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Ahmadinejad faz a América

Para os que enxergam nuvens de cogumelo nas bravatas de Mahmoud Ahmadinejad, a viagem na semana passada do presidente do Irã à América Latina é ilustrativa. O homem forte de Teerã não só insinua que está fabricando uma bomba atômica e pode fechar o Estreito de Ormuz para o escoamento de petróleo, como resolve passear no quintal dos EUA. O que mais isso poderia ser senão uma franca provocação?Teatro político, é claro. Com escalas e recepção VIP na Venezuela, na Nicarágua, em Cuba e no Equador, Ahmadinejad mostra ao mundo não apenas que o Irã ainda tem bons amigos, mas continua festejado até debaixo do nariz do Tio Sam. Ele trocou abraços com Hugo Chávez, maestro bolivariano do socialismo do século 21. Assistiu à nova posse de Daniel Ortega, ex-guerrilheiro sandinista que trocou as armas pelas urnas e, com o empurrãozinho da Justiça nicaraguense, jamais se decepcionou. Seguiu para Cuba, a ditadura mais longeva do Ocidente, e terminou no Equador, onde o governo do presidente Rafael Correa trava uma batalha contra a imprensa "capitalista", contra a petroleira Chevron e contra outros ícones do imperialismo gringo.Seu roteiro, versão socialista do circuito Elizabeth Arden, parece talhado à pauta alarmista dos presidenciáveis do Partido Republicano dos EUA, que enxergam terroristas debaixo de cada palmeira. "A aliança crescente entre Irã e as ditaduras antiamericanas representa uma séria ameaça à democracia e à estabilidade na região", afirmou Illeana Ros-Lehtinen, deputada republicana da Flórida. Pode ser, mas o mais notável no giro latino de Ahmadinejad foram os países que ele não visitou. Passou longe de Argentina, México e Brasil, responsáveis por 80% do PIB da região. Se foi desinteresse ou por falta de convite, não se sabe, mas a ausência do Brasil no itinerário foi eloquente. Pouco mais de um ano atrás, Luiz Inácio Lula da Silva era só elogios ao tirano de Teerã. Posou sorridente com Ahmadinejad e, ao seu lado, chamou seus desafetos da Revolução Verde de "maus perdedores". Ainda ofereceu-se como fiador do projeto iraniano de construir um programa nuclear que só Brasília acreditava ter fins pacíficos.Há quem apostasse que Dilma Rousseff repetiria os mesmos salamaleques do seu criador. Errou. No início, o governo até deixou dúvidas. O Brasil absteve-se na resolução da ONU para intervir no conflito na Líbia e em outra para censurar a violência das forças de segurança da Síria. Em novembro, no entanto, a diplomacia brasileira condenou a sangrenta repressão do governo de Bashar Assad, rompendo o acordo de cavalheiros (ou a "camisa de força", como prefere Nadim Houry, da ONG Human Rights Watch) dos países em desenvolvimento, que jamais censuram uns aos outros. Ainda é cedo para dizer se o Brasil bancará o conceito de "responsabilidade para proteger". Trata-se da nova doutrina da ONU, que surgiu após as atrocidades cometidas contra populações civis na Bósnia e em Ruanda. Ela autoriza intervenção internacional em países soberanos para resgatar os inocentes. O Itamaraty insiste no conceito paralelo de "responsabilidade ao proteger", diferença importante que evitaria que uma missão humanitária acabasse em invasão.No entanto, não passa despercebida a guinada de Brasília, onde a diplomacia volta ao eixo tradicional. "Dilma mudou a política externa. Deu mais ênfase aos direitos humanos e à relação com os EUA", diz o ex-embaixador Rubens Barbosa. "Agora, o Brasil deixou de ser um apoiador ostensivo da política interna do Irã ."Que o namoro do Irã com seus amigos latinos ainda incomode Washington, ninguém duvida. Contudo, sem a proteção do Brasil, a nova investida de Teerã no Hemisfério Ocidental não passa de uma encenação em um palco vazio.

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Por MAC MARGOLIS
Atualização:

 

* É CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK NO BRASIL, COLUNISTA DO ESTADO, EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM

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