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APÓS 30ª EDIÇÃO, GP DA HUNGRIA RELEMBRA CAUSA POLÍTICA EM 1986

Prova foi a primeira da Fórmula 1 em país da Cortina de Ferro

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Por Ciro Campos
Atualização:

O governo húngaro precisou de dez meses para transformar em autódromo uma extensa plantação de batatas nos arredores da capital, Budapeste. Mas a pressa para construir o circuito de Hungaroring e receber pela primeira vez a Fórmula 1, em 1986, era muito mais por motivação política do que esportiva. O GP da Hungria, que neste domingo completou a 30ª edição, representou uma forma de aproximação do Leste Europeu com o restante do continente.

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A corrida deste domingo serviu para celebrar a realização da primeira prova da categoria em um país localizado além da Cortina de Ferro. Em 1986, Nelson Piquet se transformou no vencedor inaugural na Hungria e chegou em primeiro lugar graças a uma histórica ultrapassagem. O piloto da Williams acelerou na reta principal e esperou para dar o bote pelo lado de fora da curva 1, onde travou as rodas para superar Ayrton Senna, que terminou em segundo.

A dobradinha brasileira, algo comum naquela época, ajudou a fazer do GP de 1986 um evento inesquecível e contribuiu para colocar no mapa da Fórmula 1 um país com pouca tradição no automobilismo. A visão estratégica do governo local, somada à talentosa safra de pilotos da época (Nigel Mansell, Alain Prost, Keke Rosberg, Gerhard Berger e companhia) fizeram aquela prova ser um grande sucesso.

Nos anos 1980 o governo húngaro, então chefiado pelo Partido Socialista, tentava quebrar o isolamento político e arregaçou as mangas para receber uma das modalidades mais capitalistas. Até então era o maior evento esportivo da história da Hungria, acostumada a modalidades como esgrima, pólo aquático e motociclismo. 

"Para os húngaros, a corrida de 1986 foi considerada mais um sinal da 'ocidentalização' do país", disse a historiadora Henriett Kovács, da Universade Andrassy, de Budapeste. O público presente foi de 200 mil pessoas, a maioria delas vinda de outras nações comunistas, como Checoslováquia, Romênia e Alemanha Oriental. Boa parte da logística para organizar a empreitada começou bem longe do Leste Europeu, mais especificamente no Brasil, onde reside até hoje um dos mentores da prova.

Tamas Rohonyi saiu da Hungria na década de 1950 e desde 1980 trabalha na organização do GP do Brasil. Em uma conversa em Mônaco com o chefe da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, soube da vontade levar a categoria para o lado oriental do continente. Moscou, na União Soviética, era a primeira opção. Depois o dirigente cogitou a Iugoslávia, até autorizar o início da sondagem com Budapeste.

Rohonyi viajou ao país, conversou com ministros, com o Automóvel Clube de Budapeste e meses depois, reuniu as autoridades locais na mesa com Ecclestone. O martelo foi batido. "Já havia uma tendência muito grande para uma mudança política. Foi uma decisão muito bem pensada e elaborada do governo de fazer algum gesto", contou ao Estado.

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A primeira ideia foi promover a prova dentro da capital, em um circuito que passaria por um parque. Depois, optou-se por desapropriar uma área rural e montar ali o circuito. 

Imagens da construção do autódromo

Apesar da estreia, a organização não se revelou muito complicada. Apenas seis pessoas que trabalhavam no GP do Brasil viajaram à Hungria, deram treinamentos aos colegas e se ocuparam de terminar os detalhes da preparação. "O povo era disciplinado e como o governo central era forte, não tinha muita dificuldade para se conseguir as coisas", disse Rohonyi, que pelo trabalho com o GP de 1986 ganhou condecorações do governo.

A primeira corrida mobilizou todo o território. O governo afrouxou os controles nas fronteiras para a chegada das equipes, mas não esperava que alguns cidadãos se aproveitassem disso para fugir rumo a países vizinhos. Isso, porém, não fez o evento ter uma avaliação negativa, tampouco o temor dos pilotos em visitar pela primeira vez uma nação socialista.

Mesmo no Leste Europeu, estar na Hungria naquela época estava longe de ser sinônimo de radicalismo. "A Hungria podia ser chamada de ditadura leve e era mais liberal que o resto dos vizinhos. Os húngaros viviam melhor, principalmente porque não havia escassez de alimentos", explicou a historiadora Henriett Kóvacs.

LUGAR CATIVO

Do atual calendário da Fórmula 1 apenas as pistas de Monza, na Itália, e Monte Carlo, em Mônaco, estão há mais tempo na categoria de forma ininterrupta do que Hungaroring. O circuito atual mantém a característica de ser travado, com poucos pontos de ultrapassagem e longe da modernidade dos autódromos asiáticos.

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"O nosso ponto forte é a nossa história. E nos apoiamos nisso. A corrida nunca esteve sob risco de ser cancelada", disse o diretor executivo de Hungaroring, Zsolt Gyulay.

De acordo com o dirigente, os atrativos turísticos de Budapeste ajudam a segurar a Fórmula 1 presente no país e a repetir uma curiosidade que dura desde 1986. Assim como na prova que foi vencida por Piquet, o público é quase todo estrangeiro. "Cerca de 80% dos espectadores vem de fora do país".

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