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arte: renato essenfelder/sd
»A criança pulsa um paradoxo. Às vezes parece contente com qualquer coisa, com nada: a banalidade de um pedaço de pau ao pé do jardim abandonado. Fica ali entretida por horas, entre folhas e gravetos, pedregulhos, minúsculos bichos. Distrai e atiça as minhocas da cabeça abrindo sulcos na terra, enterrando as próprias mãos.
Cavando mais fundo, mais fundo, num escavar criativo, terapêutico.
Às vezes nada a contenta, contudo. Quer mais, impelida pelo desejo de ir além. Quer saber o que está na raiz das coisas, o porquê do porquê do porquê. Ouviu as convenções, mas não se contenta. Já não bastam as cegonhas, coelhos e gnomos. Questiona, com as mãos mergulhadas na terra. A mãe chama, você vai se sujar todo, menino.
Por que a terra é suja?
Limpo, quem será?
Estou em busca das raízes profundas. As mãos sobre a terra vão atravessando suas camadas; as folhas, a relva, o barro. Afundo-as em busca das raízes ocultas, que dormem na escuridão. Estou cansado das telas, manchetes, fotografias, convenções, superfícies. Cansado da falta de substância, do caldo ralo. A paixão da curiosidade esvai, exangue. Ao meu redor, esmagadas pelas botas invisíveis do mercado, as pessoas seguem ao mesmo tempo em todas as direções para chegar a lugar algum.
Não é que tudo o tempo inteiro tenha de ter substância, mas alguma coisa precisa ter. Alguma coisa precisa ser.
As máquinas tornamo-nos nós, afinal.
Busco e insisto, mas também sei que já não sou criança. Não espero respostas verdadeiras. Aceito que, no fim do dia, nada faça o devido sentido - nem verdade haja. Aceito que, escavando e escavando o ventre da terra, eu chegue a lugar algum. Aceito que buscar o sentido é tudo o que podemos fazer, enquanto desviamos da morte.
Mas, ó raios, vamos ao menos buscar um sentido.
(E, nos intervalos, uma cervejinha, porque ninguém é de ferro.)«
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