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Opinião|Cinema e esperança entram num bar

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Atualização:

Bar Esperança foi a crença de que teríamos comédias românticas de qualidade no Brasil.

(Arte de Carlos Castelo sobre imagem de divulgação)  

Ninguém perguntou, mas os quatro filmes nacionais que mais aprecio são os seguintes, em ordem cronológica:

Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) - Hector Babenco

Bye Bye Brasil (1979) - Cacá Diegues

Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981) - Hector Babenco

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Bar Esperança, o último que fecha (1983) - Hugo Carvana

Lúcio Flávio surgiu em plena ditadura militar. Tocava tão fundo nas feridas da tortura, e nas desigualdades sociais, que chegava a causar arrepios a quem o assistia naquela trevosa época.

Bye Bye Brasil vi na telona, recém-chegado de uma extensa viagem ao Meio Norte. Tinha me deslocado até Floriano, no Piauí, por via terrestre: 2455 quilômetros. Esquadrinhei Minas, Goiás, Brasília, Bahia, Pernambuco até cair nos domínios piauizeiros. O longa me pareceu uma reprise da longa aventura que havia feito.

Pixote, de novo dirigido por Babenco, trazia uma abordagem cinematográfica incomum para uma questão que já desassossegava a sociedade brasileira: o menor abandonado.

Hoje, no entanto, gostaria de discorrer um pouco mais sobre Bar Esperança. Não só porque o filme completou 40 anos de lançamento, mas pela participação do ator Antônio Pedro, falecido essa semana. Fica o meu singelo tributo a quem, além de tudo o que fez pelas artes dramáticas, ainda teve uma performance memorável como o bêbado Passarinho (arriba, abajo, adentro!) na produção de Carvana.

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Para mim, Bar Esperança foi a crença de que teríamos comédias românticas de qualidade por aqui. O nosso jeito de produzir material como os que Woody Allen filmava em Nova Iorque, nos anos 1980, estava ali: digerido e excretado, em todos os seus 24 quadros por segundo, num botequim carioca.

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O longa é irreprochável. Não há uma piada fora do lugar, uma fala desnecessária, uma atuação despropositada. E falando em interpretações, o que dizer das cometidas por Paulo César Pereio, Marília Pêra, Daniel Filho, Louise Cardoso, Nelson Dantas, Wilson Grey, o próprio Carvana? Até os atores mirins, que normalmente são caricaturas de crianças, dão um show.

Nem mesmo o nu é infundado em Bar Esperança. Ou é empregado para encantar os olhos, como nas cenas em que a sublime Sylvia Bandeira faz strip-tease; ou para produzir gargalhadas. Basta conferir a sequência em que o ainda estreante Luiz Fernando Guimarães vive um ator de filmes pornô.

Infelizmente, não vi nenhuma outra comédia, desse naipe, materializada no Brasil nos últimos 40 anos. Talvez porque Bar Esperança não seja somente uma comédia, mas um fragmento solto de Ipanema caído nas salas de cinema do país. E não é todo dia que se produz um fenômeno de tal magnitude.

O que temos para o momento são produções com aquele padrão Globo Filmes, lembrando novelões captados em vídeo lavado. Ou então filminhos infames, desengraçados, com premissas canhestras que mais parecem dirigidos por um tiktoker. Nada que se ombreie nem ao trailer do trabalho de Carvana.

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Aliás, palmas também para os seus roteiristas, a quem nem sempre se dão os devidos créditos. São eles, além do diretor, Denise Bandeira, Marta Alencar, Armando Costa e Euclydes Marinho.

Detalhe: uma derradeira raridade em Bar Esperança - apesar de ser made in Brazil, o som é cristalino e perfeitamente audível. É ou não é para entrar no hall dos nossos filmes do peito?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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