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Após Robinho e Daniel Alves, o que os clubes fazem para evitar novos casos de assédio?

Bahia se destaca entre os 20 times da Série A, com trabalho voltado à formação cidadã de jovens atletas; especialista alerta para necessidade de derrubar ‘pacto da masculinidade’ e ‘cultura dos parças’

Foto do author Ricardo Magatti
Foto do author Rodrigo Sampaio
Por Ricardo Magatti e Rodrigo Sampaio
Atualização:

Depois das condenações de Robinho e Daniel Alves a nove anos e quatro anos e meio, por estupro, respectivamente, alguns dos principais clubes do Brasil têm se movimentado internamente para conscientizar os seus atletas sobre a violência contra a mulher e tentar impedir que surjam novos casos como os protagonizados pelo atacante e o lateral-direito.

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Foi preciso Leila Pereira, uma mulher em posição de poder, se posicionar sobre Robinho e Daniel Alves, para que a CBF, o técnico Dorival Júnior, um dos líderes da seleção, o lateral-direito Danilo, e outros atletas, como o veterano Felipe Melo, do Fluminense, quebrassem o silêncio.

Chefe da delegação brasileira nos amistosos do Brasil na Europa, Leila tomou a palavra para dizer que “cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”, referindo-se à liberdade provisória que Daniel Alves conseguiu ao pagar fiança de R$ 5,4 milhões na Espanha.

Depois, a dirigente cobrou autoridades e afirmou que “não é possível não ter empatia ao sofrimento destas meninas, de todas nós”. O Palmeiras, que a empresária preside desde 2021, afirmou ao Estadão promover “frequentes palestras” para os jogadores da base sobre temas relacionados à violência contra a mulher. Os encontros são conduzidos pela equipe de psicologia e pelo serviço social das categoria de base.

Robinho e Daniel Alves foram condenados a 9 anos e a 4 anos e meio por estupro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Conforme o atual campeão brasileiro, os atletas profissionais do time alviverde são “constantemente orientados pelo departamento de futebol sobre suas obrigações e condutas, que precisam ser sempre exemplares, tendo em vista a grandeza e os valores da instituição que representam”.

O Estadão procurou os 20 times da Série A para entender o que eles têm feito a fim de evitar que apareçam novos casos de violência contra as mulheres protagonizados por atletas. Dos 20, 13 disseram que têm ações específicas sobre o tema, geralmente com palestras e conversas que possam conscientizar os jogadores. Cuiabá e Grêmio não fizeram nem têm iniciativas programadas. Cruzeiro, Criciúma, Flamengo, Fluminense e Vitória não responderam aos contatos da reportagem.

Departamento de salvaguarda

Algumas iniciativas dos clubes se destacam. O Bahia, primeiro clube da carreira de Daniel Alves, é um dos que mais se preocupa com a temática. A instituição baiana faz um trabalho especificamente voltado à formação de jovens atletas e à conscientização de colaboradores a respeito desse tema.

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O Bahia detalhou à reportagem que os serviços de Psicologia, Pedagogia e Serviço Social do clube “atuam continuamente com a formação esportiva e propõem ações diversas com “intuito de formar melhores pessoas e melhores atletas o que, inevitavelmente, envolve a problematização das questões de gênero, através de reflexões criticamente fundamentadas e atividades que contribuem para uma formação responsável e consciente da violência de gênero perpetrada na nossa sociedade e das possibilidades de prevenção e enfrentamento dessa problemática”.

O time baiano diz ser o único clube do País a contar com um departamento de salvaguarda, setor que trabalha instrumentalizando os atletas na prevenção de situações de violência e violação de direitos e que estrutura nas diretrizes internacionais e nacionais de proteção e garantia de direitos a crianças, adolescentes e adultos em situação de vulnerabilidade.

