Contra coronavírus, vizinhos da América Latina adotam medidas de isolamento social

Países da região restringem circulação de pessoas para conter avanço da pandemia

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Por Paulo Beraldo
Atualização:

Se o presidente Jair Bolsonaro ainda reluta em adotar medidas de distanciamento social, o mesmo não se vê com as autoridades de países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, México, Paraguai, Peru e Venezuela, que têm apostado em medidas de restrição de circulação de pessoas para restringir o novo coronavírus. Enquanto nações como o Chile optam pela quarentena progressiva, que vai aumentando dia após dia, outros como Argentina, Colômbia, México e Bolívia decidiram pelo fechamento total. Nesses casos, quem for para a rua pode ser multado se nao der explicações de por qual razão está 'furando' a quarentena. 

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O Peru foi além: além do isolamento imposto desde 18 de março, o governo isentou de responsabilidade militares que usem armas letais contra pessoas que desobedeçam o toque de recolher vigente. A medida foi tomada porque muitos estavam desrespeitando a restrição de circulação. Na terça, a Organização Pan-Americana da Saúde afirmou que a pandemia vai piorar antes de melhorar na região das Américas

Apesar de Estados como São Paulo e Rio de Janeiro, onde vive um em cada três brasileiros, terem decidido pelo isolamento social, o discurso do presidente Bolsonaro vai na linha oposta - inclusive do que prevê o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que já disse que o vírus é mais grave que as duas grandes guerras. Bolsonaro tem minimizado os impactos do coronavírus, chamou a doença de "gripezinha" e diz que a quarentena não funciona. 

Vista aérea da Avenida 9 de Julho, a maior e mais movimentada de Buenos Aires Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP

Argentina

O presidente argentino, Alberto Fernández, demonstrou preocupação com essas declarações no início da semana. "Lamento muito que não se entenda a gravidade do problema", afirmou na segunda. "A gente teme que entre na mesma espiral que entraram Itália e Estados Unidos, que quando adotaram a quarentena já era tarde".

A Argentina fechou suas fronteiras e estabeleceu uma quarentena obrigatória em 20 de março até pelo menos 12 de abril, com possibilidade de prorrogação. Até esta quarta, o país de 45 milhões registrou 1.054 casos e 27 mortes. Há multas que variam de R$ 400 a R$ 8.000 para quem furar a quarentena e até possibilidade de prisão. Para circular nas ruas, é preciso portar um documento com a justificativa.  

O país está construindo mais leitos hospitalares e elevando a produção de suprimentos para um eventual pico de infecções - o que também ocorre no Brasil. "Aqui há muita consciência de que é um problema grave e que se a gente não fizer isso, não vamos resolver. Vai pegar todos nós de alguma forma, mas temos que entender", afirmou o engenheiro Francisco Dopazo, de 28 anos, que vive em Santa Fé, cidade 470 quilômetros ao norte de Buenos Aires. Para ele, o país está unificado em torno da luta contra o vírus.

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As pessoas estão respeitando muito a quarentena e mesmo aquelas que não votaram no Fernández entendem o que ele está fazendo, não estão querendo tirar vantagens políticas disso

Francisco Dopazo, engenheiro argentino

Quarentena em Bogotá, na Colômbia Foto: Raul ARBOLEDA / AFP

Colômbia

O governo colombiano decidiu impor uma quarentena obrigatória na semana passada aos 50 milhões de habitantes. Aulas foram canceladas e quem sair às ruas sem motivo será multado. "Muitas pessoas que vivem da informalidade estão ficando sem dinheiro", relata o agrônomo Felipe Sandoval, 27 anos, de Bogotá, que estava prestes a começar um novo emprego e viu o processo ser paralisado. "Muitas empresas estão optando por suspender os contratos e isso está gerando muito medo, acaba sendo um efeito dominó". 

O governo estabeleceu subsídios para os mais pobres, mas Felipe diz que já observa fechamento de pequenas companhias e não sabe por quanto tempo os trabalhadores mais desfavorecidos podem aguentar essa situação. A previsão é de que a medida dure 19 dias, mas autoridades falam em elevar o prazo.

Foram destacados 35 mil policiais em mil postos de controle e nas fronteiras do país. Há vigilância em supermercados, farmácias e shoppings. Ele relata que não há relatos de desabastecimento no comércio e que as pessoas passaram a ver a importância que tem o setor agropecuário. "Devemos valorizar mais o trabalho dos pequenos produtores para estarmos mais preparados para momentos como esse". 

Países reforçaram policiamento contra quem foge da quarentena Foto: Joaquin SARMIENTO / AFP

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No Peru, prisões para quem fugir da quarentena

O vizinho Peru adotou inicialmente a quarentena em 16 de março, que não conseguiu reduzir o avanço da doença, uma vez que as pessoas a estavam desrespeitando. Então, decidiu isentar de responsabilidade penal o uso de armas de fogo pelas forças de segurança para forçar as pessoas a obedecerem a quarentena - mais de 3 mil já foram presos e outros 36 mil detidos por furar o bloqueio de mobilidade.

As duas regiões mais afetadas são Lima e Loreto, na Amazônia, que faz fronteira com o Brasil, Colômbia e Equador. Ali há pelo menos 50 casos e infraestrutura precária de saúde, como pouca capacidade de realização de testes, leitos disponíveis nos hospitais e respiradores disponíveis. 

