Apoio econômico da China à Rússia amplia chance de novas sanções dos EUA

Autoridades americanas prometeram impedir exportações para a Rússia de itens que podem ser usados com propósitos tanto civis quanto militares, mas sanção é difícil

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Por Ana Swanson

WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e suas autoridades mais graduadas prometeram esta semana introduzir sanções adicionais destinadas a impedir os esforços de guerra da Rússia contra a Ucrânia. Mas o foco do governo americano está pendendo cada vez mais para o papel que a China tem desempenhado fornecendo aos russos mercadorias que possuem usos tanto civis quanto militares.

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Enquanto uma das principais fabricantes de produtos como eletrônicos, drones e autopeças, a China tem se provado uma parceira econômica particularmente crucial para a Rússia.

O governo chinês permaneceu oficialmente não alinhado na guerra. Mas a China — juntamente com países como Turquia e algumas ex-repúblicas soviéticas — se apresentou para fornecer à Rússia grandes volumes de produtos que tanto civis quanto militares podem usar, incluindo matérias-primas, smartphones, veículos e chips de computador, mostram dados de comércio.

Presidente dos EUA, Joe Biden (à esq.), ao lado do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski (à dir.), em Kiev no dia 20 Foto: Daniel Berehulak / NYT

Autoridades do governo dos Estados Unidos agora expressam preocupação com a possibilidade da China continuar apoiando a incursão fornecendo armas letais para Moscou. Ainda que não haja nenhuma evidência de que a China tenha fornecido armamentos e munições para a Rússia, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, tem alertado nos dias recentes que a China pode estar se preparando para isso.

O presidente Biden afirmou em Kiev, na segunda-feira, que os EUA e seus parceiros anunciariam novas medidas mirando evasões a sanções esta semana. Ele não especificou se essas ações serão direcionadas a Moscou ou aos seus parceiros comerciais.

“Juntos garantimos que a Rússia está pagando o preço por seus abusos”, afirmou ele no dia seguinte, em Varsóvia.

E durante um discurso no Council on Foreign Relations, na terça-feira, o subsecretário do Tesouro, Wally Adeyemo, afirmou que os EUA trabalharão “para identificar e pôr fim a canais específicos por meios dos quais a Rússia tenta equipar e financiar seus militares”.

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“Nossos esforços de contraevasão impedirão acesso da Rússia a mercadorias de uso duplo sendo empregadas na guerra e isolar essas instalações adaptadas dos insumos necessários para suprir os lapsos de produção da Rússia”, afirmou ele.

Os comentários ocorreram no mesmo dia que o mais graduado diplomata chinês, Wang Yi, visitava Moscou.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma reunião com o presidente da China, Xi Jinping, no fim de 2022 Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik/via AP

As ações que os EUA adotaram contra a Rússia em parceria com mais de 30 países constituem o mais amplo conjunto de sanções e controles e de exportações jamais imposto contra uma grande economia. Mas esse regime tem seus limites.

Um ano após o início da guerra, a economia russa está estagnada, mas não incapacitada. O país perdeu acesso direto a cobiçadas marcas ocidentais de consumo e importações de quase todas as tecnologias mais modernas, como semicondutores. Mas indivíduos e empresas de todo o mundo se apresentaram para fornecer à Rússia versões clandestinas desses mesmos produtos ou alternativas mais baratas produzidas na China e em outros países.

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Em particular, os EUA e seus aliados parecem alcançar sucesso limitado em impedir o comércio das chamadas tecnologias de uso duplo, que podem ser utilizadas tanto em equipamentos militares quanto em bens de consumo.

Os EUA incluíram muitos tipos de mercadorias de uso duplo nos controles de exportação que emitiram contra a Rússia em fevereiro do ano passado, porque os itens podem receber propósitos militares. Componentes de aeronaves que empresas de aviação civil usam, por exemplo, podem ser redestinados para utilização da Força Aérea russa; e semicondutores usados em máquinas de lavar e eletrônicos podem ser utilizados em tanques e outros armamentos.

Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (à dir.), aperta a mão do chanceler da China, Wang Yi (à esq.), durante encontro em 9 de julho de 2022 Foto: AP / AP

Graduadas autoridades americanas alertaram seus homólogos chineses contra apoiar o esforço de guerra da Rússia após a invasão à Ucrânia, no ano passado, afirmando que haveria consequências firmes. Ainda que os chineses tenham sido cuidadosos em não atravessar essas linhas, eles apoiaram os russos de outras maneiras, incluindo por meio de comércio ativo de certas mercadorias.

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Os EUA reprimiram a ação de algumas empresas e organizações que fornecem mercadorias e serviços para a Rússia. Em janeiro, Washington impôs sanções contra uma empresa chinesa que forneceu imagens de satélite para o mercenário Wagner Group, que tem desempenhado um importante papel na batalha pelo leste da Ucrânia. Em dezembro, o governo americano incluiu dois institutos de pesquisa chineses na lista de entidades que fornecem ajuda às Forças Armadas russas, o que restringirá seu acesso a tecnologias americanas.

