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Análise: A batalha eleitoral americana

Eleição nos EUA entra na fase decisiva e candidatos - Trump e Biden - preparam equipes jurídicas para eventual contestação do resultado nos tribunais

Por Hussein Kalout
Atualização:

A eleição presidencial nos Estados Unidos entra em uma fase decisiva. O presidente Donald Trump, que disputa a reeleição à Casa Branca, atua em duas frentes simultâneas para assegurar a sua vitória. 

O presidente Donald Trump e o democrata Joe Biden Foto: Saul Loeb and Ronda Churchill/AFP

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A primeira frente consiste em redobrar a aposta no diversionismo político. Gerar factoides e confundir o eleitor é a estratégia do candidato republicano. A máquina de propaganda trumpista vai construindo narrativas específicas para a realidade social dos Estados-chave em disputa. A propaganda chega a ser talhada para condados específicos, a fim de mobilizar o eleitor em torno da candidatura de Trump. Manipular o medo, disseminar meias verdades ou mentiras inteiras, oferecendo soluções simplistas para problemas complexos, eis a essência dessa estratégia.

Já a segunda frente diz respeito à batalha que pode se instalar no âmbito do poder judiciário, já anunciada pelo próprio Trump como provável. De fato, integrantes dos dois partidos dão como certa a disputa nos tribunais. Um exército de advogados vai sendo preparado de olho na batalha judicial. Na Georgia, em Ohio e em Iowa por exemplo, onde os números estão emparelhados, Trump dificilmente reconhecerá uma eventual derrota sem pedir antes uma recontagem de votos e anulação de cédulas. 

Diversas pesquisas indicam que os democratas se encaminham para recuperar os importantes Estados de Wisconsin e Michigan. Nas últimas semanas, Trump não conseguiu reduzir a diferença de cerca de 6% em favor de Biden nesses Estados. 

Na Carolina do Norte, Pensilvânia e Flórida, a batalha está em curso e o cenário segue incerto, apesar de uma pequena vantagem de Biden na Pensilvânia. Esses são três Estados com grande número de delegados. Quem levar dois deles estará a um passo da vitória. 

O Texas, por sua vez, pode vir a se converter na maior dor de cabeça para Trump caso sua vantagem siga estagnada na faixa de dois pontos percentuais em relação ao seu adversário. Em recentes eleições para a Câmara dos Deputados dos EUA, os democratas vencerem em dois distritos importantes, acendendo o alerta para o partido republicano - que não perde uma eleição presidencial no Estado há 44 anos. A maior fragilidade de Trump é o voto latino, cujo perfil no Texas é diferente da Flórida. Se na Flórida Trump consegue boa margem de preferência entre os latinos, no Texas a situação é oposta, sobretudo em função da atual política migratória punitiva.

A campanha de Trump aposta tudo no colégio eleitoral - já que no voto popular a sua derrota parece certa. Por essa razão, o presidente americano se antecipa ao embate judicial e vai gradualmente escalando a retórica, preparando a sua base mais aguerrida para endossar o seu discurso de contestação da transparência do processo eleitoral. 

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Na história da política americana, é inusitado ver um presidente incumbente lançar dúvidas sobre a lisura da eleição, aludindo à judicialização do pleito ainda em pleno curso de campanha. A catimba política de Trump faz parte, no fundo, de sua estratégia de mexer com os brios do eleitor republicano. Há quem veja nisso, porém, mais do que uma estratégia de mobilização do eleitorado conservador. Essa atitude desacredita as instituições, o sistema político e, em última instância, fere a própria democracia.

O medo e a incerteza são dois componentes que vem sendo empregados de forma renitente pelo comitê de campanha do partido republicano. E, por hora, tem dado resultado em alguns Estados. Trump é apresentado como o binômio da ordem e da prosperidade enquanto o seu rival democrata, Joe Biden, é pintado como o representante do caos e do socialismo. Nos tempos que correm, em que prevalece o raciocínio binário, que não comporta nuances, o discurso trumpista tem um apelo inegável. 

Quando os debates entre os dois candidatos começarem para valer, o nível de tensão em diversos Estados tenderá a se elevar substancialmente. É possível que a força de convencimento do candidato democrata não resista à agressividade do candidato republicano. Se o debate for não sobre propostas racionais, mas se concentrar no campo da pura emoção, Trump leva a vantagem de ser um dos mestres desse misto de pugilato e “reality show” em que se transformou a política americana.

* HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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