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Um ano após a morte de Pelé, Edinho exalta o legado antirracista do pai e revela ameaças da ditadura

Ex-goleiro e técnico rebate eventuais críticas de setores do movimento negro e relembra situação antes da Copa do Mundo de 1970

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Por Gilvan Ribeiro
Atualização:
Foto: Divulgação/Assessoria Edinho
Entrevista comEdinhoEx-jogador e técnico

No aniversário de um ano da morte de Pelé, ocorrida em 29 de dezembro de 2022, o ex-goleiro e técnico Edinho defende o legado do pai na luta antirracista no Brasil e no mundo. Ele ressalta que sua genialidade e o consequente reconhecimento como Rei do futebol elevaram os negros a um outro patamar. Em face da popularidade do esporte mais praticado no planeta, os seus feitos teriam uma repercussão jamais alcançada por outros afrodescendentes de sucesso até então. “A associação do negro com a excelência era uma coisa que não existia. Era um sub-humano, um humano de segunda classe, que jamais poderia atingir grandeza, excelência em qualquer campo. E ele mostrou o contrário, que o negro tem todo o potencial. Não só tem, como ele se tornou a maior referência do esporte no século. Essa contribuição é difícil de igualar”, afirma.

Edinho rebate eventuais críticas de setores do movimento negro, que cobravam maior engajamento de Pelé na luta contra o preconceito racial, frequentemente comparando-o ao pugilista Muhammad Ali, um ativista declarado. Para ele, é preciso levar em conta as circunstâncias sociais e políticas de cada um e o contexto histórico. “O Pelé viveu numa época de ditadura no Brasil, numa realidade completamente diferente”, argumenta. Para enfatizar, Edinho lembra que a repressão do regime militar deixou mortos e “desaparecidos” - e que seu pai não passou ileso.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Edinho revela que agentes da ditadura chegaram a ir à casa de Pelé, durante uma das viagens dele pelo Santos, para ameaçar diretamente a então mulher, Rosemeri, e deixar um “recado” para o craque, conforme sua própria mãe lhe contou. De acordo com o filho, na ocasião, Pelé cogitava não disputar a Copa de 1970, no México, em face das decepções nas duas anteriores - em 1962, apesar da conquista do bicampeonato, ele se machucou logo na segunda partida, contra a Tchecoslováquia; e em 1966, quando a seleção fracassou. Por isso, para afastar qualquer dúvida, foi advertido de que teria de disputar o Mundial seguinte.

Condenado a 33 anos de prisão por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, pena depois reduzida para 12 anos e 11 meses, Edinho obteve progressão para o regime aberto em 2019. Chegou a ficar detido por quatro meses no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes e depois permaneceu preso na penitenciária 2 de Tremembé. Ao todo, passou quase três anos e meio atrás das grades, período entremeado por algumas saídas por força de habeas corpus. Um duro trauma em sua vida provocado pela amizade com Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas, o Naldinho, apontado como cabeça do tráfico de drogas na Baixada Santista. A relação se estabeleceu por Naldinho ser filho do ex-jogador Pitico, que atuou com Pelé nos anos 1960 e 1970, no Santos e no Cosmos.

Edinho não se conforma com a punição e quer convencer a opinião pública de sua inocência. Já admitiu que fumava maconha, mas até hoje segue assegurando enfaticamente que jamais se envolveu com tráfico de drogas ou lavagem de dinheiro. Considera que pagou tão caro pela visibilidade de ser filho de Pelé. E lamenta que a prisão tenha atrapalhado sua carreira como treinador, trajetória que pretende prosseguir, após breves passagens por Mogi Mirim, Água Santa, Tricordiano, Santos sub-23 e Londrina (sub-20 e profissional).

O filho do Rei acredita que pode contribuir como técnico para o País superar a defasagem tática em relação aos rivais internacionais e retomar seus dias de glória. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com Edinho.

Pelé já sofreu críticas por ter evitado se envolver na discussão do preconceito racial, sendo comparado a Muhammad Ali, por exemplo, que levantava essa bandeira nos EUA. Já a sua irmã Kelly assume a condição de ativista antirracista. Como você se posiciona?

