Crise na Ucrânia fortalece Otan e abre espaço para Biden

Putin conseguiu colocar os interesses russos em evidência, mas acabou unindo aliados e revigorando aliança militar que ele tanto teme

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Por Beatriz Bulla , CORRESPONDENTE e WASHINGTON
Atualização:

Com a tentativa de reduzir a influência da Otan, Vladimir Putin conseguiu colocar a Rússia no topo das prioridades da geopolítica global. Por outro lado, vem testemunhando o que não desejava: o fortalecimento da aliança atlântica, o alinhamento dos EUA com aliados europeus e o espaço dado ao democrata Joe Biden para liderar uma resposta à crise na Ucrânia.

O presidente americano teve sua capacidade de responder aos problemas mundiais colocada em xeque no ano passado, com uma conturbada retirada das tropas dos EUA do Afeganistão e desencontros diplomáticos com aliados europeus, especialmente como a França. 

Biden e a crise na Ucrânia; chance de fortalecer laços com aliados europeus e manter Otan relevante Foto: Shaw Thew, EFE

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“A crise tornou a Otan mais unida, forte e relevante. Antes disso, víamos Biden lidando mal com o Afeganistão e Angela Merkel como uma voz forte na coordenação transatlântica. A Otan não tinha uma missão tão relevante. Agora, há uma mudança. O tiro de Putin tem saído pela culatra”, disse Ian Bremmer, fundador da consultoria de risco Eurasia Group.

Renascimento.

Para Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil nos EUA, Putin mostra que a Rússia não é um país que está no seu ocaso, como alguns americanos pensam. “A Rússia tem poderio militar, estratégia e disposição de defender seus interesses. Ela quer mostrar que está viva. A questão da Ucrânia está no centro da nova reconfiguração no equilíbrio de poder.”

Segundo Amaral, Biden pode sair fortalecido com a crise. “A política que ele propôs, a formação de alianças, em substituição às ameaças de Donald Trump, bem ou mal está funcionando”, afirma. “A questão é saber como cada um dos países sairá deste período de transição, em que há duas potências (EUA e China) e uma menor que está mostrando que precisa ser chamada à mesa de negociação.” 

Bremmer diz que a China assiste com atenção os movimentos na Ucrânia. “Se os russos saírem disso com mais território e sem uma resposta substancial dos EUA, Pequim se sentirá em condições de fazer o mesmo em áreas importantes para eles”, disse o ex-embaixador. 

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Um risco apontado por Amaral é o dilema americano: ceder aos apelos da Rússia ou assistir a uma aproximação ainda maior entre Moscou e Pequim. Para o establishment em Washington, Putin tenta não apenas colocar suas condições na mesa de negociação para impedir o avanço da Otan, mas também desestabilizar o governo americano. “O objetivo é fazer Biden parecer fraco. Criar divisão nos EUA e influenciar as eleições americanas”, disse James Stavridis, ex-comandante da Otan, em entrevista ao Washington Post

Unidade.

No entanto, democratas e republicanos – pelo menos quando o assunto é Putin – parecem unidos no Congresso. A frase “Você está completamente certo” foi repetida mais vezes do que o normal em um debate nesta semana em Washington promovido pelo Wilson Center, entre senadores dos dois partidos. 

“A intenção de Putin, de dividir os EUA, os aliados e a Otan está tendo o efeito oposto. Isto está unindo a Otan”, disse a senadora democrata Jeanne Shaheen. “Ela está absolutamente certa”, concordou Roger Wicker, colega republicano. O apoio à Ucrânia vem até de aliados de Trump, como o senador Ted Cruz. 

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“Os dois partidos concordam que os EUA precisam estabelecer defesas fortes, militares e econômicas, no caso de os russos optarem pela intervenção, ainda que pequena. Todos concordam que os europeus devem ser aliados. Ninguém quer dizer que concorda com o outro. Mas, se compararmos a situação atual com outras crises recentes, veremos que há consenso”, afirma Bremmer. 

“A questão é o que acontecerá se Putin decidir escalar a situação, mas não invadir. Se houver invasão, será um cenário horrível, mas manterá a Otan unida. Mas o que acontece se, sem invasão, ele escalar os ciberataques, por exemplo? Até onde a Otan manterá a união?”, questiona o analista do Eurasia Group.