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Sumô feminino ganha espaço e se torna um caminho para ‘romper preconceitos’ no Brasil

Na vertente profissional do esporte, ligado há mais de 1.500 anos ao xintoísmo japonês, participação de mulheres é proibida porque os praticantes dessa religião as consideram impuras

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Por Rodrigo Almonacid/AFP

Há quem questione suas habilidades como lutadoras de sumô por serem mulheres e não “gordas”. Longe de se encolherem, Valéria e Diana Dall’Olio transformam preconceitos em combustível ao subir ao dojo de saibro em São Paulo, local onde as lutas são feitas. Sentadas em um banco de madeira com outras lutadoras de diferentes idades e tamanhos, em um ginásio público da capital paulista, mãe e filha aguardam o anúncio para lutar em um esporte tradicionalmente associado a asiáticos obesos e homens, apenas vestidos com tangas grossas.

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Em sua vertente profissional, ligada há mais de 1.500 anos ao xintoísmo japonês, a participação de mulheres é proibida porque os praticantes dessa religião as consideram impuras ou que trazem má sorte.

“Há um preconceito grande. Às vezes, quando eu falava que pratico sumô, as pessoas achavam que eu tinha que ser gorda. Na luta marcial já tem esse olho em cima da mulher, geralmente são homens que acabam lutando mais, as mulheres não têm muito espaço”, diz Valéria, de 39 anos.

Desde criança, ela experimentou judô e jiu-jitsu, duas modalidades populares no Brasil que ainda pratica, mas em 2016 se apaixonou pelas lutas “muito dinâmicas” do sumô, trazido ao país pela migração japonesa no início do século 20 e que consiste em jogar o adversário no chão ou retirá-lo da área circular do ringue.

“Mais batalhadoras”

Valéria rapidamente mostrou seu valor no esporte pelo qual é apaixonada, que tem campeonatos mundiais femininos desde 2001, com a esperança de um dia se tornar um esporte olímpico. Por enquanto, já conquistou três títulos brasileiros (2018, 2019 e 2021) e o título sul-americano de peso-médio em 2021 (entre 65 e 73 quilos).

Luciana Watanabe em ação durante competição de sumô em São Paulo  Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

“Tento conciliar tudo na minha vida, tanto o serviço como as tarefas de dona de casa, mãe de dois filhos. Então, acabo tendo um tempo mais curto. Por isso é que para nós, mulheres, é uma vitória mesmo. Até acho que quando comparam a mulher com um homem para a luta, nós somos mais batalhadoras do que um homem que às vezes não tem tantas tarefas como a mulher no dia a dia”, diz.

Diana, sua filha de 18 anos, nunca se interessou por luta livre até se sentir atraída pela velocidade do sumô, cujas lutas duram pouco mais de 30 segundos e nas quais é possível derrotar um adversário maior com força, estratégia e muita técnica.

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Ela vestiu o ‘mawashi’, como é conhecida a faixa que cobre as partes íntimas, pela primeira vez em 2019, e agora compete no peso leve - até 65 quilos -, a menor das três categorias do sumô amador feminino junto com médio e pesado (mais de 80kg).

Além de ser fechado às mulheres, que antes eram até proibidas de tocar nos lutadores ou entrar no dojo, o sumô profissional tem uma divisão única que só admite homens acima de 75 quilos e 1,73 metro de altura. “Dá para sentir (o preconceito), porque muitos dizem que a mulher é frágil, que não aguenta, que se ela se machucar não vai lutar mais. Sempre tem isso, e não só no sumô, mas em qualquer outro lugar”, diz Diana. “Mas a gente aprende a lutar contra isso também. Minha geração está se levantando”

Inspiração

De cabelos grisalhos e fala pausada, Oscar Morio Tsuchiya, presidente da Confederação Brasileira de Sumô, atribui o recente crescimento da modalidade no Brasil, uma das potências da América Latina, à presença das mulheres. Ele calcula que são metade dos 600 lutadores do País, concentrados nos Estados de São Paulo, Rio, Paraná e Rio Grande do Sul.

“Tivemos esse problema de que no rito xintoísta a mulher não podia nem subir na arena, no ringue. Então, muitos dos tradicionalistas se horrorizaram com isso. A mulher tem de subir é para lutar. Mas com a criação da divisão leve, média e pesado para ser um esporte olímpico, essas barreiras foram quebradas”, garante.

Lutadores de sumô durante qualificatória para o Campeonato Sul-Americano da modalidade Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

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No ginásio paulista, as Dall’Olio sacodem a terra depois de um dia sem muitas vitórias. Diana venceu uma de suas três lutas e Valéria perdeu seu único combate entre as pesos médio contra Luciana Watanabe, 18 vezes campeã brasileira e bicampeã mundial (2013 e 2017).

Destaque do sumô brasileiro, Luciana, de 37 anos, compartilha seu conhecimento e paixão sobre a modalidade com crianças em Suzano, a 50 quilômetros de São Paulo. “Normalmente quem dá aula são homens, então eu acho que eles se inspiram em mim, porque mostro os meus títulos, como foi minha vida, o que o sumô trouxe para mim”, diz ela. “A gente está começando a aumentar e ampliar, acho que o sumô feminino ainda tem muito que crescer. Minha ideia é quebrar preconceitos mesmo, que as pessoas comecem a respeitar mais o esporte, porque tem muita gente que acha que é só coisa de homens. As pessoas acham que é só para uma pessoa gorda, mas não é também. Todo mundo pode participar”.

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