A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão ligado ao Ministério da Economia, aponta que dez clubes da Série A do Campeonato Brasileiro estão inscritos na Dívida Ativa da União e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O total da dívida, que não inclui os débitos já parcelados com o Governo Federal, soma R$ 718 milhões. O projeto que pretende transformar os clubes em empresas prevê refinanciamento dessas dívidas e também de débitos fiscais.
Há a possibilidade de anistia, que prevê o perdão de grande parte das multas e juros, nas hipóteses de pagamento do valor à vista, que pode ser parcelado em até cinco vezes. Além disso, existe a alternativa de pagamento de uma pequena parcela à vista e a quitação do saldo remanescente com a utilização de créditos fiscais. O Estado consultou os dez clubes devedores. Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro, Avaí e Fortaleza se manifestaram; outros cinco, não.
Os clubes puderam refinanciar as dívidas em 2015 por meio do Profut (Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro). O parcelamento poderia ser feito em até 240 meses, com descontos de 70% das multas e de 40% dos juros. Além disso, eles foram dispensados de pagar os encargos legais. Depois de quatro anos, alguns clubes voltaram a acumular dívidas.
O projeto do relator Pedro Paulo (DEM-RJ), apoiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propõe um novo programa de refinanciamento de dívidas. Desta vez, ele seria restrito aos clubes-empresa. Ao migrarem para o novo modelo, os clubes poderão ingressar em um novo parcelamento, o Refis. A redução seria de 50% dos juros no total de 240 parcelas. As agremiações também podem usar crédito tributário de companhias comuns, caso façam fusões, para o abatimento dessas dívidas com o governo.
Além desse benefício, o projeto propõe que os clubes de futebol tenham condições facilitadas para ingressar com pedidos de recuperação judicial. O acordo precisa ser aceito pelos credores na área cível e na área trabalhista, por exemplo. Vale lembrar que o projeto prevê que os clubes deixem de ser associações sem fins lucrativos e passem a ser sociedades anônimas ou limitadas. É uma mudança na forma de administração. Com isso, eles terão acionistas ou proprietários, que podem ser outras empresas nacionais ou até estrangeiras. A transformação é opcional.
A renegociação das dívidas dos clubes está inserida em um contexto maior: criar segurança jurídica, esportiva e comercial para que investidores se sintam atraídos para investir nos clubes, historicamente comprometidos com gestões deficitárias e acúmulo de dívidas. "Um clube mudar de associação para empresa é fácil e já existe lei para isso. A discussão é como você vai fazer isso com segurança", explica Pedro Daniel, diretor executivo da Ernst&Young, consultoria que participa da análise do projeto de transformação dos clubes em empresa. "Queremos atrair investidores sérios e não só aventureiros."
Ao longo da semana, representantes dos clubes se reuniram com o parlamentar Pedro Paulo e apresentaram uma série de sugestões para modificar a proposta inicial.
ENTRAVE
A questão da tributação continua sendo o principal entrave. Os clubes que optarem pelo novo regime serão tributados pelas mesmas regras das empresas comuns. Para estimular os clubes a se profissionalizar, o projeto oferece um regime transitório de apuração de tributos federais, o Re-Fut, pelo prazo de cinco anos. Segundo esse regime especial, as SAFs (Sociedades Anônima do Futebol) poderão fazer um recolhimento único com alíquota de 5% sobre a receita bruta mensal. Esse pagamento corresponderá aos seguintes tributos: IRPJ, CSL, PIS, COFINS e Contribuição Previdenciária. Ao Estado, o deputado Pedro Paulo prefere não cravar um porcentual. A discussão ainda precisa avançar com o Ministério da Economia e a Receita Federal.
As associações que não quiserem se tornar empresas poderão continuar isentas dos impostos atuais, desde que cumpram uma série de requisitos ligados a boa governança, compliance, transparência e responsabilidade fiscal.
Segundo o advogado especialista em Direito Desportivo Internacional Eduardo Carlezzo, caso a proposta avance, vai transformar profundamente a administração dos clubes. "O formato de empresa demandará imensa responsabilidade dos gestores, pois diferentemente do que ocorre hoje, haverá o risco de falência dos clubes. E certamente alguém irá falir, pois, ainda que não desejável, isto é parte dos riscos da atividade empresarial", disse.
