Brasileiro ganha ‘salário de McDonalds’ no tênis e defende mudanças: ‘Dinheiro entra e vai embora’

Karue Sell vê distribuição injusta de valores no circuito da ATP e fala sobre gastos para manter carreira profissional: ‘O dinheiro entra e já sai’

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Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

O tenista Karue Sell voltou para o circuito da ATP neste ano, aos 30 anos, para se dar uma nova chance e buscar o melhor ranking da carreira, enquanto registra a jornada em vídeo para os 146 mil seguidores que tem em seu canal do YouTube, e o objetivo já foi concluído.

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Poucos meses antes de deixar os torneios profissionais para se dedicar ao tênis universitário nos Estados Unidos - e posteriormente à carreira de rebatedor -, teve o 371º lugar como melhor colocação, em 2018. Hoje, é o número 262 do mundo.

Ao entrar no top 300, em setembro, o catarinense de Jaraguá do Sul celebrou, mas fez uma reflexão nas redes sociais, ao comentar que ganharia mais trabalhando no McDonald’s do que com a premiação paga pela ATP. Durante a trajetória de escalada no ranking, ganhou pouco mais de US$ 30 mil (R$ 170,32 mil), valor que mal entrou na conta e já saiu para bancar os gastos de competir profissionalmente.

Karue Sell voltou a se arriscar no circuito profissional aos 30 anos. Foto: João Pires/Instituto Sports

“Quando eu entrei no site, olhei a colocação: 300. Aí, olhei o ‘prize money’ e dei risada. Era US$ 25 mil. Quem é brasileiro faz a conta pensando que é bastante coisa. Mas não é nada. Primeiro que não é esse valor total. Tem imposto, os torneios já tiram imposto quando te pagam, dependendo. Já é 25% que vai embora. Aquilo ali não paga nem metade das viagens. O dinheiro entra e vai embora. Às vezes você ganha US$ 4 mil na semana, sai no verde, mas está sempre comprando o próximo voo, etc…”, afirma ao Estadão.

Karue não depende das premiações para se manter porque tem no canal do YouTube seu sustento, inclusive com patrocínios adquiridos por causa do trabalho realizado na plataforma. Ao questionar os valores pagos à zona intermediária do ranking, está pensando no esporte de maneira geral e em outros colegas tenistas que têm dificuldade para se manter no circuito.

“Quando eu fiz o comentário, nem pensei muito nisso. Eu botei McDonald’s e meio que por isso deu uma viralizada. Eu penso mais nos meus companheiros de trabalho. Eu não estou com esse problema, porque faço meu trabalho online, tenho patrocínio, consigo me virar”, comenta.

O principal ponto defendido pelo brasileiro é que o atual momento exige que se faça justiça à evolução do tênis a partir de maior recompensa financeira para os atletas. Em sua avaliação, a diferença técnica daqueles que estão nas últimas posições do top 100 para o integrantes do top 300 está longe de ser discrepante, o que prova o alto nível em que o esporte é praticado hoje em dia.

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“Jogadores que foram top 100, caíram no ranking um pouco, jogando Challengers e não ganhando. O nível está muito alto. De 65 a 300 é muito parecido. Pode ver os brasileiros, o Thiago Monteiro e o Wild, que misturam Challengers e ATPS. Eles não ganham todos os Challengers, eles perdem. Está muito nivelado. Infelizmente, a parte financeira não está“, afirma.

“Não estou dizendo que os 200, 300 do mundo têm de ganhar milhões. Não é isso. Eu acho que se você é 200, 300 do mundo no seu esporte, um esporte que é tão popular e gera tanto dinheiro, tem como pagar um pouco mais. Nos Grand Slams que geram US$ 300 milhões em duas semanas, porque no quali já não paga US$ 100 mil, US$ 80 mil na 1ª rodada? Só aí 240 jogadores vão conseguir estar se bancando”, conclui.

Os tenistas que não têm a mesma ferramenta que Karue para financiar as participações no circuito profissional acabam disputando torneios periféricos, com os interclubes, especialmente na Europa. São competições divididas em diversas divisões, nas quais os atletas se vinculam a clubes para representá-los e conseguem ganhar algum dinheiro.

