Os primeiros dias do Big Brother Brasil 2024 levantaram discussões nas redes sociais. Os usuários da web debateram sobre capacitismo — a discriminação contra pessoas com deficiência — após falas do cozinheiro escolar Maycon contra o paratleta olímpico Vinicius Rodrigues na primeira prova do líder da edição. Veja acima.
Na disputa, Maycon sugeriu “apelidar” a prótese de Vinicius de “cotinho”, derivado da palavra “coto”. O termo pejorativo costuma ser usado para se referir a pessoas com membros amputados. O Estadão tentou contato com a equipe do cozinheiro para um posicionamento, mas não teve retorno até o momento desta publicação.
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O que é capacitismo?
Para Kaká Rodrigues, especialista em diversidade e inclusão e fundadora da empresa Diversidade Agora!, capacitismo é a discriminação que “desvaloriza e desqualifica as pessoas com deficiência com base no preconceito em relação à sua capacidade física e/ou cognitiva”.
A especialista ainda comenta que o capacitismo pode acontecer por meio da comunicação com termos pejorativos como “aleijado, coto, retardado, demente”. Acreditar que pessoas com deficiência são incapazes de trabalhar, se relacionar e serem independentes também configura discriminação.
“O capacitismo pode ser praticado quando pessoas com deficiência não são contratadas ou promovidas por falta de acessibilidade nas empresas; quando falta acessibilidade no transporte público. O capacitismo está no dia a dia e muitas vezes só é percebido pelas pessoas com deficiência, porque desenhamos o mundo, as instituições e as nossas relações por um viés que exclui essas vozes, sem representatividade”, completou.
Mesmo assim, Kaká Rodrigues enxerga uma oportunidade educativa no BBB. “Esse episódio específico envolvendo o Maycon e o Vinícius no BBB acontece com frequência nas escolas, empresas e instituições brasileiras. Podemos aprender com a falta de consciência do Maycon, mas também com a falta de empatia e inclusão das demais pessoas participantes e da organização do programa, que falhou ao criar uma prova sem acessibilidade para o participante”, completou.
O que diz a Lei?
O advogado Jose Marcelo Vigliar, pós-doutor em Direito e coordenador do livro Pessoa com Deficiência — Inclusão e Acessibilidade (Almedina Brasil), diz que discriminação é o tema mais importante a ser combatido pela Lei Brasileira de Inclusão, sendo o estatuto da pessoa com deficiência, a lei 13.146, de 2015.
“O mais importante dessa lei é que não há a definição de deficiência. O que importa é a consciência sobre o conceito de barreiras. Temos várias formas de barreiras que são discriminatórias e, por exemplo, uma muito comum são as arquitetônicas, que impedem ou dificultam a acessibilidade”, afirma José Marcelo ao Estadão.
O advogado diz defender a importância da educação para evitar um processo por danos morais. “Entendo que a questão fora do âmbito criminal tem que ser mais combatida e temos um papel importante do Ministério Público e da Defensoria Pública que se empenham”, diz ele.
Paratletas comentam falas de Maycon
O Estadão entrou em contato com a Ottobock, empresa que produz as próteses usadas pelo Vinícius no BBB, para pedir depoimentos de outros paratletas sobre as falas de Maycon. Pauê Aagaard, paratleta do Triathlon, disse à reportagem que acompanhou a amputação do participante do reality desde o início, nos anos 2000.
“Existe ainda uma falta de sensibilidade de percepção em relação à temática por parte das pessoas não deficientes. É uma questão cultural, mas também vem um pouco enraizado com o lado do preconceito, de se enxergar superior”, começou ele. “O Vini sempre foi muito positivo com relação a isso [de não ter um membro]”.
Aagaard ainda disse ser importante combater o capacitismo. “A melhor forma da gente combater isso é trazendo o assunto à tona e mostrando como tratar, como educar as pessoas para um olhar de sensibilidade, de respeito e de empatia pelo outro”.
Stefanie Malinski, paratleta da natação e fisioterapeuta, disse que se sentiu mal assistindo à prova de resistência e ouvindo os comentários de Maycon. “Foi extremamente desrespeitoso e constrangedor”, disse ela ao Estadão.
“Nós, pessoas com deficiência, devemos ser respeitados e nossas deficiências devem ser tratadas como mais uma característica nossa. Não é motivo para ser preconceituoso, ter pena da gente ou nos definir. Não é nada além do que uma característica”, completou.
A reportagem também tentou contato com a Globo para um posicionamento, mas não teve retorno até o momento desta publicação. O espaço segue aberto.
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