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Texto viral engana sobre finanças do Itaú e promove falsa ideia de que haveria risco de falência

Parte das alegações não confere com documentos divulgados aos acionistas, e especialistas descartam paralelo com o caso Americanas

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Foto do author Samuel Lima
Por Samuel Lima

Na esteira do caso das Americanas, um texto contendo erros a respeito da situação financeira do Itaú se espalhou na internet e no WhatsApp e fez com que muitos pensassem que a empresa está sob risco de falência. A alegação de que o banco teria “mais dívidas do que patrimônio”, no entanto, é enganosa, e documentos divulgados aos acionistas desmentem a tese de que o Itaú estaria sem “dinheiro em caixa” ou “ações em estoque”.

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De acordo com os resultados mais recentes divulgados pelo Itaú, relativos ao 3º trimestre do ano passado, a empresa contava com cerca de R$ 157 bilhões de patrimônio líquido. Esse indicador representa a diferença entre o ativo e o passivo da companhia.

O balanço ainda informa que há cerca de R$ 35 bilhões a título de disponibilidades de caixa, além de R$ 316 bilhões em aplicações financeiras com liquidez. Em tese, esses valores poderiam ser manejados rapidamente para o caso de necessidades urgentes.

Boato sobre finanças do Itaú levou clientes a questionarem se o banco estava sob risco de falência em 2023.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Segundo o Itaú, 3,3 milhões de ações estavam em tesouraria em setembro passado. São ações emitidas pelo banco no passado e depois recompradas pela empresa. Ainda que a quantia represente apenas 0,03% do total de papéis em circulação, o montante era precificado em R$ 71 milhões na época.

O Estadão Verifica analisou esse conteúdo depois de receber diversos pedidos de leitores pelo WhatsApp (11) 97683-7490. No Google Trends, plataforma que mostra as pesquisas mais frequentes do Google, houve um crescimento repentino no interesse do termo “falência” relacionado ao Itaú nos últimos dias. Confira a checagem completa abaixo.

Dinheiro em caixa

Ao alegar que o Itaú supostamente não teria dinheiro em caixa, o texto menciona uma ordem de bloqueio judicial que não teria encontrado nada nos CNPJs da empresa em 2020, mas a história não é bem assim. Em 18 de setembro daquele ano, a juíza Rosana Lúcia de Canelas Bastos, da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Belém, no Pará, determinou o bloqueio de R$ 2,09 bilhões da instituição financeira em uma ação indenizatória, que corre em segredo de Justiça.

Em resposta ao Estadão Verifica, o Itaú afirmou que o bloqueio foi efetuado, mas não houve notificação ao juízo porque o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD), operado pelo Banco Central junto às entidades financeiras, apresentou instabilidade no período. A magistrada chegou a escrever em uma manifestação que o bloqueio teria resultado em “zero reais”, mas ela não foi localizada para esclarecer se isso ocorreu por erro no sistema ou por outro motivo. O Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) não retornou aos pedidos de informação da reportagem.

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A instituição possui confortavelmente recursos estáveis disponíveis suficientes para suportar as perdas mesmo em um cenário de estresse

Itaú

De qualquer forma, o episódio é insuficiente para alegar que o Itaú estaria com os cofres vazios. A alegação difere dos informes mais recentes divulgados aos acionistas, como mencionado anteriormente. Ao Estadão, o Itaú declarou que “possui confortavelmente recursos estáveis disponíveis suficientes para suportar as perdas mesmo em um cenário de estresse” e que prováveis perdas com processos judiciais passam por provisionamento de recursos e não afetam mais os resultados das operações.

Ação judicial

O processo a que responde o Itaú citado no texto tramita no TJ-PA desde 2002. O banco é acusado de vender ações de um investidor e de sua empresa, adquiridas na década de 1970, sem autorização. O homem pede indenização na Justiça com base na evolução acionária, ou seja, na quantidade de ações a que teria direito hoje.

