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Ataque liberou energia poderosíssima no Irã e uniu população, diz analista

Professor Salem Nasser, da área de direito internacional da FGV, diz que resposta do Irã deve se concentrar em tropas dos EUA no Iraque e na Síria

Por Paulo Beraldo
Atualização:

O ataque dos Estados Unidos ao general Qassim Suleimani, uma das principais lideranças iranianas, liberou uma "energia poderosíssima" capaz de unir até mesmo forças que estavam descontentes com o governo local. A avaliação é do professor Salem Nasser, da área de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas, e especializado em questões relacionadas ao Oriente Médio e aos mundos árabe e muçulmano.

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"Essa morte liberou uma energia poderosíssima e uniu a população", afirmou. "Nunca vi nada parecido, com exceção do funeral do aiatolá Komeini". Suleimani morreu na quinta-feira, 2 de janeiro, em um ataque com drone em território do Iraque. Nesta segunda, as ruas de Teerã, capital do Irã, foram tomadas por uma multidão para acompanhar o funeral do general, considerado um herói nacional. 

Nasser entende que a resposta do Irã, neste primeiro momento, deve ter como foco as Forças Armadas dos Estados Unidos no Iraque e na Síria. 

Abaixo, a entrevista completa. 

Na sua avaliação, como fica a imagem do regime iraniano perante a população após esse ataque? Há uma pressão por uma resposta.

As imagens são impressionantes e dão indicações para repensarmos um pouco a percepção que se tem do regime pela população. Aqui vemos muitas manifestações contra o regime, em épocas de crise, quando acaba um subsídio, milhares de pessoas na ruas. Mas essas manifestações a favor de Suleimani mostram que a maior parte da população é pró-regime, que se divide entre o que chamaríamos de moderados e extremistas. 

O tamanho das procissões e a energia poderosíssima que esse ataque liberou mostram que o regime é mais popular do que se tende a imaginar por aqui. Os iranianos são extremamente nacionalistas, patrióticos, orgulhosos. E vendo as manifestações encontramos jovens, pessoas de pensamento mais moderno, que talvez até sejam opositores ao governo, mas isso uniu a população. E isso é muito central na visão de mundo dos muçulmanos xiitas, que têm seu coração pulsante entre Iraque e Irã. 

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Milhares de pessoas em Teerã para o velório do general Suleimani Foto: Arash Khamooshi/The New York Times

Como é esse raciocínio?

Tem uma frase um pouco difícil de compreender que é a vitória do sangue sobre a espada. É a crença deles de que o pior que os americanos podem fazer é 'nos matar'. E o melhor que pode 'nos acontecer' é morrer pela boa causa. Então, se eles morrerem como mártires, ganham a batalha. Essa morte pode ser o momento em que o sangue começa a vencer a batalha contra a espada. 

Como o senhor acredita que deve ser a resposta do Irã?

O Irã vai trabalhar para tirar as forças americanas da região como um todo. O alvo vai ser as Forças Armadas dos Estados Unidos na região. Não devem ser os civis americanos porque eles estão fora disso. Especificamente, civis americanos em qualquer região do mundo. Então, a resposta deve começar no Iraque e na Síria. É especialmente relevante para o campo da resistência (que vai do Golfo de Omã até Iraque, Síria e Líbano) liderado pelo Irã eliminar a presença americana nesses dois países. 

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Se a fronteira Iraque-Síria ficar livre e em mãos do campo da resistência, há um campo aberto desde o Irã que chega a Líbano e Síria, perto da fronteira com Israel. A presença nesses dois lugares é central para americanos e israelenses, e para o eixo da resistência. Depois, o arco de ataques também pode se estender para as bases americanas nos países do Golfo Pérsico. 

Como fica a articulação desse eixo com a morte do general Suleimani, que era um de seus principais estrategistas?

É preciso destacar que os países e líderes aliados têm altíssimo grau de hegemonia, cada um funciona adequadamente às situações locais. O que os iranianos fornecem e forneceram a esses atores, em diferentes graus, é financiamento, armas, tecnologias, consultorias e treinamentos. A coordenação dele era essa. Houve um forte trabalho regional ao longo dos últimos anos, com ataques dos palestinos em Gaza, fazendo uso de mísseis, ou os ataques dos iemenistas em oleodutos com drones. 

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A força que Suleimani liderava, a Al Quts, tem como missão coordenar o campo de resistência para libertar a Palestina. Esse é o objetivo final. Então, a força continua com um novo comandante, que pode não ser tão carismático e querido pela população. Mas digo com muita certeza: essa morte liberou uma energia que pode gerar uma revitalização, nunca vi nada parecido, com exceção do funeral do aiatolá Khomeini.

Como esse ataque impacta na possibilidade de o Irã construir armas nucleares?

Tenho a tendência a acreditar na narrativa oficial iraniana de que eles não procuram as armas nucleares. Por duas razões: o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo, já disse que utilizar esse tipo de arma é contra o direito islâmico. Como líder supremo da revolução, em princípio o que ele diz, juridicamente, é a última palavra. Ele não vai dizer isso e 'desdizer' amanhã. Então, isso pesa muito. Além disso, o próprio secretário-geral do Hezbollah no Líbano diz que não se deve trabalhar com esse tipo de arma, que religiosamente é proibido. O comportamento do Irã tem sido razoável inclusive no modo como estão saindo do acordo nuclear.

Soleimani era uma figura respeitada em todo o Oriente Médio, devido ao seu alto poder de costurar alianças. Foto: Iranian Supreme Leader via AP

O Irã entende que sair correndo atrás da arma nuclear não é o que lhes dará maior poder. Acham até que ir por outro caminho melhoraria a situação, porque teriam um poder decorrente da legitimidade.

A imagem do país mudou bastante ao longo dos anos, e é mais importante isso do que: 'Tenho a bomba, não venham mexer comigo'. Não digo que não tem ninguém lá que não queira a bomba, mas não vejo como uma política oficial. Há gente que gostaria, sim, de ter as armas nucleares e que verão neste episódio uma chance de trabalhar nessa direção. Mas entendo que não são eles à frente do país hoje. 

Falando agora sobre o governo dos Estados Unidos... O senhor entende que esse ataque prejudica ou favorece Donald Trump e sua busca pela reeleição?

Tenho a sensação de que talvez ele ganhe as eleições, mas esse ataque não vai fazer bem. Ele não pode entrar em guerra porque disse que não entraria, era uma promessa de campanha. Seria uma catástrofe entrar em guerra. O povo americano não está disposto a se congregar em torno disso. Seria uma guerra de desgaste, que os iranianos sabem fazer bem.

Talvez Trump achasse que matando o Suleimani teria uma vitória como a que o Obama conseguiu quando matou o Osama Bin Laden, em um momento crucial para as eleições. Também pensou na possibilidade de impeachment.

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Os primeiros efeitos para Trump me parecem perigosos: ele não desanimou o outro campo, pelo contrário, engrossaram a voz totalmente

E não parece uma vitória porque está todo mundo dizendo que foi um erro. 

Legalmente, realizar um assassinato extrajudicial de uma autoridade de outro estado e cantar vitória é algo muito simbólico. Os EUA estão autorizando totalmente o outro lado a responder. E isso abre precedentes para outros países fazerem o mesmo. Os EUA fizeram um ato típico do submundo e, no canal oficial, disseram: fomos nós mesmos. Se eles começarem a sofrer ataques nas bases americanas da região, esse desgaste vai ser grande. 

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