Segundo o Bahia, esse departamento também atua na resposta a possíveis situações de violação de direitos, com canais próprios para receber queixas, suspeitas e denúncias referentes ao tema. “Nosso objetivo é trabalhar arduamente para que nossos atletas não sejam vítimas de violações de direitos e garantir que não sejam perpetradores no futuro e no presente”, explica a instituição. Recentemente, o clube lançou uma campanha em que joga luz sobre a necessidade de se combater a cultura do estupro, fomentada com atitudes machistas.

Palestra com o apoio de Cuca

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O Athletico-PR promoveu na semana passada uma palestra sobre violência contra a mulher ao elenco principal e às categorias de base femininas do clube. A antropóloga carioca Paola Lins de Oliveira foi quem comandou a conversa. A iniciativa é parte do plano de conscientização adotado pela agremiação paranaense e apoiado pelo técnico Cuca, condenado por ter mantido relações sexuais com uma garota de 13 anos na Suíça, em 1987. A sentença foi anulada em janeiro deste ano, mas ele não foi inocentado.

No dia em que estreou, o treinador decidiu ler uma carta em que se mostrou comprometido com uma mudança de mentalidade após entender o que a sociedade espera dele. ”Quero e me comprometo a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar. Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol”, disse.

Com apoio de Cuca, Athletico-PR promoveu palestra sobre violência contra a mulher Foto: José Tramontin/athletico.com.br

Pacto de masculinidade

O silêncio reinou quando Daniel Alves foi acusado e, depois, condenado por estuprar uma jovem em boate de Barcelona, em dezembro de 2022. A comunidade do futebol não só se calou como o pai de Neymar, amigo do ex-jogador do Barcelona, emprestou 150 mil euros (aproximadamente R$ 800 mil), valor que o lateral-direito utilizou para reduzir a pena na Corte de Barcelona.

Não tem uma cobrança para eles se manifestarem, isso é muito recente. Então, existe uma perspectiva masculina e um machismo muito bem protegido por essa cultura dos “parças”, esse aparato do machismo que é inquebrável, você não consegue romper com essa prática machista deles

Nana Lima, diretora da ONG Think Olga

“A questão da impunidade, de você ter tido um cenário de impunidade por muitos e muitos anos, então isso também faz com que se veja como um crime menor, ou até se duvide de casos da vítima, às vezes até quando o jogador foi condenado”, acrescenta a profissional da organização, referência na defesa do direitos das mulheres no País.

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Condenado em primeira instância, Daniel Alves ficou 14 meses em prisão preventiva e deixou o Centro Penitenciário Brians 2, em Barcelona, na última semana, depois de pagar fiança milionária. A liberdade provisória concedida ao brasileiro escancara um problema de acesso à Justiça e garantia de reparação às vítimas de violência sexual, opina Marina Ganzarolli, diretora do MeToo, organização. “As garantias constitucionais de defesa e de responder em liberdade devem existir para todos e todas. O que nos entristece é que essas garantias são mais facilmente aplicadas àqueles que possuem recursos econômicos e muita vezes nunca aplicada aos que não possuem uma defesa caríssima”.

Marina diz que o pacto de masculinidade no esporte só será quebrado com educação e a conscientização. “Há a urgente necessidade de educação, inclusão e diversidade nos espaços de liderança e também uma política de consequência que busque prever medidas que antecipem mas que reparem incidentes caso eles aconteçam”.

Referências aos mais jovens para combater violência contra a mulher

Foi só depois de Leila se posicionar que o técnico da seleção, Dorival Júnior, e alguns atletas, como o lateral Danilo, também falaram. “Está na hora de a gente entender que o nosso papel é sim jogar futebol, mas é também servir de exemplo de comportamento e de forma de lidar também fora de campo para a juventude”, admitiu o defensor.

Manifestantes em São Paulo pedem fim da violência contra a mulher Foto: Felipe Rau/Estadão - 8/11/2020

O treinador exaltou Robinho, “uma pessoa fantástica, um profissional acima da média”, segundo ele, antes de dizer que o atleta, que comandou no Santos há mais de uma década, tem de ser penalizado.

