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Conheça o argumento mais ambicioso de Trump na sua tentativa de obter ‘imunidade absoluta’

O ex-presidente diz que sua absolvição no Senado no julgamento do seu segundo processo de impeachment impediria qualquer processo futuro com base parecida

Por Adam Liptak

Não há praticamente nada nas palavras da Constituição que sequer comecem a sustentar a mais ousada defesa do ex-presidente Donald J. Trump contra as acusações de que ele tramou para anular a eleição de 2020: a sugestão de que ele teria imunidade a processos pelas suas ações enquanto esteve na presidência.

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Uma corte federal de apelações realizará uma audiência envolvendo a questão na próxima semana, e serão considerados fatores como o histórico, os precedentes e a separação entre os poderes. Mas, como a Suprema Corte reconheceu, a Constituição em si não aborda explicitamente a existência ou abrangência da imunidade presidencial.

Na defesa da sua apelação, Trump disse haver uma provisão constitucional incluída na análise, mas tal linha de argumentação representa uma interpretação jurídica bastante criativa. A provisão, chamada cláusula de julgamento de impeachment, diz que autoridades que sofrerem impeachment pela Câmara e forem condenadas pelo Senado ainda podem ser alvo de processo criminal.

Donald Trump fala em um evento de campanha em Reno, Nevada, Estados Unidos.  Foto: Jabin Botsford / The Washington Post

A provisão diz: “Nos casos de impeachment, o julgamento não se estenderá além do afastamento do cargo e da desqualificação para o exercício e gozo de qualquer cargo de honra, confiança ou vantagem ligado aos Estados Unidos: mas a parte condenada seguirá passível e sujeita a indiciamento, julgamento e pena, de acordo com a lei”.

Em resumo, o que a cláusula de fato afirma é que “a parte condenada” no Senado ainda poderá ser processada criminalmente. Mas Trump afirmou que a cláusula implica algo além.

A cláusula “pressupõe que um presidente inocentado não pode estar sujeito a processo criminal”, disse o memorando de Trump.

Um memorando Amicus Curiae de ex-funcionários do governo disse que o posicionamento de Trump trazia “consequências amplas e absurdas”, destacando que um imenso número de autoridades do governo estão sujeitas a impeachment.

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“De acordo com a interpretação do réu”, disse o documento, “o Executivo não teria poder de processar os ocupantes atuais e anteriores de cargos civis por seus atos no exercício dessa função a não ser que tivessem sido antes alvo de impeachment e condenação no Congresso. Com isso, incontáveis autoridades ganhariam imunidade criminal”.

Trump também apresentou outra argumentação, ainda mais ousada e específica: “Um presidente absolvido pelo Senado não pode ser processado pela conduta absolvida”.

Como se sabe, Trump foi absolvido no seu segundo processo de impeachment, acusado de incitação à insurreição, quando 57 senadores votaram contra ele, faltando 10 para alcançar a maioria de dois terços necessária para uma condenação.

A ideia segundo a qual a absolvição no impeachment conferiria imunidade processual pode ter surpreendido alguns dos que votaram para absolvê-lo.

Como por exemplo o senador Mitch McConnell, líder republicano, que votou pela absolvição. Pouco depois, em um discurso inflamado no Senado, ele disse que o sistema jurídico ainda poderia responsabilizar Trump.

Imagens do ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.  Foto: Michael Robinson Chávez / The Washington Post

“Temos neste país um sistema de justiça criminal”, disse McConnell. “Temos o litígio civil. E os ex-presidentes não estão imunes a nenhum deles.”

Isso mostra que a interpretação da cláusula feita por Trump não é nada óbvia, mas o Departamento de Justiça afirmou que não é de todo implausível. Em 2000, seu Gabinete de Orientação Jurídica emitiu um memorando de 46 páginas dedicado justamente a essa questão, intitulado “Da possibilidade de um ex-presidente ser indiciado e julgado pelas mesmas ofensas que levaram ao seu impeachment na Câmara e absolvição no Senado”.

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O raciocínio segundo o qual tais processos seriam contrários à Constituição “tem algum mérito”, de acordo com o memorando, preparado por Randolph D. Moss, atualmente juiz federal. Mas o texto prossegue dizendo, “apesar da plausibilidade inicial, tal interpretação da cláusula de julgamento de impeachment nos parece pouco convincente”.

E ainda: “Não temos indícios sugerindo que os autores e ratificadores da Constituição teriam escolhido a expressão ‘a parte condenada’ pensando em uma implicação negativa”.

Mais fundamentalmente, o memorando dizia, “impeachment e processo criminal servem a propósitos totalmente distintos”. Os julgamentos de impeachment envolvem a política. Os julgamentos criminais envolvem a lei.

Em documento apresentado no sábado, o procurador Jack Smith escreveu que “a absolvição em um julgamento de impeachment no Senado pode refletir uma determinação técnica ou processual, e não uma conclusão factual”. O documento destacou que pelo menos 31 dos 43 senadores que votaram pela absolvição de Trump no julgamento de impeachment o fizeram em parte porque ele não estava mais no cargo e, portanto, não estaria sujeito à jurisdição do Senado.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump na Suprema Corte do Estado de Nova York durante o julgamento de fraude civil contra a Trump Organization, na cidade de Nova York, em 7 de dezembro de 2023. Foto: EDUARDO MUNOZ ALVAREZ / AFP

A interpretação de Trump para a provisão “teria resultados de uma perversão implausível”, escreveu a juíza Tanya S. Chutkan, que supervisiona o julgamento dele no Tribunal Distrital Federal em Washington, em uma decisão no mês passado rejeitando a alegação de imunidade absoluta de Trump.

Ela destacou que a Constituição prevê o impeachment para casos bastante específicos — “traição, suborno e outros grandes crimes e ofensas”.

A juíza Chutkan afirmou que, na leitura de Trump, “se um presidente cometer um crime que não se enquadre na tipificação específica dessa categoria limitada, não podendo, portanto, ser processado em um impeachment e condenado, o presidente jamais poderia ser processado por tal crime”.

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“Por outro lado”, prosseguiu ela, “se o Congresso não tiver a oportunidade de julgar o impeachment ou condenar um presidente no exercício do seu mandato — talvez pelo fato de o crime ter ocorrido no fim do mandato, ou ter sido acobertado até depois do fim do mandato — o ex-presidente não poderia ser processado”.

Ela acrescentou que o perdão do presidente Gerald R. Ford ao ex-presidente Richard M. Nixon, que renunciou em meio aos crescentes apelos por um impeachment por seu envolvimento no caso Watergate, teria sido desnecessário de acordo com a interpretação de Trump. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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