No esplêndido isolamento das redações às vezes decidimos o que é bom para o
povo e o que não é. E nem sempre ele, o povo, se mostra de acordo conosco. É
o que acontece com o tema dos campeonatos estaduais. Tidos como superados,
fora de moda no mundo global, continuam a ser a paixão (ou pelo menos uma
delas) das torcidas. Para comprovar essa tese, na prática, bastaria estar
domingo na arquibancada de um estádio qualquer deste país e sentir a festa
que fizeram as torcidas do Santos, Botafogo, Grêmio, Paysandu e as de outros
tantos campeões estaduais pelo Brasil afora. Enfim, se depender da torcida,
os campeonatos regionais têm longa vida pela frente. Deveríamos ouvir mais a
torcida - ela é a verdadeira opinião pública do futebol.
E, de fato, este é um grande e variado país, com sua unidade mas também com
as particularidades de cada região. Cada uma delas merece a oportunidade de
exprimir sua originalidade, mesmo neste mundo que às vezes parece caminhar
para a mesmice. Pois bem, no futebol, uma das maneiras de manter viva a
diversidade é pelo cultivo das rivalidades regionais. Pergunte a um
palmeirense se ele prefere ganhar do Paraná Clube ou do Corinthians.
Pergunte a um gremista se o seu alvo de preferência é o Internacional ou
outro clube qualquer. Pergunte a um flamenguista se existe coisa melhor no
mundo do que ganhar do Vasco. E assim por diante. A rivalidade local - desde
que não degenere em violência - é a base do futebol de competição.
Por isso foi tão importante para o Santos quebrar esse jejum de 21 anos,
apesar de a torcida peixeira andar abastecida de títulos nos últimos tempos,
com os Brasileiros de 2002 e 2004. Mas faltava vencer de novo no Paulistão.
Afinal, foi pelas vitórias seguidas nesse campeonato - oito títulos em dez
disputados - que o Santos de Pelé & Cia firmou sua hegemonia na década de
60. Quer dizer, o Campeonato Paulista faz parte da história do clube, aliás
das melhores páginas dessa história. E quem esteve domingo na Vila Belmiro
sentiu como essa taça era desejada pela galera.
Por falar em taça, cabe um elogio à Federação Paulista. Andei criticando a
organização do campeonato, primeiro pelo sistema de pontos corridos de um
turno só, que não parece mesmo bom. Segundo, pelo nível da arbitragem, que
deixou muito a desejar. Mas há que reconhecer quando alguém, ou alguma
instituição, acerta. E aquela idéia de levar a taça de helicóptero ao
campeão foi mesmo muito boa. Acho que quem estava na Vila não vai esquecer
nunca mais o momento em que o helicóptero que trazia o troféu chegou ao
estádio, uns 15 minutos depois de terminado o jogo com a Portuguesa. Foi
muito emocionante. E o futebol, com todo o potencial que tem de às vezes nos
irritar, deve ser cultivado naquilo que possui de melhor - a festa, a
alegria, a confraternização.
De resto, esse Paulistão apresentou muita coisa digna de ser guardada: uma
revelação como Thiago, do São Paulo, e a grande fase de um atacante como
Nilmar, do Corinthians. Será que Parreira vai se lembrar dele dia 15 de maio
ou Nilmar ficará de fora pelo simples (e grave) pecado de ser um jogador em
atividade no Brasil? De Maldonado, já sabíamos que era bom desde quando
passou pelo São Paulo e Cruzeiro. Parece que ficou ainda melhor. Foi, na
minha opinião, o principal jogador deste Santos campeão, aquele que deu
proteção à defesa e estabilidade ao meio-de-campo. A âncora do time.
Mas talvez seja até injusto destacar um nome apenas em equipe tão solidária.
Dizer que Luxemburgo foi decisivo já é chover no molhado. O fato é que soube
valorizar o conjunto dos atletas mais do que as individualidades. Como no
Brasil temos justificada devoção pelo espetáculo, tantos e tão grandes foram
e são os nossos artistas da bola, muitas vezes nem atentamos para o fato de
que o futebol é esporte coletivo. E que, nesse esporte, nem sempre vence
aquele que conta com as melhores individualidades. Não é raro que a parte
técnica seja compensada pelo espírito guerreiro do conjunto. E esse o Santos
teve de sobra. Parabéns.