A comparação com o Muhammad Ali é frágil, como seria também com o Nelson Mandela, porque o Pelé teve a sua história, a sua trajetória, a sua experiência, e esses outros seres humanos também tiveram as suas em lugares do mundo completamente distintos, um na África, um na América e meu pai aqui no Brasil. Então ele nunca teve esse lado militante, como minha irmã hoje. Ela vive numa era diferente, que tem caminhos mais claros e mais seguros para se expressar. O Pelé viveu numa época de ditadura. Ele teve de ter coragem para ser o que foi, com dignidade, hombridade e serenidade. As pessoas desapareciam nessa época, sumiam da face da Terra. Quem levantava a mão eventualmente acabava ficando sem a mão, e ele, mesmo assim, sempre com a cabeça erguida. Sempre representando o negro, sendo um representante do negro que o mundo inteiro tinha como referência, como inspiração. O mundo inteiro podia olhar e falar: “Tem um rei preto lá no Brasil! Então, se tem um rei preto lá, eu posso ser um rei preto”. Todos os negros se sentiam representados por ele. Para mim, historicamente, isso vai ser um legado muito mais importante em se falando da luta do negro na humanidade do que ele possa ser cobrado no sentido prático, momentâneo. A sua história de vida foi a grande contribuição que ele fez pra humanidade, para o negro da Terra. Não é fácil saber se conduzir, saber entrar e sair, saber ser idolatrado e representar o país que muitas vezes não o tratou com respeito.

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De que forma ele foi desrespeitado no Brasil?

Minha mãe conta que houve uma dúvida se ele ia participar ou não da Copa de 70. Ele estava um pouco desiludido diante da última Copa em que se lesionou (1962) e da outra que não foi um sucesso (1966). Enfim, ele ponderou não participar. E em determinado momento, minha mãe falou que ele estava viajando e chegaram em casa dois homens de preto, entraram e falaram: “Olha, é o seguinte: melhor teu marido considerar, é bom ele jogar essa Copa, vai ser bom para vocês, vai ser bom para ele...” Isso mais de uma vez... e cartas anônimas. Embora o mundo já o reverenciasse como rei, no país dele era mais um preto que estava a comando do interesse do Estado ali do momento, que tinha ele como o grande garoto-propaganda.

Como o racismo surgiu na sua vida?

Eu cresci num país extremamente preconceituoso (os EUA), racista de fato, e vivi muito isso na pele. Mas tive uma experiência muito peculiar também, porque eu sou filho de pai negro e mãe branca. Então essa questão de raça, de distinção de cor de pele, eu só tive depois que comecei a andar na rua, a sair e conviver na sociedade. À medida que eu comecei a ser exposto para o mundo, a ir pra escola, passei a perceber que eu era visto de forma diferente pelo negro e pelo branco. Também tive que me encontrar, descobrir o lugar ao qual eu pertenço, de que tribo eu sou. Porque é uma coisa muito curiosa essa de seres humanos misturados, como eu. Muitos entendem isso como uma vantagem, mas, curiosamente, em vez de pertencer aos dois grupos, a gente acaba não pertencendo a grupo nenhum.

De que forma você lidou com isso?

A minha trajetória pessoal foi mais voltada a sobreviver, a viver um dia após o outro. A minha personalidade foi desenvolvida... me adaptei... fui adotado por um contexto rebelde ali de Nova York, adolescente, vivendo nas quadras dos parques, e ali me associei, me identifiquei com aquele que era parecido comigo, que era o negro, o latino, o porto-riquenho, o cubano, a turma ali do Harlem, do Bronx. Essa era a minha turma, e era uma turma rebelde, porque era uma turma oprimida. Precisamos entender o contexto: nos anos 70 e 80, Nova York era uma cidade barra-pesada, dominada pela corrupção policial, governamental, a capital do crime. Então eu cresci nesse caldeirão, também extremamente rico culturalmente, musicalmente, na arte. O hip hop nasceu nessa época, o grafite, uma série de expressões culturais riquíssimas que hoje dominam o mundo inteiro nasceram ali onde eu vivia, onde eu andava.

Filho de Pelé, Edinho comenta sobre o aniversário da morte do pai Foto: Divulgação / Assessoria Edinho

Como essa experiência o influenciou?

O ser humano tem o anseio de pertencer, de fazer parte de alguma coisa, de uma tribo, de um grupo, isso é instintivo da nossa sobrevivência. Nós somos seres que vivemos em contextos sociais e precisamos buscar essa identidade, buscar essa raiz, e eu não tinha. Eu era distante da minha família aqui no Brasil, nunca tive contato... Com meus pais separados, já muito cedo eu saí de casa, então não tinha mais muito contato com a minha mãe também. Então é isso, para conhecer o Edinho tem que entender de onde o Edinho vem, como o Edinho foi cultivado na vida. E não é nada extraordinário, na verdade é muito comum naquele contexto, naquela era, naquele lugar do mundo. Só que é muito diferente do que as pessoas imaginam do filho do Pelé, é onde existe essa grande divergência do que as pessoas imaginam e da realidade que foi a minha vida.

