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Transtornos mentais e suas diferenças entre homens e mulheres

Opinião|Final de ano: cuidado com as drogas lícitas como automedicação

Foto do author Dr. Joel Rennó
 Foto: Estadão

Natal e Ano Novo são épocas de muitas confraternizações e reuniões com familiares e amigos. Todos querem demonstrar que estão bem e felizes, mesmo que na prática isso não reflita o verdadeiro sentimento.

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Neste período, há balanços para o ano seguinte, estabelecimento de novas metas e autocobranças muitas vezes severas e difíceis de serem cumpridas. Nos encontros, há aproximação com parentes e amigos que muitas vezes não existe uma identificação ou, pelo contrário, há diferenças irreconciliáveis. Em 2022, por questões políticas, tivemos um acirramento das diferenças com debates e agressões nas redes sociais. Não foi incomum vermos laços familiares e de amizade serem destruídos por tais diferenças.

Querendo se antecipar à possível dor, ansiedade pelo estresse de aproximação dessas pessoas e com o intuito de demonstrar o quanto "eu estou bem" as pessoas lançam mão de drogas lícitas que podem ser álcool, ansiolíticos ou calmantes ou até medicamentos para ficar mais "esperto" ou aparecerem magras.

Vivemos em uma era perigosa de abuso, com ou sem orientação profissional, de drogas lícitas, todas atuantes na esfera do SNC (Sistema Nervoso Central).

Muitas dessas  pessoas sequer sabem exatamente o que tomam e quais os riscos envolvidos e colocam a sua integridade e saúde ao acaso da sorte.

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Há drogas neuropsiquiátricas aprovadas para depressão, transtorno de pânico, transtorno bipolar do humor, narcolepsia (distúrbio do sono), transtorno de déficit atencional, entre outros, sendo absurdamente utilizadas por homens e mulheres para diferentes finalidades como: melhorar a capacidade de memorização e atenção (smart drugs para incrementar a inteligência), inibir a compulsão alimentar e apetite, melhorar o desejo sexual feminino - que  é complexo e multifatorial- e até em fórmulas de emagrecimento rápido e miraculoso.

Recebo em minha prática diária muitas pacientes com graves distúrbios neuropsiquiátricos e doenças clínicas desencadeadas pelo uso desenfreado e sem critérios de tais medicamentos.  Psicotrópicos mal indicados e com super dosagens, mesmo que prescritos por médicos, podem causar irritabilidade, ansiedade, alterações de humor, psicoses, pânico, convulsões, arritmias, além do risco sério de dependência física e psicológica.

Agora as bolas da vez são as "smart drugs" utilizadas por executivos, médicos, estudantes universitários e outros para turbinar a inteligência e compostos basicamente por derivados anfetamínicos ou psicoestimulantes. Tradicionalmente, o metilfenidato é utilizado criteriosamente para o tratamento de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), uso consagrado e que deve exigir acompanhamento médico regular.

As evidências científicas são frágeis no momento para outras finalidades e o interesse mercadológico parece ser o principal fator. Não há aprovação do uso de psicoestimulantes como drogas para incrementar a inteligência, os trabalhos científicos são até contraditórios ou inconclusivos, embora haja trabalhos que comprovem a eficácia para tratamento de compulsão alimentar severa. Porém, seu uso indiscriminado vem sendo observado em tratamentos para emagrecer o que é muito sério.

Além da eficácia contestada, ainda temos os efeitos colaterais sérios. Os psicoestimulantes podem causar dependência e desencadear vários distúrbios neuropsiquiátricos mesmo em pessoas normais, além de oferecerem riscos cardiovasculares sérios em algumas pessoas.

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Outra droga legal ingerida excessivamente por homens e mulheres nesse período é o álcool. O álcool ingerido de forma abusiva (padrão depende de alguns aspectos fisiológicos de cada pessoa) leva a alterações comportamentais que costumam literalmente detonar a convivência, além dos danos físicos.

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As diferenças entre o alcoolismo feminino e o masculino têm sido cada vez mais estudadas. Deparo-me, na minha prática clínica, com um número cada vez maior de mulheres alcóolicas em todas as faixas etárias. Um detalhe importante é que a preocupação não se refere apenas ao universo de mulheres dependentes e sim também ao universo expressivo de mulheres que bebem de forma nociva ou inadequada, mesmo que esporadicamente. O uso esporádico de 4 doses de álcool por ocasião (uma dose é equivalente a 350 ml de cerveja, 120 ml de vinho ou 40 ml de destilado e contém 10-14 gramas de álcool puro) já oferece grandes riscos às mulheres. Querer anestesiar uma dor psíquica pelo álcool é literalmente uma "gelada".

A mulher que bebe inadequadamente, mesmo sem desenvolver dependência, está mais exposta a acidentes e a violência doméstica, tem mais dificuldade para engravidar, mais incidência de infarto do miocárdio, gastrite, câncer de mama, pancreatite e hepatite alcoólica, entre outros efeitos danosos.

Na atualidade, há um aumento considerável de mulheres alcoolistas. Até uma década atrás, aproximadamente, havia sete homens para cada mulher com alcoolismo e no momento o padrão feminino se aproxima do masculino. Cinquenta por cento das mulheres são abstêmias. E, das que bebem, o consumo é moderado na maior parte dos casos. Mas uma em cada quatro tem um consumo pesado, bem acima do razoável. E cerca de 2% das que bebem desenvolvem dependência.

As consequências deletérias da ação do álcool no organismo feminino costumam ser mais drásticas e rápidas. O organismo feminino é mais sensível aos efeitos do álcool porque a mulher tem menos enzimas que metabolizam o álcool e, em consequência, uma menor capacidade de processar o produto final da substância, que é menos tóxico, ficando mais tempo exposta aos subprodutos intermediários, mais deletérios à saúde. As mulheres também apresentam maior distribuição de gordura e menor volume de líquido corporal e tais fatores indicam que tanto a dependência quanto o abuso se desenvolvem em menos tempo. Outro detalhe importante do alcoolismo feminino é que geralmente ele vem mais acompanhado de doenças mentais como depressão e transtornos de ansiedade. Mulheres deprimidas ou ansiosas podem até ser mais vulneráveis ao uso abusivo de álcool embora tal relação não seja obrigatória.

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Portanto, fica dado o alerta às pessoas que precisam tomar muito cuidado com as fontes de informações a respeito das drogas legais utilizadas para outros fins. E que questionem inclusive alguns profissionais médicos que em certos momentos ou prescrevem também tais drogas a pessoas indefesas sem os devidos esclarecimentos objetivos e claros ou não orientam sobre os riscos inerentes sequer perguntando sobre o padrão de consumo das mesmas. Conheço muitas mulheres que tomam várias medicações psiquiátricas para emagrecimento, emuso "off label" (fora da indicação da bula) e sequer foram corretamente informadas sobre os respectivos componentes de tais fórmulas e seus riscos. Chegam a misturar álcool com tais drogas o que potencializa os riscos. O acesso à informação correta e precisa é de fato um direito de todos os pacientes e isso deve ser cobrado dos profissionais porque os danos à saúde podem ser irreparáveis e até irreversíveis. E mais uma vez: nunca se automediquem.

Boas Festas a todos vocês, com equilíbrio e serenidade!

Opinião por Dr. Joel Rennó

Professor Colaborador da FMUSP. Diretor do Programa Saúde Mental da Mulher do IPq-HCFMUSP. Coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da ABP. Instagram @profdrjoelrennojr

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