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Quarentena progressiva no Chile

No Chile, o presidente Sebastián Piñera adotou uma quarentena progressiva, setorizada, e tem estimulado o maior número possível de exames para detectar a doença, conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). A média é de 3.500 testes por dia. A cada dia, mais regiões do país, que tem cerca de 2.700 casos, vão entrando em quarentena total.

Piñera decretou estado de catástrofe em 18 de março, o que ampliou seus poderes para conter a crise. Em Santiago, a maior parte dos casos está em bairros de classe média alta da capital, como Las Condes e Vitacura. São pessoas que viajaram para a Europa e voltaram infectadas. Por isso, o presidente adotou um rigoroso toque de recolher noturno e implantou medidas de isolamento. 

Vista aérea de um dos centros financeiros deSantiago, capital do Chile, após governo adotar quarentena progressiva no país Foto: MARTIN BERNETTI / AFP

Para o chileno Máximo Quitral, doutor em ciência política e professor da Universidade Tecnológica Metropolitana, o panorama político do Chile tem um agravante: as manifestações que começaram em outubro do ano passado contra as desigualdades sociais. Desde então, diz ele, há uma maior mobilização da sociedade civil chilena, com mais pressão e críticas às decisões políticas. Ele afirma que as ações contra o vírus no Chile têm sido lentas e que o governo age de maneira reativa, não preventiva.

Piñera tem sofrido pressão de autoridades regionais para restringir ainda mais a circulação de pessoas e anunciar medidas econômicas capazes de aliviar a situação dos setores mais desprotegidos. "O dano social produto do coronavírus pode ser mais profundo que o econômico ao qual alguns mandatários estão aludindo, e terá um custo muito elevado para alguns líderes que minimizam o efeito do vírus". 

Tramita no Congresso Nacional do Chile uma legislação determinando que trabalhadores incapazes de seguir trabalhando possam fazer uso do seguro desemprego sem ter seus contratos rompidos. A pandemia chegou até a mudar a data do plebiscito constitucional no final de abril, uma das saídas para conter a crise ocorrida em outubro do ano passado. 

Pessoas são detidas por militares no Peru após furar a quarentena Foto: REUTERS/Sebastian Castaneda

Bolívia, Paraguai, Venezuela, Uruguai e México 

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A Bolívia determinou a proibição da circulação de veículos e restringiu a circulação de pessoas. O país também adotou uma quarentena e mobilizou o Exército e a polícia para reforçar que as medidas sejam de fato cumpridas. Quem desobedecer a lei pode ser preso. O país pretende subsidiar a conta de água por três meses e zerar as taxas de eletricidade que tenham valores baixos. 

O Paraguai aplicou medidas restritivas em 11 de março, com a suspensão de aulas e de eventos que provocariam aglomeração de pessoas. Em 18 de março, optou pelo o isolamento total da população de quase 7 milhões de pessoas. Até mesmo a Venezuela, que enfrenta uma grave crise econômica e política, adotou medidas restritivas. O governo decretou quarentena, suspendeu atividades profissionais, aulas, voos, eventos esportivos e proibiu aglomerações de pessoas. 

Avenida Reforma, na Cidade do México, esvaziada após governo determinar medidas de distanciamento social Foto: REUTERS/Henry Romero

No México, o governo decretou estado de emergência sanitária na segunda e suspendeu até 30 de abril atividades não essenciais nos setores públicos e privado. O país tem 1.215 casos confirmados - incluindo três governadores estaduais - e 29 mortes. As medidas do governo de reduzir a mobilidade de pessoas têm como objetivo reduzir as infecções e não saturar os hospitais no país de 120 milhões de habitantes. Empresas que trabalharem no período receberão multas e responderão judicialmente por desrespeitar o direito dos trabalhadores. 

O México mudou a abordagem contra o coronavírus após o presidente Andrés Manuel López Obrador ter minimizado os riscos do vírus. Alguns governadores estaduais decidiram que cidadãos que violem as medidas de isolamento social recebem multas. Vamos continuar insistindo em ficar em casa e nos cuidarmos. Temos altos níveis de obesidade e diabetes", afirmou o presidente em conferência.

Na Bolívia, apenas serviços essenciais não pararam. A agricultura é um deles. Foto: REUTERS/David Mercado

A covid-19 também impede que os 4 milhões de mexicanos que vivem na fronteira com os Estados Unidos possam fazer viagens curtas àquele país para visitar familiares ou fazer compras. São 3.144 quilômetros de fronteira. Segundo dados do governo americano divulgados pela agência Reuters, cerca de 950 mil pessoas cruzam diariamente essa fronteira. Agora, não mais. 

O Uruguai determinou o cancelamento de eventos esportivos e artísticos, fechou fronteiras, shoppings e cancelou as aulas. O governo recomendou que os 3 milhões de habitantes usem máscaras, lavem as mãos e sigam as orientações da OMS para evitar o contágio. Na Nicarágua, o governo do presidente Daniel Ortega vê com ceticismo o avanço do coronavírus e a vida segue normal. Até mesmo o campeonato de futebol local continua sendo disputado.  / Com informações da AFP, AP e Reuters 

Praia de Pocitos, em Montevideo, após declaração de medidas de isolamento social Foto: Mariana SUAREZ / AFP