Quais as lembranças que você traz do seu pai, ou da ausência dele, durante a infância?

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Eu tenho lembranças vagas de quando mudamos aos EUA e o acompanhava aos sábados nos treinos no Giants Stadium, estádio do time de futebol americano New York Giants, em que jogava o Cosmos. Lembro que ficava pegando no pé dele pra gente chegar cedo porque o Giants treinava no período anterior ao do Cosmos. Então, a gente pegava o final do treino, já em um momento mais descontraído, os jogadores no campo, aqueles gigantes... É surreal ver aqueles caras de perto e jogar bola, interagir com eles, e ao mesmo tempo havia os craques do Cosmos, o Beckenbauer, o Carlos Alberto, uma série de estrelas brilhantes do futebol mundial. Essas memórias são marcantes. Nessa sequência, tem o jogo de despedida dele do Cosmos, em amistoso contra o Santos. Foi um dia que me marcou porque, depois de três anos que ele jogou lá, a única imagem que tinha dele jogando era no Cosmos. O Santos era uma coisa que ainda desconhecia, não tinha memória, não tinha imagem, não tinha nada. Era o Cosmos só. Eu tinha sete anos e, quando ele vestiu a camisa 10 do Santos, comecei a chorar: “Não, não, por que ele não está jogando no nosso time?”. Aí a minha mãe explicou que era o time do papai no Brasil, e tal, então isso foi marcante. O jogo também foi incrível, ele fez gol de falta e todo mundo o abraçou, enfim, é outra memória forte, muito rica que tenho.

Depois disso, começou o período de afastamento?

A partir dali, só distância e saudade. E algumas decepções. A gente se via em alguns aniversários. Mas houve muitos cancelamentos em cima da hora também, né? Estava marcado, tal, eu me arrumando já, ou arrumado, pronto pra sair, chegava o comunicado da secretária dele: “O seu pai disse que não vai poder chegar e tal...”. Já teve muitas dessas também, algo natural de um filho de pais separados. Então é isso, houve uma aproximação forte depois que voltei para o Brasil, principalmente pautada no futebol.

Como ele reagiu quando você teve problemas com a Justiça e chegou a ser preso?

Ele sempre esteve ao meu lado, sempre me apoiando em todos os sentidos possíveis e impossíveis. Logicamente foi pego de surpresa, inclusive com coletivas de imprensa que foram traiçoeiramente elaboradas para o expor, mas aí, a partir desse primeiro momento, quando ele conseguiu ter um posicionamento meu do que estava acontecendo, ele fechou comigo e falou: “Não, filho, o que precisar... vamos lutar contra isso.”

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Esse episódio serviu para aproximar vocês dois? Ele pôde ser pai de uma maneira que não tinha sido na sua infância?

Sim, mas a gente já estava muito próximo, né? Eu tinha 35 anos quando isso aconteceu, então já tinha a minha carreira (como goleiro), minha pós-carreira, já havia tido muitos episódios e muitas vivências, justamente por isso que ele me prestou 100% do seu apoio.

Enquanto esteve preso, que pensamentos passavam por sua cabeça?

Nossa, cara, muita coisa, muita coisa... depende de qual aspecto que a gente pode ponderar. Em relação ao processo, uma grave injustiça. Infelizmente, sofri uma injustiça absurda, mas precisava internalizar tudo isso e assimilar, entender... E uma coisa que a vida me deu é resiliência. A minha criação, os meus amigos, o contexto onde cresci me mostraram o que o ser humano é capaz de suportar e superar. Assim, tenho uma permanente atitude positiva para a vida e visão otimista para tudo. Mas também era fundamental, emocionalmente, distinguir a culpa da responsabilidade. Obviamente, sou inocente, até hoje não tem uma configuração de evidência de alguma coisa que fiz criminosa, não existe. E isso é uma coisa que me deixa perplexo, como isso não é mais falado, questionado. Até hoje não se descreve um ato criminoso que o Edinho cometeu, todo mundo fala da prisão, todo mundo fala da condenação, mas ninguém pergunta do ato, qual foi exatamente o fato. Porém, pra mim, foi fundamental entender que eu, sim, era responsável pela minha conduta. Foi uma questão de amizades que mantive que me proporcionaram um cenário onde caí numa armadilha, onde virei alvo de um ataque.

