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No bar com Jum Nakao

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Por Dado Carvalho
Atualização:

Em seu primeiro álbum, a cantora Ana Carolina fazia um convite cheio de conveniência: "Se precisar de alguma coisa, vai lá no meu armazém. Tem de tudo, quase tudo, tem." O

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Vestígios Bar

é uma espécie de armazém. Não é o de Ana Carolina, mas tem tudo, quase tudo, também. Em uma placa pendurada entre dois lances de prateleiras, há uma lista das utilidades domésticas do estabelecimento: ovos, cerveja, Coca-Cola, chuveiro e carvão estão entre os itens nem sempre correlatos. Em um dos cantos, um tacho de alumínio todo furado, como um escorredor de macarrão, começa a enferrujar. Pimentas ocupam garrafas de conserva, biscoitos enchem frascos de biscoitos, louças se empilham sobre o escorredor de louças, mas balas não enchem o baleiro giratório, e botões faltam no teclado da caixa registradora.

Intervenção |

O Vestígios Bar é, na verdade, uma instalação artística do estilista Jum Nakao no segundo pavimento do prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera. A performance se chama

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Vestígios Vestíveis

. Durante os seis dias da SPFW, o estilista e sua equipe 'vestem' o bar abandonado, com o intuito de transformá-lo em qualquer outra coisa.

Pegadas |

É um bar de vestígios, com vestígios de presença humana. Dois televisores ocupam, cada um, um canto do ambiente. Estão ligados em um jogo de futebol. A presença destes aparelhos, sem ninguém para assisti-los, é mais desoladora do que se eles estivessem desligados. Assim como a desorganização de todos os objetos, que evidenciam gritantemente que alguém esteve ali - e há pouco tempo -, bem mais do que se estivessem organizados. É uma certa impressão de 'quase' ter encontrado alguém, e ter chegado atrasado. Muito pior do que a impressão de encontrar um lugar onde ninguém jamais esteve.

Desloamento |

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Por que um bar? "O bar é um templo", começa Jum, cabalístico. "É um lugar onde se celebra a alegria", ou seja, tudo a ver com o tema desta edição do evento, 'Anima'. A intenção inicial era causar estranhamento. "Como se ele tivesse sido teletransportado para cá." Além disso, há duas arquibancadas, uma de cada lado do bar (as paredes laterais do ambiente não existem. No lugar, há tule para separar a área interna da área externa). É como se fosse uma sala de desfile, com o bar fazendo as vezes de passarela.

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Queima de arquivo |

Os artistas usam retalhos de morim cru em forma de exágono. Com esses retalhos, eles estão revestindo toda e qualquer superfície dentro do bar (paredes, mesas, cadeiras, garrafas, geladeira, balcão, baleiro, caixa registradora...). "É como se estivéssemos apagando os vestígios", explica Jum. "Para que haja, em seguida, outros vestígios para serem vistos." Como qualquer prédio abandonado, pixações tomam conta das paredes. "Mas aqui, a pixação é invisível", associa. No caso, é o spray com material colante, usado para fixar um tecido (morim). Quem se senta na arquibancada é incitado a adentrar a atmosfera. De tempos em tempos, as luzes ficam mais fortes e surge o som de uma animada torcida. Nas telas, o gol está próximo. A efusividade da comemoração faz parecer que a arquibancada é de um estádio de futebol, não de um desfile.

Tela em branco |

Tudo ali tem motivo. O morim cru é um tecido usado para testes. "Sem contar que ele é 'cru'. Ou seja: para virar qualquer coisa, precisa ser cozido", metaforiza Jum. É como se, mesmo depois de ter o ambiente completamente vestido, ele precisasse de novas leituras para que se torne alguma outra coisa. A ideia é deixá-lo aberto a estas novas percepções. Outra ideia é estabelecer uma ponte entre coisas a princípio vocacionalmente díspares, como a passarela e o boteco, o futebol e a moda, a Copa do Mundo e a SPFW. Mas com algo comum a todos: a animação.

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Ponto zero |

No fim da SPFW, algo que quem vê a construção do cenário, antisséptico de tão branco, não espera: os retalhos de morim serão todos retirados, um a um. Desconstruindo a desconstrução feita ao longo destes seis dias. Comentários dos espectadores: "É Jum Nakao."