BARCELONA - Os jantares em família costumavam não apenas ser um encontro de parentes, mas uma confraternização de grandes amigos. Não é mais o caso. Desde que a crise política da Catalunha se agravou, há dois meses, divergências políticas entre partidários da independência e da união à Espanha vêm minando a convivência social, afastando parentes e abalando velhas amizades em Barcelona e no interior.
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Andaluza radicada na capital regional, casada com um catalão, Gloria Giménez observou de perto o declínio do calor humano que marcava a relação de família de seu marido.“Eram amigos desde sempre. Hoje não se falam mais. No jantar, há alguns dias decidimos que não se fala mais de política”, conta a jovem, que há 15 anos adotou a capital catalã como sua nova terra. “Vejo as pessoas presas a posições muito antagônicas, inconciliáveis mesmo”, diz Gloria.
Relatos do tipo têm sido comuns em especial após o plebiscito não autorizado de 1.º de outubro. A maior parte das queixas vem do mesmo lado: unionistas, pró-Madri e favoráveis à união com a Espanha, via de regra reclamam da forma como são taxados de “fascistas” ou “franquistas” – referência ao ex-ditador Francisco Franco, o último grande opressor da Catalunha.
Um profissional liberal de 40 anos que prefere não ser identificado, contou, por exemplo, que sabe ter sido excluído de festas entre amigos, catalães pró-independência, por ter uma posição divergente. Com a radicalização causada pela longa turbulência política, pelo sentimento nacionalista e pela declaração unilateral de independência, de um lado, ou pelo apoio à intervenção de Madri, decidida pelo primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, de outro, histórias como a da família de Gloria têm se tornado cada vez mais frequentes.
A expressão fratura social foi empregada pelo rei da Espanha, Felipe VI, em seu histórico pronunciamento de 3 de outubro. Na declaração controvertida, em que tomou partido da unidade, atacando os independentistas, o soberano afirmou: “A sociedade na Catalunha está fraturada. (…) Sem respeito, não pode haver coabitação e paz”.
Ainda que Felipe VI esteja longe de ser uma figura popular na Catalunha nesse momento, e que sua tese da fratura social tenha sido denunciada por independentistas como uma tentativa de manipulação, seu diagnóstico é compartilhado por muitos habitantes.
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Por outro lado, há quem advirta para a radicalização crescente do campo pró-Espanha, até há pouco silencioso. “Sempre achei os independentistas mais agressivos, porque acusavam os demais de serem fascistas apenas por discordar da independência. Mas desde 8 de outubro, quando foram às ruas, os unionistas liberaram a palavra e também passaram a reagir da mesma forma”, lamenta Gloria. “Espero que não, mas a impressão que tenho é de que esse clima social vai perdurar por muito tempo.”
Advogada catalã nascida em Barcelona, mas favorável à união com a Espanha, Marta Ripoll também teme que as feridas da disputa política permaneçam. “Vamos restaurar a legalidade, mas não será sem traumas. A sociedade está quebrada. Vai levar uma geração para voltar à normalidade”, entende.
No último domingo, a advogada participou de uma marcha de unionistas. O tema era um apelo ao diálogo, sob o slogan “Parlem? Hablemos?” – a palavra “falemos” nos idiomas catalão e espanhol. Na manifestação, havia quem advertisse para a violência verbal crescente também entre militantes do unionismo e outros críticos ao governo de Rajoy, que segundo esse grupo – uma espécie de “isentão” catalão-espanhol – não ajuda a debelar a crise. “Estamos diante de dois piromaníacos: (Carles)Puigdemont e Rajoy e a solução não virá nem de um, nem de outro”, disse Natalia Antoni, de 33 anos. “Se você diz algo que vai contra o discurso independentista, será chamado de fascista. Se critica a ação de Rajoy, chamam de catalã suja.”
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