Barak: papel trágico na saga do Oriente Médio

Com as pesquisas dando uma vantagem de 20 pontos porcentuais para Sharon, partidários de Barak esperam que a derrota não seja demasiadamente humilhante

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Por Agencia Estado
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Numa noite de primavera 21 meses atrás diante de uma multidão gritando de entusiasmo, o então recém-eleito líder de Israel Ehud Barak prometeu na praça que recebeu o nome do assassinado primeiro-ministro Yitzhak Rabin que iria dar continuidade ao legado de paz de seu mentor. Para muitos israelenses, o momento foi tocante - marcando, acreditavam, a última volta numa longa e difícil estrada em direção a uma ampla paz no Oriente Médio. Um acordo com os palestinos parecia possível, assim como uma aproximação com vizinhos hostis, como a Síria. Agora, com as esperanças de paz em frangalhos, um sangrento levante palestino em seu quinto mês e com o oponente linha dura Ariel Sharon aparentemente próximo do triunfo na eleição de amanhã, comentários sobre a disputa eleitoral já assumiu um tom lamentoso: Por que tudo saiu tão errado, e tão rápido, para Barak? "Eu o vejo como uma figura da tragédia grega, realmente, com tudo que ele tentou alcançar, e também com o excesso de confiança que o trouxe a esse ponto", disse Arieh Caspi, um colunista do respeitado jornal Haaretz. "Ele é um bravo, um homem trágico... Ele se sacrificou". Naturalmente, o drama eleitoral israelense ainda não terminou, e trata-se de um eleitorado pródigo em protagonizar surpresas. O próprio Barak foi levado ao cargo quando os eleitores israelenses repudiaram Benjamin Netanyahu, um político cuja posição em relação aos palestinos tem muito a ver com a de Sharon. Mas com as pesquisas de intenção de voto dando uma vantagem de 20 pontos percentuais para Sharon, partidários de Barak têm dito que tudo que esperam é que a derrota não seja demasiadamente humilhante. Nos últimos dias da campanha, o ex-general Barak manteve sua usual disciplina militar, insistindo com estoicismo que estava em paz consigo mesmo e que acreditava ter feito o bem para Israel. "Eu apresentei para vocês as dolorosas concessões que teremos de fazer pela paz", disse Barak numa mensagem de primeira página aos eleitores israelenses publicada no jornal Yediot Ahronot um dia antes da eleição. "A paz não é evitável, mas a próxima guerra - com suas mortes, sofrimento, lágrimas, órfãos, privações - pode ser evitada". Nem todos, entretanto, está pronto para aceitar que Barak foi um mártir da causa da paz, provocando a ira dos eleitores primariamente com as grandes concessões que ele se dispunha a fazer aos palestinos. Críticos argumentam que seu estilo pessoal e político algumas vezes o transformou em seu maior inimigo. Desde seus primeiros dias no cargo, Barak ganhou uma reputação de arrogante. Um ex-comandante do Estado Maior acostumado a dar rápidas ordens, ele irritou assessores com sua tendência de não ouvir conselhos. Ele não gostava de delegar poderes, a ponto de recusar-se a preencher postos-chave em seu gabinete. Durante todo seu governo ele atuou também como ministro da Defesa. Tudo isso ajudou para que não fosse querido por seus subordinados; enquanto presidia a última reunião de seu ministério antes da eleição, relatos de imprensa davam conta de que ele apelou a seus próprios ministros para votarem nele. Na arena política, pouco apareceu o brilhantismo estratégico pelo qual Barak ficou famoso em seus tempos de militar. Enquanto lutava para manter unida sua fracionada coalizão governamental, ele assumiu compromissos que foram repugnados por seus principais eleitores. Israelenses seculares observavam em desespero seus esforços cada vez mais desesperados para conquistar a simpatia de partidos ultra-religiosos - que agora abraçaram Sharon. No começo, a falta de jogo de cintura e de presença política de Barak - baixinho e gorducho, com discursos monótonos - ofereciam um refrescante contraste com seu telegênico predecessor - Netanyahu. Mas gradualmente, os eleitores foram se desiludindo. Michel Milodo, um professor aposentado, disse hoje que iria votar em Barak, mas com relutância. "Barak parece incapaz de fazer consultas e trabalhar em equipe", afirmou Milodo, num ponto de ônibus em Jerusalém. Talvez ele seja demasiadamente general dando ordens e pouco político - o que é lamentável". Mesmo em seu campo de excelência, o militar, Barak não recebeu muitos aplausos do público. Enquanto amargos confrontos na Cisjordânia e Faixa de Gaza entravam em seu quinto mês, muitos israelenses opinam que Barak não agiu com energia suficiente para conter a violência - mesmo com o mundo exterior condenando Israel pelo uso excessivo de força. (A imensa maioria das cerca de 400 vítimas do levante é de palestinos). Durante os meses de conversações com os palestinos, Barak nunca conseguiu forjar um verdadeiro entendimento com Yasser Arafat. E ele não permitiu que alguns assessores que desfrutavam de relações mais calorosas com o líder palestino - mais notavelmente o velho estadista Shimon Peres - de assumir um papel maior nas negociações de paz. Mas Barak defendeu sua aproximação pragmática no sentido da paz. Perguntado no final da campanha sobre seu relacionamento com Arafat, ele respondeu que não vê necessidade em se gostar ou não de uma pessoa para se realizar algum negócio com ela. A pesar de sua insistência de que ele não se arrepende de nada, Barak expressou algum arrependimento na reta final da campanha. Ele se desculpou pelo assassinato de 13 arábe-israelenses nos conflitos de outubro do ano passado. Mas líderes árabes afirmaram que isto era pouco, e vinha muito tarde. E num claro reconhecimento de que sua política não agradou a todos, Barak enviou uma carta aos eleitores afirmando que ela fora desenhada visando alcançar seu plano de paz. Na missiva, ele usou uma analogia militar para explicar sua táticas políticas. "Eu sabia que caminhava em direção a um campo minado onde eu deveria desviar às vezes para cruzá-lo em segurança", escreveu.

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