Em um informe ao mercado, o Itaú reconhece que foi condenado “definitivamente” a pagar a indenização, mas o montante ainda é colocado como incerto. Enquanto um perito avaliou que esse repasse deveria ser de R$ 4 bilhões, a companhia entende que deve R$ 895 mil, valor que foi depositado judicialmente.

Além disso, o Itaú provisionou R$ 1,06 milhão para arcar com o referido processo judicial em seus demonstrativos contábeis, segundo o documento, divulgado em abril do ano passado. A medida passa a ser tomada quando a perda na Justiça é dada como “provável” pelos gestores. No cenário mais extremo calculado pelo banco, o pagamento seria de R$ 7,1 bilhões.

Investidor pede indenização na Justiça por ações do Itaú adquiridas na década da 1970. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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A diferença nos valores resulta de um impasse referente a um suposto grupamento de ações em 1987, alegado pelo Itaú, o que modifica o cálculo. Porém, em decisão de 1º grau que é contestada pelo banco, a Justiça do Pará entendeu que não existem elementos suficientes comprovando essa teoria. Por conta disso, a juíza homologou o laudo pericial e determinou o bloqueio de valores nas contas do banco. Esse bloqueio depois acabou suspenso.

Reclamações

Após a ordem de bloqueio, o Itaú entrou com uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Corregedoria de Justiça do Pará, além de recurso no TJ. O banco acusa a magistrada de agir de forma parcial e contesta a validade da decisão, enquanto a juíza diz que agiu conforme a lei, e o escritório que representa o investidor reclama de o Itaú estar usando de artifícios para protelar o cumprimento da sentença.

Em uma decisão polêmica, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, então presidente do CNJ, concedeu liminar determinando que o valor bloqueado não fosse movimentado até a decisão de segundo grau da Justiça do Pará. A decisão gerou debates no meio jurídico porque havia o entendimento antes de que não cabe ao órgão suspender decisões judiciais, apenas atuar no âmbito disciplinar e administrativo.

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O caso chegou a ser levado ao plenário do CNJ, mas o julgamento foi paralisado por um pedido de vista. Posteriormente, a desembargadora Eva do Amaral Coelho atendeu a recurso do Itaú e suspendeu o bloqueio, em caráter liminar. O caso depende da análise definitiva desse recurso para seguir adiante.

A liminar de Fux depois foi extinta, sem análise do mérito, pela primeira turma do STF, ao entender que a medida havia perdido o objeto com a decisão da desembargadora do TJ-PA. As reclamações disciplinares contra a juíza de Belém foram arquivadas.

Ministros do STF

A partir desses fatos, o texto sugere que os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Luiz Fux teriam favorecido o Itaú. O motivo seria que a defesa do banco é de responsabilidade da Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados, que sucedeu um escritório de advocacia de Barroso.

O nome de Rafael Barroso Fontelles, sobrinho do magistrado e um dos sócios do BFBM, realmente aparece no processo — o que, por outro lado, não é capaz de provar uma suposta atuação dos ministros em favor do banco e do escritório de advocacia.

Procurada pela reportagem, a assessoria de Barroso declarou em nota que o escritório foi criado por seus antigos sócios e que “não mantém qualquer vínculo” com a empresa. A assessoria de Fux disse que o ministro “considerou que havia elementos de conduta irregular da magistrada” ao tomar a decisão no CNJ.

Paralelo com o caso Americanas?

O material checado cita o caso recente das Americanas para tratar das finanças do Itaú, o que suscitou dúvidas a respeito da possibilidade de o caso se repetir com o banco, ou mesmo de a instituição declarar falência. Dois especialistas em mercado financeiro consultados pelo Estadão, porém, avaliam que as duas companhias passam por cenários muito distintos.