Mas o acompanhamento de firmas de pesquisa mostra que o comércio de itens que os militares russos podem usar floresceu. De acordo com o Observatório da Complexidade Econômica, uma plataforma online de dados, as exportações da China para a Rússia de óxido de alumínio, metal que pode ser usado na fabricação de veículos blindados, equipamentos de proteção pessoal e escudos balísticos, aumentaram mais de 25 vezes entre 2021 e 2022.

As exportações de minérios e elementos químicos usados na produção de revestimento de mísseis, projéteis, explosivos e propulsores também aumentaram, de acordo com o Observatório da Complexidade Econômica. E a China exportou US$ 23 milhões em drones e US$ 33 milhões em componentes para aeronaves e espaçonaves para a Rússia em 2022; no ano anterior não houve esse tipo de comércio, segundo dados do grupo.

Dados da entidade sem fins lucrativos Silverado Policy Accelerator, de Washington, mostram que as importações russas de circuitos integrados, ou chips, que são cruciais na manutenção de tanques, aeronaves, dispositivos de comunicação e armas, despencaram imediatamente após a invasão começar, no ano passado.

Mas em dezembro as importações russas de chips haviam se recuperado para o equivalente a mais de dois terços de seu valor em fevereiro de 2022, pouco antes do início da guerra, de acordo com a Silverado. China e Hong Kong, em particular, foram responsáveis juntas por aproximadamente 90% das exportações globais de chips em termos de valor para a Rússia de março a dezembro.

Exportações da China para a Rússia de cartões inteligentes, diodos que emitem luz, polisilício, equipamentos para fabricação de semicondutores e outras mercadorias também aumentaram, afirmou a entidade.

As relações entre EUA e China azedaram nas semanas recentes após um balão de vigilância chinês ser flagrado voando pelos céus americanos, anteriormente este mês. Mas as discordâncias a respeito da Rússia tensionam ainda mais os laços geopolíticos. Uma reunião entre Blinken e Wang, seu homólogo chinês, nos bastidores da Conferência de Segurança de Munique, na noite do sábado, foi particularmente tensa.

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Autoridades americanas têm compartilhado informações sobre a atividade da China com aliados e parceiros durante as reuniões em Munique, afirmou uma fonte familiarizada com o assunto.

No noticiário televisivo “Face the Nation”, no domingo, Blinken afirmou que expressou preocupações a Wang em relação à China considerar fornecer armamentos e munições para a auxiliar a campanha da Rússia na Ucrânia e que tal ação surtiria “consequências sérias” na relação EUA-China.

“Até aqui, temos visto empresas chinesas — e, é claro, na China não há nenhuma distinção real entre empresas privadas e o Estado — fornecendo apoio não letal à Rússia para uso na Ucrânia”, afirmou Blinken.

“A preocupação que temos agora é, com base na informação que temos, de que eles estejam considerando fornecer apoio letal”, acrescentou ele. “E nós deixamos muito claro para eles que isso causaria um problema sério para nós e na nossa relação.”

Autoridades americanas enfatizaram que sozinha a China tem capacidade limitada de fornecer à Rússia todas as mercadorias que o país precisa. Os chineses não produzem os semicondutores mais avançados, por exemplo, e restrições impostas pelos EUA em outubro impedirão Pequim de comprar alguns desses chips mais avançados, assim como equipamentos usados para fabricá-los, de outros países.

A Rússia não consegue fabricar mísseis de precisão hoje porque não tem mais acesso a semicondutores de última geração produzidos nos EUA, em Taiwan, na Coreia do Sul e em outros países aliados, afirmou uma graduada autoridade de governo na segunda-feira.

“Ainda que estejamos preocupados com o aprofundamento da relação da Rússia com os chineses, Pequim não pode dar ao Kremlin o que não tem, pois a China não produz os semicondutores mais avançados que os russos precisam”, afirmou Adeyemo em seu discurso. “E cerca de 40% dos microchips menos avançados que a Rússia está recebendo da China são defeituosos.”

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Mas Ivan Kanapathy, ex-diretor para China do Conselho de Segurança Nacional, afirmou que a Rússia precisa principalmente de chips menos avançados para suas armas, que são fabricados em abundância na China.

“O governo americano está muito consciente de que nosso sistema de controle de exportação é projetado de uma maneira que realmente depende de um governo que coopere, o que não temos neste caso”, afirmou Kanapathy.

Ele acrescentou que foi “bem fácil” para as partes contornar o controle de exportação com o uso de empresas de fachada ou alterando os nomes e endereços das entidades. “A China utiliza bastante esse método.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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