Robinho saiu da Itália em 2014, antes de ser julgado pela primeira vez. Em 2020, chegou a assinar contrato com o Santos, quando já havia sido condenado em duas instâncias pela Justiça Italiana. Mas a pressão da torcida e dos patrocinadores fez o time rescindir com o atacante.

Desde então, mesmo condenado pela Justiça da Itália, Robinho vivia em liberdade em Santos porque a lei não permite a extradição de cidadãos brasileiros para o exterior. Até que, na última semana, o STJ decidiu homologar a pena e o jogador foi encaminhado à Penitenciária de Tremembé II. Ele alega inocência, mas não pode mais recorrer da condenação, apenas da homologação da sentença.

“É muito importante que para esses meninos que jogam futebol e que querem se tornar jogadores de futebol, que têm como referencial esses jogadores que possuem muita influência e poder, que são vistos e admirados como figuras importantes e de masculinidade também, se coloquem contra esses crimes, se manifestem, reforcem, sensibilizem e conversem com esse público que admira tanto eles, pois é um público que os enxerga em uma questão aspiracional para que eles combatam a violência contra a mulher”, avalia Nana.

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Segundo pesquisa realizada pela Think Olga, uma em cada seis mulheres tem a saúde mental impactada pelo medo de ser vítima de algum crime sexual. Para a diretora da ONG, o cenário atual, de muitos casos de assédio e abuso, só vai ser modificado com o envolvimento de toda sociedade, sobretudo figuras poderosas e capazes de influenciar os mais jovens.

Discussão sobre futebol pode potencializar agressões contra as mulheres, apontou pesquisa da USP Foto: André Dusek/Estadão

“Eles precisam fazer com que essa nova geração se torne ativos no combate à violência contra a mulher, e não só passivos. Todos eles precisam se manifestar. Precisamos que os homens sejam os melhores referenciais para essa geração de meninos que está vindo, porque senão a gente vai continuar sendo um cenário de impunidade, de não responsabilidade do agressor, de não manifestação, como se essa violência não fosse cometida por homens, como se as mulheres fossem vítimas delas mesmas, e a gente sabe que não é esse o cenário”, diz Nana.

“Os clubes que possuem escolinhas, têm um trabalho de base forte com meninos, têm uma oportunidade enorme de já sensibilizá-los e de trazer essa perspectiva de desconstruir o racismo e o machismo estrutural, de ir mostrando para esses meninos que existe uma outra maneira mais saudável e respeitosa de ser menino, de ser homem, sem colocar a mulher nesse lugar de submissão”, emenda.

Outras iniciativas dos clubes para combater o assédio e a violência contra a mulher

Atlético-MG: Profissionais e atletas das categorias de base do clube terão palestras dentro o protocolo “Fale Agora de Enfrentamento à Violência Sexual”, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) do Governo de Minas. Atlético diz que está vai contratar uma profissional que ficará responsável pelo acolhimento de vítimas de assédio sexual em dias de jogos e eventos na Arena MRV. Nos últimos anos, o time mineiro lançou uma campanha contra importunação sexual dentro dos estádios e outra de combate à violência contra a mulher em parceria com o Movimento Quem Ama Não Mata,

Atlético-GO: Conta com uma psicóloga integrada ao departamento de futebol, que conversa e tem sessões com os jogadores semanalmente, individual e em grupo.

Botafogo: Criou projeto #HoraDelas, proposta que visa transformar gradativamente o ambiente do futebol em um espaço mais seguro, igualitário e respeitoso para atletas, torcedoras e funcionárias. Diz ter sido pioneiro ao firmar uma parceria com a Delegacia da Mulher e Policial Civil do Estado do Rio de Janeiro com o intuito de disponibilizar uma guarda especializada em atender denuncias de assédio e importunação sexual em dias de jogos no Estádio Nilton Santos. A assistente social do departamento de futebol, Maristela Eleuterio e sua equipe, realizam um trabalho de conscientização a respeito do assunto com os atletas das equipes profissional e de base.

