Cientistas decifram genoma de bovinos

Pesquisa envolveu 25 países, entre eles o Brasil, e demorou seis anos

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Por Herton Escobar
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Pesquisadores publicaram ontem o sequenciamento completo do genoma bovino: uma sequência de quase 3 bilhões de letras químicas de DNA que contém todas as instruções genéticas necessárias para se produzir uma vaca. A exemplo do que se faz com o genoma humano, o do boi servirá como uma plataforma para o estudo da biologia básica da espécie e a identificação de características genéticas associadas a doenças. Ou, no caso dos bovinos, de características comercialmente interessantes para a produção de carne e de leite, que possam ser selecionadas - e melhoradas - por meio de cruzamentos no campo ou no laboratório. O estudo, publicado na revista Science, foi feito ao longo de seis anos por um consórcio de mais de 300 pesquisadores em 25 países, incluindo vários brasileiros. Ele mostra que o genoma bovino tem aproximadamente 2,9 bilhões de bases nitrogenadas (representadas pelas letras A, T, C e G), dentre as quais os cientistas estimam haver cerca de 22 mil genes inscritos. Os números são muito semelhantes aos do genoma humano, que tem 3 bilhões de bases e algo entre 20 mil e 25 mil genes. Além disso, 80% dos genomas do boi e do homem são idênticos. Os genes são as sequências de DNA que servem de base para a síntese de proteínas. Eles são a parte mais importante do genoma, mas não são nada óbvios. Encontrá-los equivale a um jogo de caça-palavras - com 22 mil palavras desconhecidas perdidas em um universo de 3 bilhões de letras. O trabalho bruto de sequenciamento é feito por máquinas, que identificam e colocam em ordem cada uma das letras do genoma. Os trechos que parecem ser genes são inicialmente identificados por programas de computador, que funcionam como caça-palavras digitais. Depois, cabe aos pesquisadores validar "manualmente" o resultado das máquinas - processo chamado de "anotação". Foi aí que entraram os cientistas brasileiros. Alexandre Caetano, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, coordenou a anotação de genes relacionados à reprodução, endocrinologia e desenvolvimento embrionário. O trabalho foi feito em colaboração com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis. Já o pesquisador José Fernando Garcia, da Unesp de Araçatuba, coordenou a anotação de genes expressos nos tecidos do sangue e da pele. "São genes que podem influenciar, por exemplo, a resistência a carrapatos e outros parasitas", explica Garcia. Ao todo, 19 pesquisadores brasileiros assinam o trabalho na Science. O autor principal é Richard Gibbs, do Baylor College of Medicine, nos EUA. COMPARAÇÕES O animal cujo DNA foi usado no sequenciamento é uma vaca chamada Dominette, da raça Hereford. Trata-se de uma raça taurina (Bos taurus), de origem europeia, diferente das raças zebuínas (Bos indicus), de origem indiana, que compõem 80% do rebanho brasileiro. Ainda assim, o genoma poderá ser muito útil à pecuária brasileira, dizem os especialistas. "É a melhor ferramenta que temos, sem dúvida", afirma Caetano. "Mesmo sendo um genoma taurino, é algo que tem muito valor", completa o cientista da Embrapa, ressaltando que a diferença genômica entre os dois grupos deve ser pequena. As raças taurinas são a base da pecuária na Europa, nos Estados Unidos e na Argentina. O trabalho de sequenciamento já vem acompanhado de uma segunda pesquisa, que comparou o genoma da vaca Dominette com amostras de DNA de quase 500 animais de 6 outras raças (taurinas e zebuínas) de 19 regiões. Isso resultou na identificação de 37.470 variações genéticas entre as raças, que os cientistas poderão usar como marcadores para rastrear e mapear características de interesse para o melhoramento. Um dos grandes desafios da pecuária brasileira, por exemplo, é transplantar a qualidade de carne dos taurinos para a matriz genética dos zebuínos, que são mais resistentes ao clima tropical, porém têm uma carne menos macia e saborosa. "A complexidade começa agora. Temos um grande livro, que mal aprendemos a abrir as páginas e decifrar alguns parágrafos", diz Luiz Antonio Josahkian, da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). "Falta aprender a ler todo o texto e interpretar os seus diferentes contextos - a interação entre os genes e dos genes com o meio ambiente."

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