arte: renato essenfelder/sd
»Já faz um tempo que não ligo muito para presentes. Não tenho nenhum pedido especial, nenhuma ansiedade particular. Entendo, enfim, minha mãe, que dizia que não queria nada de Natal: os filhos por perto eram alegria suficiente. A celebração em si.
Mas não é que eu não queira nada, quero infinitas coisas, simultaneamente. Mas essas coisas não prestam para ser compradas, embaladas e pousadas à beira de um pinheirinho - embora, é claro, possamos tentar.
Um presente é um copo de água gelada em um dia quente, ou uma generosa bola de sorvete - de morango ou milho, simplesmente. Falando nisso, broa de fubá com cafezinho recém-passado no coador de pano. Filme bom no cinema vazio, a luz baixando devagarinho enquanto o coração desacelera, apaziguado. Pipoca fresca, carne de panela fumegante, com um molho denso de cenoura, tomate, alho e cebola, onde passar o pão. Lasanha. Churrasquinho, cerveja. Café da manhã com pão na chapa e jornal impresso, tingindo as pontas dos dedos.
A alegria do cachorro quando chegamos em casa, dando voltas em torno do próprio rabinho sacolejante. Uma fresta de sol em um dia frio, para aquecer o corpo travado. Destravar, estralar os ossos. Uma noite de sono perfeita. Um livro novo, que fisga ou faz pensar. Para ler rápido ou devagar.
O retorno dos sumidos e das sumidas, infinitamente queridos, sem aviso, de repente. Matar uma saudade que a gente nem sabia que sentia. Um abraço, muitos causos, histórias compartilhadas.
Receber elogios inesperados, cumprimentos desinteressados. Rever a família, rever os lugares onde cultivamos as primeiras lembranças nostálgicas.
Caminhar pela cidade e descobrir um novo cantinho favorito. Sentar no sofá depois de um dia de trabalho. Sentar no sofá depois da faxina e apenas apreciar o bom trabalho. Estar presente no presente, mesmo que por alguns minutos apenas. Admirar o copo cheio. Agradecer sem motivo: nada pedir, nenhum anseio pelo qual ansiar.«
______________________________________________________________________