Corinthians: Faz campanhas de conscientização regularmente, geralmente ancoradas em datas comemorativas e outras efemérides, seja por meio dos recursos humanos (público interno), marketing ou comunicação (público externo). Houve publicações em ocasiões como dia - e mês - internacional da Mulher e aniversário da Lei Maria da Penha.

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Fortaleza: Faz acompanhamento diariamente com as categorias maiores da base. Com o futebol feminino os encontros são feitos pontualmente. Organizou palestras sobre doenças sexualmente transmissíveis, formas de prevenção e cuidados com a saúde. Todas categorias do masculino têm encontros com o setor psicossocial para debater a violência contra a mulher e a forma correta de se portar como cidadão. Com as categorias menores, o setor trabalha de forma educativa com os pais. Tem no cronograma de 2024 palestras sobre conscientização sexual, tanto para o futebol feminino como para as categorias inferiores.

Internacional: Segundo Jorge Andrade, diretor de formação e transição, atletas da base assistem a palestras de pautas atuais e relevantes para a educação dos atletas, visto que o clube “acredita na formação não só de um jogador, mas de um ser humano”. A pauta sobre assédio e violência sexual está sendo debatida entre a equipe de assistência social do clube e foi inserida no cronograma de palestras dos meninos para os próximos meses.

Juventude: Vai organizar uma palestra educativa sobre questões sobre a diversidade de gênero e orientação sexual no esporte na próxima terça-feira, com todos os atletas das categorias de base.

Red Bull Bragantino: Diz fomentar a inclusão de profissionais mulheres na rotina dos atletas, com duas coordenadoras, sendo uma da área social e pedagógica, uma psicóloga, uma pedagoga, cinco educadoras sociais, que atuam dentro do alojamento acompanhando a rotina pessoal dos jovens. A área social tem um programa de trabalho chamado “Além das 4 linhas”, que é dividido em quatro eixos: educativo, socialização, identidade e responsabilidade social.

No educativo, existem o projeto Café do Social, que são espaços de diálogos sobre temas da sociedade, exercício da cidadania, como autocuidado, machismo, masculinidade saudável, sexualidade, racismo, entre outros. A palestra educativa acontece bimestralmente, com participação de palestrante especialista, com tema voltado à formação integral. Clube afirma ter metodologia que contempla a “construção coletiva”. “Entendemos que os atletas em formação esportiva são adolescentes em pleno desenvolvimento biopsicossocial, e se faz urgente uma formação integral”, diz o Bragantino.

Santos: Realiza ações constantes para orientações de funcionários e atletas envolvendo a questão. Um novo Código de Ética e Conduta do clube está em fase final de aprovação e contempla o tema.

São Paulo: Tem suas ações concentradas no Departamento de Assistência Social (DASP), e no Programa de Integridade Tricolor (PIT) - iniciativa que faz parte das ações de governança e compliance adotadas na gestão atual. Através destes dois canais, o clube promove uma série de ações educativas e afirmativas, com um cronograma permanente de conversas e palestras ministradas por especialistas no tema. As ações são destinadas a funcionários e atletas, sobretudo com especial atenção às categorias de base, com preocupação de formação de consciência de cidadania em crianças e adolescentes que entram no mundo do futebol com o sonho de se tornarem jogadores.

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Vasco: Tem promovido palestras com atletas do time profissional e trabalha para que a conscientização sobre o tema alcance também crianças e jovens que estão ainda nas categorias de base, por meio do Colégio Vasco da Gama, em São Januário. Nas aulas, Jovens alunos aprendem sobre masculinidade, machismo e são orientados a repreender preconceitos no dia a dia.

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