Na opinião do especialista, a possível alteração no formato pode fazer com que as equipes tenham uma gestão mais cuidadosa. "Existem hoje, nas quatro principais divisões do Brasileiro, inúmeros clubes que, analisando-se as receitas anuais e o montante da dívida, chega-se à fácil conclusão de que nunca conseguirão pagar os débitos. Vão empurrar eternamente. Assim, ao tornar-se empresa poderão buscar a recuperação judicial. Se não pagarem as dívidas neste processo, será decretada a falência, o que hoje não é possível no formato de associação", afirmou.
CORINTHIANS E PALMEIRAS SE UNEM
Dos dez clubes listados pela Procuradoria-Geral na Dívida Ativa da Fazenda Nacional, órgão de consultoria jurídica ligado ao Ministério da Economia, apenas dois (Palmeiras e Corinthians) contestaram os números. "O Palmeiras não reconhece a dívida e está discutindo judicialmente", diz nota enviada pelo time alviverde ao Estado.
O clube afirma que "o programa de refinanciamento de dívidas que o Governo oferece aos clubes no projeto de lei proposto não é um fator que o Palmeiras levará em consideração para estudar a possibilidade de se tornar empresa".
Por fim, enumera as condições que considera importantes para a transformação dos clubes em empresas. "O Palmeiras entende que a melhor forma de incentivar os clubes a se tornarem empresas e atraírem investidores é a criação de um ambiente juridicamente seguro para empresas dentro do mercado esportivo, com regras fortes de governança corporativa e um regime fiscal diferenciado e descomplicado para quem optar por realizar a migração".
O Corinthians afirma que se considera isento de impostos por ainda ser uma associação e nega ter essa dívida. "A agremiação é isenta do pagamento dos seguintes tributos da União: IRPJ, CSLL, PIS e Cofins", diz em nota. Para justificar, o clube cita o êxito de outros clubes, como Athletico-PR e São Paulo, em cobranças dessa natureza.
"Entendimento similar ao do clube extinguiu cobrança da União contra o Athletico Paranaense, depois de decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em 2018. Recentemente, o CARF julgou procedente a isenção dos mesmos tributos do São Paulo. O clube continua buscando garantir seu direito à isenção e confia que alcançará o mesmo desfecho favorável obtidos por outras agremiações."
ENTREVISTA
Pedro Paulo, deputado federal (DEM-RJ) e relator do projeto clube-empresa
Haverá perdão das dívidas?
Não tem perdão para dívidas. Queremos abrir uma frente de negociação e a rediscussão da dívida só para aqueles clubes que virarem empresas. Isso não é perdão. É construir acordo entre credor e devedor que seja bom para todos, também para a sociedade. Todos os países que avançaram no futebol fizeram o refinanciamento das dívidas. Isso faz parte do universo empresarial e pode também fazer parte do universo dos clubes. A diferença é que não vai ser aberto para a agremiação que permanecer como associação. Isso já foi feito cinco vezes e não deu certo.
Quais sãos os pontos centrais do projeto? Os clubes precisam virar a chave para um ambiente profissional, entrando em um universo empresarial. Queremos criar um ambiente seguro para atrair investidores. Outro ponto importante é tratar a questão do endividamento. Outro destaque é que não abriremos renegociação de dívida com aqueles clubes que permanecerem como associações civis sem fins lucrativos. O terceiro ponto é calibrar o regime tributário, encontrar alguma solução que facilite a tributação. Uma corrente quer uma equiparação tributária; outra corrente quer tributação das empresas não seja uma tributação normal, por causa no nível de endividamento dos clubes. Estamos aprofundando os estudos sobre esse ponto.
A tributação é ponto de maior divergência? Sim. Uma corrente quer uma equiparação tributária; outra corrente quer tributação das empresas que não seja uma tributação normal, por causa no nível de endividamento dos clubes e da tentativa de atrair investimentos. Mas as conversas estão evoluindo bem.
Quais são os próximos passos? Com o avanço das discussões, nós acreditamos que o projeto esteja maduro para discussão no plenário da Câmara dos Deputados dentro de algumas semanas.
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