional dos adolescentes. O que acontece aqui? Aos 11, 12 anos eles querem sair, mas só podem acompanhados pelos pais. Aos 14, 15 querem ir pra festas e baladas, mas é perigoso porque "é muito cedo", tem bebida, tem droga, tem coisas que "não são para sua idade".

Aos 16, 17, muitos, classe média, não sabem pegar ônibus sozinhos, muito menos um metrô. Porque estão acostumados com os pais que levam e buscam ou o serviço de táxi e uber. Mas daí os próprios pais reclamam que "essa geração não faz nada sozinha" e realmente não fazem porque não os deixam.

Em nome da segurança, em nome da proteção ao perigo e também em nome do ingresso nas melhores faculdades - visando o tal sucesso profissional e o mercado acirrado que ele vai encontrar pela frente - os adolescentes também são privados de viver as experiências necessárias para um desenvolvimento pleno e saudável desta fase da vida.

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O resultado? A adolescência precisa durar mais, precisa se prolongar na linha cronológica do ser humano. Porque ele só vai poder vivenciar algumas coisas quando tiver mais idade e quando, supostamente, estará mais protegido das violências do mundo e mais "preparado" para enfrentar a competitividade que o aguarda.

No texto do Joel Birman, ele diz que "o efeito maior disso tudo é a fragilização psíquica das crianças e dos jovens". E completa com um trecho de Freud dizendo "por não poderem experimentar as dificuldades e os impasses que o espaço da rua e da circulação urbana impõem, os jovens não constroem medidas de proteção para isso. Com isso, o trauma se transforma numa experiência agora comum, pois se os jovens não puderem aprender para antecipar o perigo, ficarão expostos então à experiência traumática".

Tá dando para entender o meu ponto aqui? O que estou querendo mostrar e dizer? Quando nós pais falamos "ah porque as crianças de hoje em dia" ou "nossa, mas esses adolescentes não fazem nada, ficam esperando a gente falar pra se mexer", estamos jogando para eles algo que é 100% nossa responsabilidade.

Somos nós, pais, que não deixamos as crianças serem crianças e os adolescentes serem adolescentes e em nome do que? De uma sociedade que está agonizando nas taxas de burnout - segundo a OMS, o Brasil ocupa o 2ª lugar com mais pessoas diagnosticadas com ansiedade e depressão - e que consome conteúdos de autoajuda massivamente na tentativa de sair da cratera. Mas como?

Como mudar o andar dessa roda? Porque a infância e a adolescência só serão saudáveis se tivermos, também, uma sociedade saudável, portanto, pais e mães minimamente equilibrados. Se crianças e adolescentes estão se comportando como estão é porque pais e sociedade civil, de maneira geral, tem dado comandos a eles para que se comportem como tal.

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Somos nós, pais e sociedade, que estamos encurtando a infância e prolongando a adolescência. Em nome do que? Do futuro. Que futuro é esse?

A sociedade está doente e o problema é achar que você não faz parte do problema.

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