PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Self-service de humor

Opinião|Feijoada incompleta

Foto do author Carlos Castelo
Atualização:

Para Alexandre Fernandez

(Designer)  

PUBLICIDADE

A língua de porco é rica em zinco, ferro, colina e vitamina B12. Esses nutrientes são importantes para o sistema imunológico, função cerebral e ajudam na produção de células vermelhas do sangue. Para as grávidas, a língua de porco é ainda mais benéfica devido aos altos níveis de folato, que podem ajudar a prevenir defeitos fetais.

Eu sei, ela contém bastante colesterol, mas não se come feijoada todos os dias.

Então, por que, com tantas vantagens, não se encontra mais língua de porco entre os pertences do cozido mais amado do Brasil? Pelo menos nos supermercados das grandes redes, o delicioso componente suíno foi banido das prateleiras. É fácil encontrar pé, orelha, costelinha, rabo. No entanto, o ingrediente que traz aquela maciez ao guisado está fora de mercado.

Adoro almoçar feijoada aos sábados. Mas já faz algum tempo que venho notando, nos buffets e botequins que frequento, a ausência desse item. Quando pergunto aos garçons sobre o motivo do desaparecimento, ouço desde que está em falta, que é difícil de encontrar, ou que a maioria dos clientes não curte mais (e esta última justificativa vem sempre acompanhada de um: "blergh!").

Publicidade

Na era da Inteligência Artificial, tudo é algoritmo. Não duvido que até língua de porco tenha sido incluída nessa. Algum engenheiro de prompt deve ter feito cálculos e distribuído um gráfico para os donos de restaurantes mostrando que a nova tendência é uma feijoada menos raiz.

Minha paranoia, embora um tanto fantasiosa, faz certo sentido, convenhamos. Em um desses meus almoços, o atendente me apresentou uma nova opção da casa: feijoada servida apenas com linguiça calabresa e ponto.

Para mim, que sou mais ortodoxo do que elixir paregórico quando se trata dessa iguaria brasileira, a notícia foi trágica. Nunca concordarei com a ideia de uma feijoada incompleta. Ou vem com todos os componentes, ou é tão somente uma porcada.

Uma breve digressão apenas para esclarecer um ponto. Não estamos aqui querendo ser do time do "antigamente é que era bom". Ou mesmo adotando um conservadorismo excessivo. Acontece que, se afrouxarmos a corda, em breve comeremos feijoada no pão de hambúrguer. E veja só, já convivem em mesas por aí bolinho, coxinha, pastel e até tapioca de feijoada. Em Ponta Grossa, certa vez vi, aterrorizado, pizza de estrogonofe num cardápio. A criação do calzone de feijoada está por um triz. Talvez até exista. Fim da digressão.

Continuo, portanto, em busca da feijoada total, irrestrita. Onde a língua de porco não seja vítima de chacotas e nem seja incluída por cotas. Afinal, ela é igual aos seus semelhantes.

Publicidade

A ideia da feijoada como prato nacional foi defendida até pelos modernistas de 22, que buscavam construir uma identidade para o país. Ela se tornou um dos signos da brasilidade, caracterizada pelo tema da antropofagia - a deglutição cultural das influências estrangeiras.

Se ninguém se mexer, quem vai acabar deglutindo culturalmente o feijão gordo pátrio serão os forasteiros. E para o nosso só restarão as linguiças da Calábria.

Pobres das grávidas sem o seu folato...

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.