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Passageiros que se comportam mal: a razão pela qual perdemos o controle dentro do avião

'Estejam as pessoas conscientes ou não, dentro do avião somos obrigados a enfrentar a incômoda verdade existencial de que não temos nenhum controle sobre o que está acontecendo', afirma psicólogo

Por Caitlin Gibson
Atualização:
Por que continuamos nos descontrolamos dentro de um avião? O que há de errado conosco? Foto: Pixabay

Avião - onde nos embebedamos. Onde brigamos. Onde desligamos os detectores de fumaça dos banheiros para acender um cigarro. Onde lançamos olhares fulminantes contra crianças que choram. Onde pressionamos nosso joelho com força contra o as costas do vizinho da frente que ousa reclinar seu assento. Onde deixamos nossa paranoia racial imaginar ameaças terroristas à nossa volta - o homem tirando uma sesta antes da decolagem, o estudante falando em árabe no telefone, um economista rabiscando algumas equações diferenciais num bloco de notas.

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Não deixamos à mostra o que há de melhor em nós quando estamos dentro do avião.

O mais recente incidente de pânico entre passageiros ocorreu quando o professor da universidade da Pensilvânia, Guido Menzio, foi questionado pelas autoridades porque aparentemente teria assustado o vizinho ao fazer exercícios de matemática, o que provocou novamente um clamor familiar: chegamos a este ponto? Por que continuamos nos descontrolamos dentro de um avião? O que há de errado conosco?

Resposta: muitas coisas. E todas vêm à tona quando estamos amarrados num assento apertado a 10 mil metros de altura. Na verdade é uma situação antinatural, se refletirmos um pouco - você está preso num tubo no ar, quilômetros acima da terra e cercado por pessoas estranhas. E os psicólogos observam que há razões ainda mais profundas pelas quais especialmente os aviões costumam revelar nosso lado pior.

Martin Seif, psicólogo clínico que trata pessoas com pavor de voar, diz que a questão se resume a isto: estejam as pessoas conscientes ou não, dentro do avião somos obrigados a enfrentar a incômoda verdade existencial de que não temos nenhum controle sobre o que está acontecendo. 

"Ninguém gosta de sentir que não tem controle da situação", diz Martin Seif. "Na verdade quase nunca temos controle da situação, mas temos a sensação de que sim, e é muito difícil manter essa ilusão dentro de um avião".

E se isto não bastasse para deixá-lo intranquilo, existem muitas outras inquietações que afligem os passageiros, diz o psicólogo. Talvez você tenha medo de altura. Ou não goste de espaços fechados. Talvez tenha problemas de se relacionar socialmente, ou tenha pavor de germes. Ou está obcecado com a  possibilidade de um ataque terrorista.

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"O termo 'medo de voar' não é apropriado. O certo é medos de voar, porque um avião é uma tempestade perfeita, uma associação de todos estes diferentes medos".

E todos esses medos alteram o estado mental, o que torna difícil o indivíduo ter uma reação racional diante de alguma ameaça que se apresente. 

"Se você está nervoso, esse nervosismo aumenta diante da ameaça. E assim, basicamente vê ameaça em tudo, de modo que qualquer coisa se torna ameaçadora, basta parecer estranha. E hoje essa ameaça pode ser uma forma de islamofobia", diz Seif.

Em se tratando de ameaça terrorista, há muitos outros ambientes públicos que apresentam perigos ainda maiores do que a viagem aérea. Os devastadores atentados em Paris, em novembro, são uma lembrança terrível de como estamos cercados por "alvos fáceis" - o café onde vamos comer alguma coisa no almoço, o ônibus que tomamos para ir trabalhar, o clube noturno onde vamos ver um show.

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Mas ao contrário do avião, esses lugares estão repletos de distrações. Você conversa com amigos, dança ao som de música alta. A ilusão de controle permanece intacta: a saída é logo ao lado. O próximo ponto de ônibus está a apenas uma quadra.

Mas a viagem de avião é tediosa e nada estimulante, tudo colaborando para a mente se descontrolar. E sabemos que coisas ruins podem acontecer. Desastres aéreos, por raros que sejam, são sempre notícia de grande destaque; seu vívido horror domina nossa mente. Um relato em imagens de um incidente traumático nos leva facilmente a imaginá-lo ocorrendo - fenômeno conhecido como "heurística da disponibilidade".

"Esses medos aumentam em situações envolvendo muito gente, especialmente quando o indivíduo está fechado em um espaço de onde é difícil escapar", diz Daniel Freeman, professor e psicólogo na Universidade de Oxford. "É muito fácil nesse momento lembrar de atos de terrorismo chocantes. E quando alguma coisa vem à mente, exageramos a probabilidade de que ocorra de verdade".

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Para algumas pessoas, os aviões inevitavelmente evocam imagem dos atentados de 11 de setembro, diz Freeman. "De qualquer modo isto fica em nossa mente. Acabamos de passar por uma série de controles de segurança".

Poucos compreendem o frágil equilíbrio de um passageiro no avião do que os comissários de bordo, que têm a tarefa nada invejável de lidar com passageiros tensos (ou rebeldes, ou embriagados). 

"Quando estamos em serviço sabemos que num espaço confinado numa cabine abarrotada de pessoas há mais probabilidade de conflito", diz Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo. "Tentamos acalmar situações o tempo todo. Situações que vão desde um pequeno problema em que alguém se comporta de um modo um pouco incômodo, um pouco desagradável, até casos em que a pessoa realmente fica agressiva".

Os comissários de bordo não têm outra escolha senão agir com cautela, diz Nelson; outra alternativa é muito arriscada. "Somos treinados no sentido de que a primeira e melhor maneira de lidar com um problema é mantê-lo fora da aeronave".

E já testaram a alternativa: uma mulher embriagada que assediou vários comissários de bordo numa viagem em fevereiro, cinco mulheres (duas estavam supostamente embriagadas) que chegaram a se atracar por causa de um rádio tocando muito alto durante um voo da Spirit Airlines, ou o indivíduo que tentou estrangular uma mulher que reclinou o assento na frente dele.

Os ricos e famosos não estão imunes a incidentes nas alturas. O irmão mais novo de Paris Hilton, Conrad, foi processado depois de ameaçar e intimidar uma comissária de bordo em um voo internacional; segundo os atendentes ele estava sob efeito de drogas. Billie Joe Armstrong, da banda de rock Green Day foi expulso de um voo da Southwest ao reagir grosseiramente a um comissário de bordo que pediu para ele levantar as calças.

Estes incidentes produziram manchetes memoráveis, mas não são comuns. No ano passado a agência federal de aviação documentou 99 casos de passageiros indisciplinados, uma queda em comparação com os 145 em 2014. Este ano, a partir de abril, somente nove incidentes foram registrados. Naturalmente essas estatísticas não incluem incidentes como o de Menzio, que, mesmo respeitando as normas, foi objeto de uma descrição errônea.

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Em todos esses casos há um aspecto positivo: é possível que relatos de falsos alarmes e reações desmedidas ajudem a eliminar incidentes futuros, diz Freeman. Da mesma maneira que histórias assustadoras se ficam em nossa mente, esses outros relatos também podem ter impacto.

"Acho que estas histórias ajudam a acalmar os temores das pessoas. Elas vão perceber que não deviam reagir desproporcionalmente e que inexistia uma ameaça".

Tradução de Terezinha Martino 

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