Era uma amizade de infância, certo?

Não era diretamente de infância, mas tinha uma ligação desde a minha infância, dos nossos pais na verdade, era uma ligação de família, mas, independentemente disso, é muito mais relacionado à minha dinâmica de vida, à minha história e onde cresci, ao perfil do meu universo, da minha adolescência.

Você e o Naldinho saíam juntos à noite, a relação se dava por aí?

Não, ao contrário, a gente nunca saía junto. Eu nunca fui de sair, a nossa convivência era sempre dentro de casa, perto das famílias, com as crianças, assistindo jogo, enfim... Então não tinha nada disso, infelizmente tudo o que se veiculou, tudo que se expôs era mentira, uma montagem de mídia, da própria investigação.

Mas por essa relação familiar seria natural que ele pedisse sua ajuda para investimentos, por exemplo, caso tivesse conhecimento do mercado financeiro. Houve alguma tentativa nesse sentido?

Não, eu não sou nenhum tipo de especialista em mercado financeiro, de jeito nenhum, não houve nada disso. Ele era muito mais “safo” comercialmente do que eu. Isso que preciso que fique claro: eu não fiz nada de errado, não existe nenhum motivo que justifique eu ser preso. É fundamental entender isso para as pessoas verem o tamanho do absurdo que passei, que passo. É só olhar minha história, sou atleta, só isso que sei fazer, a única questão é que existia uma amizade. Diante da visão de muitas pessoas, posso ter sido imprudente: “pô, não devia ter uma amizade tão íntima com uma pessoa... e tal”. Concordo, entendo que essa imprudência criou um cenário que permitiu que eu caísse numa armadilha, que chegasse próximo de um mundo podre e acabei tendo um alvo nas minhas costas pelo meu nome, pelo parentesco. Se eu não fosse filho do Pelé, eu não seria um alvo porque não estava fazendo nada.

Ser filho do Pelé tem um peso gigantesco. O Raí sofreu bastante no início da carreira devido às comparações com o irmão Sócrates, por exemplo. Mas, em relação ao Pelé, a dimensão é muito maior. Vale lembrar que o seu tio Zoca suportou menos de dois anos como jogador do Santos. Como você lida com essa pressão desumana?

Você citou o exemplo do Raí e do meu tio Zoca. Com certeza acho que é mais difícil ser irmão do que filho. Porque eles eram contemporâneos, então a comparação era mais latente. Acho que essa distância geracional já é um aspecto importante. E e o segundo aspecto é que não cresci filho do Pelé. A minha realidade de vida do zero aos 20 anos era alheia a essa realidade. Então a minha cabeça era mais feita, mais centrada em relação a isso. O meu sonho de ser atleta era independente disso. Desde que respiro o ar, que eu lembro da vida, eu sonhava em ser atleta. É claro que a influência vem de ver o meu pai como atleta, ainda criança, mas depois, quando comecei a crescer e a evoluir na vida, apenas era a paixão pelo esporte. Inclusive nem era futebol, o meu sonho era ser jogador de beisebol e de basquete. O futebol foi o destino que falou mais alto. E jamais tentei fugir de uma comparação, da responsabilidade, por exemplo, virando goleiro. Muitos indagavam: “Mas ele foi ser goleiro para não ser comparado com o pai?”. Não, eu não pensava nisso.

Não foi uma tentativa inconsciente de se proteger?

Não, de jeito nenhum! Fui goleiro por um sentido muito prático, da minha formação mecânica no esporte. Joguei hóquei no gelo, beisebol, basquete, futebol americano... Então tinha o arrojo do futebol americano, não tinha medo de tomar chute, de dividir bola. Os movimentos de defesa do beisebol são parecidos com os das bolas frontais do goleiro, uma bola que não pode passar pelo meio das pernas, e algumas técnicas que a gente usa no gol são muito parecidas com as do beisebol. Eu joguei hóquei no gelo, mas no primeiro ano também fui goleiro porque ainda não patinava muito bem, e o goleiro é mais estático, só reage. Por fim, o basquete, que me deu impulsão, tato com as mãos. Cresci em Nova York jogando basquete na escola e nas esquinas, nas ruas, e sempre era o menor da quadra. Os moleques eram todos gigantes, e eu já tinha me adaptado a ser o menor. Então, quando fui para o gol, era pequeno para ser goleiro mesmo, mas não percebia isso (Edinho tem 1,78m de altura). Eu não sentia isso porque já estava acostumado a esse desafio, era natural isso para mim, nunca me inibi por causa disso.