Americanas entrou com pedido de recuperação judicial depois de constatar rombo nas contas e R$ 43 bilhões em dívidas.  Foto: Mauro Pimentel/AFP

No caso das Americanas, a varejista entrou com um pedido de recuperação judicial em janeiro após constatar um rombo de R$ 43 bilhões em suas contas. A empresa pagava fornecedores por meio de uma triangulação com bancos, mas os pagamentos não foram devidamente dimensionados e realizados, gerando a dívida. O próprio Itaú está na lista de credores, no valor de R$ 2,7 bilhões.

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O Itaú, por outro lado, é uma empresa do setor financeiro, que trabalha com uma outra lógica de operação. Segundo Carlos Macedo, analista de setor financeiro da Ohmresearch, comparar o passivo das duas empresas não é um método confiável de análise. “O banco, por definição, alavanca o patrimônio diversas vezes ao emprestar dinheiro que não lhe pertence, os depósitos”, explica.

“Assim como todos os outros bancos, o principal passivo do Itaú é o capital dos seus credores. O banco compra dinheiro e vende a preços maiores. Nesse movimento, acaba utilizando bastante recursos de terceiros para financiar a sua principal atividade”, aponta Caique Soares, gestor da mesa de renda variável da Ápice Investimentos. “É um nível de alavancagem extremo quando coloca na mesma régua uma empresa não bancária.”

A métrica mais adequada para conferir a saúde financeira do banco, segundo os dois especialistas, é o Índice de Basileia, que compara a proporção do capital próprio com o de terceiros nas operações e fornece uma ideia da capacidade da empresa de resolver pendências. O Itaú estava com 14,7% no 3º trimestre do ano passado, acima do mínimo exigido pelo Banco Central, de 11%.

Para Soares, ainda que parte dos processos judiciais mostrados no texto possa afetar as contas do Itaú, eles têm baixa probabilidade de penalizar o banco de forma expressiva, diferentemente do que ocorreu com o rombo das Americanas.

Outros pontos levantados

O conteúdo checado menciona outros dois fatos ao final do texto. O primeiro é que o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) teria “perdoado” uma dívida do Itaú de “R$ 30 bilhões” em impostos.

Como mostra reportagem do jornal O Globo, o Itaú venceu um processo em que o Estado cobrava R$ 25 bilhões em Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) na fusão com o Unibanco, em 2008. Os conselheiros entenderam que não houve ganho de capital na operação e, portanto, não há razões para que a Receita cobre esses tributos.

Outra notícia, do Poder360, mostra que o Itaú foi absolvido em um processo no Carf que cobrava uma dívida fiscal de R$ 775,8 milhões no mesmo ano, por conta de supostas irregularidades na distribuição de Juros sobre o Capital Próprio (JCP). O caso ainda está pendente de análise de instância superior.

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O segundo episódio mencionado é que a Prefeitura de São Paulo teria multado o Itaú em “R$ 6 bilhões”. O município cobrou R$ 3,8 bilhões por suposta fraude fiscal, em 2019, acusando a empresa de simular a transferência de sedes administrativas para Poá e Barueri, cidades próximas da capital paulista, a fim de pagar menos impostos. Corrigindo pela inflação, o valor equivale hoje a cerca de R$ 4,7 bilhões.

Sobre esse assunto, o Itaú comunicou que a cobrança “foi alvo de ação anulatória por parte do banco e que ainda não há qualquer decisão de mérito reconhecendo a exigibilidade da multa”. De acordo com o banco, “a exigibilidade da multa foi suspensa no processo”.

O que diz o site

Em resposta ao Estadão Verifica, o editor do site Painel Político, Alan Alex, reconheceu que houve erro na questão do “dever mais que o patrimônio” e argumentou que o material foi “corrigido imediatamente”. Justificou ainda que o banco não tem ações em estoque para repassar ao acionista prejudicado e que, ao afirmar que não haveria dinheiro em caixa, baseou-se em despacho da juíza Rosana Lúcia de Canelas Bastos, afirmando ter encontrado “zero reais” ao bloquear valores nas contas do Itaú.

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