NAIRÓBI – O líder da oposição no Quênia, Raila Odinga, não aceitou o resultado das eleições presidenciais anunciado nesta segunda-feira, 15, que deu a vitória ao atual vice-presidente William Ruto. Em meio a acusações de fraude, feitas pela maioria dos comissários eleitorais minutos antes do anúncio, Odinga afirmou nesta terça-feira, 16, que vai buscar “todas as opções legais” para anular o resultado.
A afirmação fez parte das primeiras declarações de Raila Odinga após o anúncio da vitória de William Ruto e estende o cenário de incerteza que paira sobre o país. Segundo o opositor, o resultado foi “uma farsa e um desrespeito flagrante à Constituição e às leis do Quênia” e é “nulo e vazio, e deve ser anulado por um tribunal de justiça”.
Se Odinga prosseguir adiante e judicializar o resultado no prazo legal de uma semana, a eleição do Quênia deve ser resolvida na Suprema Corte – o que pode resultar em uma nova disputa. Líderes religiosos e políticos pediram calma para continuar em uma nação com um histórico de violência mortal pós-eleitoral.
A atual eleição foi amplamente elogiada, até a divulgação do resultado nesta segunda-feira, por causa das votações pacíficas e bem organizadas. Entretanto, as acusações dos comissários eleitorais e de Raila Odinga tornam o cenário incerto e inicia uma crise política que pode durar semanas. Ainda assim, parte dos quenianos estão aliviados pelo teor das declarações, que falam em vias legais e tribunais, e não nas ruas.
O resultado oficial das eleições apresentou uma vitória apertada de William Ruto, por 50,5% dos votos contra 48,9% de Odinga. Rapidamente, o atual vice-presidente se moveu para consolidar o status como presidente eleito, discursando e fazendo apelos para uma unidade nacional. Ruto também recebeu telefonemas de congratulações de líderes de outras nações africanas, e, nesta terça-feira, uma série de jornais o saudaram como vencedor.
Além disso, Ruto assegurou aos rivais que não havia “espaço para vingança” após uma campanha ferozmente disputada.
As declarações não são suficientes para encerrar as acusações, feitas por quatro dos sete comissários eleitorais minutos antes da divulgação do resultado – o que gerou uma pancadaria com ao menos três pessoas feridas. Antes do discurso de Odinga nesta terça, os quatro comissários explicaram aos jornalistas que a matemática final do presidente da comissão eleitoral, Wafula Chebukati, somava 100,01% e que o excesso de votos teria feito “uma diferença significativa” no resultado. Eles também disseram que o presidente da comissão não deu chances para discutir os resultados antes da declaração.
Odinga acusou Chebukati de se comportar como um “ditador” para favorecer o resultado para Ruto e elogiou os quatro comissários que fizeram as acusações. Ruto, por sua vez, disse que as alegações foram um “sideshow” que não afetaram a legalidade do resultado.
Segundo o jornal New York Times, entretanto, houve um equívoco na quantidade de votos que 0,01% representaria. Enquanto uma das comissárias disse que o percentual equivaleria a 142 mil votos – um número considerável em uma eleição decidida por cerca de 233 mil votos –, a proporção equivale a 1.420. O erro desencadeou uma onda de escárnio nas redes sociais, liderada pelos apoiadores de William Ruto.
Odinga, de 77 anos, tem perseguido a presidência há 25 anos e disputou esta eleição pela quinta vez. Ele foi detido na década de 1980 por lutar pela democracia pluripartidária no país e defendeu a atual Constituição do Quênia em 2010, considerada inovadora.
Nas três últimas vezes que perdeu as eleições, o opositor sempre alegou fraude no resultado e conflitos se espalharam nas ruas. O mais violento deles ocorreu em 2007, com mais de 1,2 mil mortos. Desta vez, Odinga falou em ter calma e pediu que “ninguém tome a lei em suas próprias mãos”. Grande parte de Nairóbi estava tranquila nesta terça-feira.
Eleição é acompanhada pelo Ocidente
O Quênia é a maior economia da África Oriental, considerada fundamental não só para a estabilidade da região, mas como um centro de comércio e segurança. A corrida presidencial, a mais apertada do Quênia desde a primeira eleição verdadeiramente competitiva do país há 20 anos, é examinada de perto por aliados ocidentais e regionais como um teste chave para a democracia em uma das nações poderosas da África.
O Ocidente considera o Quênia um importante parceiro de contraterrorismo. Forças americanas e britânicas operam militarmente no país a partir de pequenas bases ao longo da fronteira nordeste, onde realizam ataques contra militantes do Al-Shabaab, uma organização ligada à Al-Qaeda, que atuam na vizinha Somália. Tropas quenianas também estão sediadas na Somália.
O país também é uma âncora diplomática, ajudando ou sendo anfitriã de esforços de mediação de conflitos para a Etiópia, o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo e a Somália. /NYT, A.P.