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E como foi a decisão de se tornar treinador?

No meu tempo, a gente tinha uma visão clara de que o jogador era o herói, e os vilões eram os dirigentes e os empresários. Quando parei, jurava que não seria treinador, porque o treinador era ‘o chato’, né? Mas queria proteger o atleta, que era explorado. Aí surgiu a oportunidade de me tornar empresário com o Shep Messing, goleiro do Cosmos e que jogou com o meu pai. Ele e o irmão, um advogado de Harvard, tinham um projeto de uma rede de agências de representantes de atletas. Era um projeto bacana e chegamos a realizar esse trabalho por um ano. Mas, infelizmente, diante dessa experiência, o que percebi é que não era bem como imaginava. O ser humano é complicado, e o atleta também tinha as suas falhas, a falta de lealdade, de transparência, de profissionalismo. Assinava com um empresário, assinava com outro, não tinha comprometimento, não cumpria a palavra. Eu vi que não era ali que iria conseguir fazer a diferença. Então parei, dei uma refletida, e me fiz a pergunta: qual é a figura mais influente no cenário do futebol? E para mim foi clara essa resposta: o treinador. Tinha as experiências com o Luxemburgo, Leão, Muricy, e outros grandes treinadores que chegavam e o presidente dava a chave do clube e falava “faz o que você quiser!”. Então pensei: essa é a figura que vai fazer uma diferença. Esse é o posto que preciso alcançar para ter um impacto. E nesse posto consigo atingir o atleta, estar relacionado com a direção, com a parte administrativa, executiva e alcançar notoriedade. Aí tenho um espaço, uma voz, um palanque para me expressar, me manifestar em relação a tudo o que penso do jogo e da indústria do futebol.

Você planeja prosseguir com a carreira de técnico?

Sem dúvida, essa é a minha profissão, estou há 15 anos nessa... É uma coisa um pouco frustrante porque estou tendo com frequência de ratificar o que faço, muita gente pergunta, muita gente sugere que seja presidente do Santos, dirigente, e insisto: eu sou técnico e é dessa forma que considero que tenho uma missão para com o futebol brasileiro. Vivemos um momento difícil, eu descrevo um estado de enfermidade que vive o nosso futebol, e depois que parei de jogar, sempre tive essa vontade de retribuir, de corrigir o que está errado. O que me motiva é poder ser um revolucionário. Fico perplexo e até triste de entender que nós somos o país do futebol, mas não somos referência em todos os aspectos, apenas no talento individual do jogador. Essa evolução é que vou buscar para a figura do treinador. Obviamente, pegar uma corda que vem sendo puxada já por muitos profissionais, mas cumprir agora a minha parte e fazer essa transição para o mundo moderno, para o momento atual do futebol mundial. É um desafio, o futebol no nosso país tem muitas coisas que precisam evoluir e melhorar. Parece loucura, mas acho que tenho credenciamento para isso, sangue e legado para isso, e estou inspirado.

Qual o impacto de o Santos, o time do Pelé, ter sido rebaixado?

O sentimento em relação à queda do Santos é de tristeza, uma grande decepção, e muita raiva porque era uma coisa prevista. Essa última gestão foi muito infeliz e sofrida desde o primeiro momento, principalmente nos Estaduais. A gente já estava namorando com a A2 do Paulista, nem pensava em se classificar para as últimas fases, só brigava para não cair, e no Brasileiro foi piorando a cada temporada até esse fatídico último ano da gestão. Foi algo anunciado. Em relação ao meu pai, só posso imaginar que ele ia ficar decepcionado, bastante chateado com essa mancha na história do clube. Mas ele sempre foi sereno, muito centrado, acho que ia encarar com naturalidade, mas da mesma forma que todo santista, com muita tristeza. Para o time voltar a ser grande, além de uma gestão profissional, precisamos também resgatar as tradições. O clube precisa ter alma novamente, eu digo internamente ali no dia a dia. A chegada de um atleta no Santos tem que ser uma ocasião importante na vida dele e na do clube. Está banalizada a forma que o atleta vem, que o atleta vai, que o atleta vira jogador do Santos. Cada ato precisa voltar a ser importante, cada decisão tomada tem de ser um gesto que alude à sua grandeza e que preserva e respeita essa história. É uma coisa muito profunda, muito sensível e que não se faz e não se corrige de um dia para o outro, infelizmente. A essência do futebol brasileiro é política, então vai na contramão do empreendedorismo e do profissionalismo.

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