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Diálogo intercontinental sobre futebol, com toques de política, economia e cultura.

Bunker alemão na Costa do Descobrimento

Carles: Sinceramente, pensei que as bolinhas de Jérôme tinham sido o último capítulo emocionante do prólogo da Copa. Ledo engano. Os alemães insistem em recuperar páginas que já considerávamos superadas, entre elas aquelas síndromes colonialistas de levar consigo até containers de água para disputar torneios em além mar. Desta vez, eles se superaram e, pelo lido, pretendem construir o próprio "quartel general" em Porto Seguro - e sem jogo de palavras. Acho que estão arriscados a tomar a primeira tunda, desacostumados a tratar com os empreiteiros nacionais.

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Por Carles Martí (Espanha) e José Eduardo Carvalho (Brasil)
Atualização:

Edu: Das duas uma, ou dançam conforme a música dos mestres de obra baianos ou trazem os seus próprios, já que até chucrute virá na bagagem. Mas tenho a intuição de que, desta vez, o que eles fizeram foi planejamento mesmo, na mais tradicional cartilha alemã. Eles querem ganhar esta Copa, Carlão. Imediatamente após o sorteio, que previu três jogos no Nordeste, Joachim Low e seu staff - com o nosso velho conhecido Oliver Bierhoff como lugar-tenente - desistiram de um resort em Itu, interior de São Paulo. Mas, ao que tudo indica, o Plano B que virou A já era uma carta na manga. Ninguém no Brasil aprova a construção de um alojamento de luxo em uma semana, isso já estava acertado muito antes. E a escolha de Santa Cruz Cabrália, a menos de 30 km do bom aeroporto de Porto Seguro, é um achado, porque reúne privacidade, clima adequado e instalações que eles mesmos vão controlar.

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Carles: Vai explicar esse planejamento todo para o Garrincha (mediante alguma assessoria especializada, claro) ou para o Pelé, que em 1958 praticamente saiu de Bauru para ganhar uma Copa em ambiente nórdico. Li que o resultado vai ser uma espécie de resort com mais de uma dúzia de edificações e 65 suítes, em volta de uma piscina, com campo de treino a um quilômetro e sala de imprensa a 15 (isso sim é planejamento, com a imprensa a uma distância prudente). Será que os germânicos pretendem um 2em1 e com a iniciativa inauguram a era do investimento imobiliário no Brasil ou o objetivo mesmo é legar uma obra social com, digamos, uma futura escola de futebol com alojamento para crianças?

Edu: Só em sonho. No máximo será uma homenagem histórica ao local onde os portugueses chegaram em 1500 - os mesmos lusos que serão os adversário da estreia da Alemanha, a poucos quilômetros dali, em Salvador. Até hoje Cabrália disputa com Porto Seguro o privilégio de ter sido a porta de entrada para as naus insensatas de Cabral, naquela região chamada de Costa do Descobrimento. Além do objetivo técnico - que de fato existe - tem um lado financeiro muito bem ressaltado pelo nosso colega Erich Beting: é uma jogada comercial das mais ousadas, bancada pelos patrocinadores da Seleção Alemã, com a Mercedes Benz, que não é anunciante Fifa, à frente. Ali, naquele espaço, os parceiros vão deitar e rolar, porque o ambiente não será controlado totalmente pela Fifa, ao contrário dos centros oficiais de treinamento. E haverá muita imprensa, ao contrário do que você imagina. Nesse complexo que está sendo construído na praia de Santo André, há um generoso espaço para entrevistas e convívio da mídia com os rapazes de Low. Sem contar a parafernália de marketing em torno do campo de treinamento.

Carles: Terra à vista!!!!! Merkel e sócios descobriram o Brasil e aproveitam o ensejo para redescobrir algumas das suas maiores convicções, tão questionadas nos últimos tempos, como neoliberalismo, mercado livre e terra virgem por explorar... Ironia do destino que seja logo em Porto Seguro e de cara os alemães enfrentem os portugueses. A Copa que comercialmente já começou é um pretexto mais do que suficiente para que a "terra brasilis" esteja mais suscetível aos afagos do capital externo?

Edu: Você sabe muito bem que capital externo, por aqui, nunca foi motivo de rejeição, embora os mecanismos de controle tenham oscilado de acordo com o governo de plantão. E também não há mais quase terras virgens para 'Frau' Merkel, fique tranquilo. O fato é que os alemães não estão nem aí para mostrar simpatia ou reverenciar as identidades locais, essa é a verdade. Eles querem é ficar isolados no bunker deles, algo que já fizeram na África do Sul. Do ponto de vista logístico, por outro lado, fizeram uma excelente escolha, ao contrário dos franceses, que ainda pretendem manter a sede de Ribeirão Preto e vão conhecer de perto o que é calor sufocante na cidade campeã paulista em focos de dengue, e também dos italianos, que preferiram um paradisíaco hotel numa badalada região do Rio, Mangaratiba, sendo que eles jogam três partidas no Norte e Nordeste durante a primeira fase. Quero ver é segurarem Balotelli na concentração com tanta agitação do lado de fora... É claro que, como provaram Mané e Pelé, talvez estejamos falando de planilhas delirantes ao estilo europeu, mas, em princípio, os alemães sabem bem o que estão fazendo.

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Carles: Provavelmente a maior vantagem de toda essa parafernália seja a sensação de segurança que dá a previsão. Em outras culturas, acostumadas à improvisação, tanta antecipação pode até sair pela culatra, aumentar a expectativa e, ao contrário, criar insegurança. Quanto aos franceses, parecem estar se acostumando a seguir sua trilha até a Copa na corda bamba. E sobre o ragazzaccio, desconfio que é mais fama que outra coisa, apesar de algumas célebres escorregadelas. Assim mesmo, com a Azzurra no Rio, as manchetes estão garantidas e à prova de mau jogo.

Edu: Bom, se o que Supermário anda fazendo é 'escorregadela', preciso rever alguns conceitos, o que é sempre saudável. Só ficamos pendentes agora dos mestres supremos em matéria de 'escorregadelas': onde, enfim, ficarão os ingleses, que trarão a reboque sua tradicional trupe mambembe de verdadeiros torcedores sem fronteiras e sem censura? Essa sim é uma atração à parte. É só aguardar pelos próximos capítulos.

Carles: Você não acha que alguma das "torcidas desorganizadas" local faria corar muitos dos hooligans?

Edu: Não falo dos hooligans, que estes estão bem mais neutralizados por lá do que por aqui, mas dos festeiros, se é que você me entende. E, por aqui, não será difícil se cada um deles se meter a experimentar uma dose de cada um dos milhares tipos de cachaça.

Carles: Seja como for, coming soon.

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