“Eles têm de achar maneiras de se bancar, o mais comum é jogar interclubes, na Alemanha, na Itália. Joga um jogo por semana na Europa. Hoje em dia, para quem vive na América do Sul, ou em lugares mais baratos, o dólar ou euro vai muito longe. Então, você consegue tirar 10 mil, 15 mil em interclubes em dólares, vale a pena. Onde alguém da Argentina vai ganhar mil, 2 mil dólares em uma semana? Ganhar em dólares é a diferença para eles. Eu ganho e também gasto em dólares. Os US$ 25 mil eu pago o cartão de crédito e acabou”, explica o catarinense.

O que pode mudar?

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Karue Sell entende que mudanças positivas foram efetuadas pela ATP nos últimos anos, como a iniciativa de pagar a diária de hospedagem para competidores de Challengers. Discorda, contudo, de pontos como a atual distribuição de pontos, que acredita privilegiar quem já está em cima e prejudicar aqueles em ascensão.

“Eles estão tentando, mas estando cinco anos fora do circuito e voltando, vendo o quão melhorou o nível, está muito maior que o top 100. Qualquer cara de 150 e coloca para jogar ATP, vai conseguir ganhar jogo. Só que o funil está cada vez pior, eles aumentaram pontos em ATP, tiraram pontos em Challenger. Eles querem, infelizmente, deixar a galera que todo mundo conhece no top 100, não deixar ninguém cair. Fica cada vez mais difícil subir”, diz.

Um dos desafios para dar visibilidade e valorização para mais tenistas vem da própria maneira como as competições são apresentadas em sua forma comercial ao público. O interesse do espectador médio não costuma ir além de assistir aos grandes astros, seja in loco ou pela televisão.

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“Pouca gente vende no tênis. A ATP sempre vai estar se sustentando de três ou quatro ‘stars’, que hoje são o Sinner e o Alcaraz, que realmente vão vender. O cara que é 50, 60 ou 130, é tudo a mesma coisa. Se colocar o 60 para jogar a primeira rodada na quadra central às 11h da manhã em uma terça-feira, ninguém vai assistir. O tênis sempre vai ser muito ‘top heavy’, mas difícil de vender o resto dos níveis. Aqui nos EUA, por exemplo, é difícil assistir tênis. Tem de ter Tennis Channel, inscrição. Em geral, não é fácil”, avalia.

A estrutura do circuito também é vista por Karue como algo a ser melhorado, pois ele acredita muitos torneios não trazem retorno financeiro e prejudicam a distribuição do dinheiro que envolve o mundo do tênis profisisonal

“Teria de ver realmente quais os torneios que geram dinheiro. Tem muito ATP 250 que eu imagino que perde dinheiro; 500 imagino que não. Mas tem de sentar e falar: se você vai ser um torneio do calendário da ATP, tem de gerar lucro. Se passar dois anos e não tiver, vão dar a data para outro lugar. É uma parte realmente de distribuição de grana. Não sei o quanto do que o tênis gera vai para os jogadores. A NBA você sabe que é algo entre 50/50, alguma coisa assim. Acho que tem dinheiro ali e falta a gente entender para onde está indo, ter uma união para ver se está sendo mais pago aqui ou ali”, opina.

Rumo ao top 200?

Sem grandes aspirações financeiras e consciente de sua realidade de tenista que voltou tardiamente ao circuito, Karue Sell tem levado a atual jornada sem grandes cobranças pessoais e não hesitará em parar quando o corpo mandar sinais. As viagens lhe causam desgaste e saudade da mulher é constante, mas os bons resultados obtidos em poucos meses o motivam a buscar novo objetivos: disputar a fase qualificatória de um Grand Slam e alcançar o top 200.

“A ideia no momento, pensando a curto prazo, é tentar chegar nos 230 do ranking, porque aí eu entraria no Australian Open. Pensando no ano que vem, é entrar no top 200. Agora, fica cada vez mais difícil subir, defender pontos. O primeiro ano é sempre o mais fácil. Como você não defende nada, só vai acumulando. Tem de fazer mais pontos que fez no primeiro. Vai ser o desafio do ano que vem. Por isso, agora no final do ano estou jogando o máximo possível para tentar entrar no Aberto da Austrália. Ano que vem fica mais difícil”, afirma.

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