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Do triste trópico

Governo não quer retaliar EUA

Os Estados Unidos passaram com um trator sobre o Brasil ao aumentar seus subsídios distorcivos a seus produtores de algodão, previsto na sua nova Lei Agrícola (Farm Bill). Antes disso, já haviam atropelado o acordo bilateral de 2010, no qual o governo brasileiro concordou em não usar seu direito de retaliação contra produtos e interesses americanos na área de propriedade intelectual. A rigor, o Brasil não precisa ir de novo à Organização Mundial do Comércio (OMC) para questionar as regras da Farm Bill, como anunciou no dia 19 de fevereiro o chanceler Luiz Alberto Figueiredo, para questionar as atitudes americanas. O País já tem elementos suficientes desde outubro passado, direito garantido pela OMC há três anos e apoio do setor algodoeiro para retaliar os EUA.

Por denisechrispim
Atualização:

 

Quem não quer aplicar a retaliação é o governo brasileiro. Em outubro de 2013, os EUA suspenderam a remessa de US$ 147,3 milhões anuais ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), como compensação pelo comércio desleal. Essa era uma das regras do acordo bilateral firmado três anos antes para evitar a adoção das sanções. Em setembro, a remessa havia sido parcial. A nova Farm Bill, além disso, contraria o mesmo acordo ao renovar o programa de garantia de crédito à exportação e à comercialização do algodão, o GSM-102, condenado pela OMC. O compromisso americano era de eliminação desse subsídio.

 

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Há argumento consistente para justificar a atitude do governo, cuja inspiração jamais será confessada abertamente. À retaliação sempre se seguem contrarretaliações mascaradas ou escancaradas, e o resultado é sempre a redução do comércio bilateral. Não se trata do que o Brasil precisa neste momento. Suas exportações de bens aos EUA caíram 7,67% em 2013, comparadas com as do ano anterior. Há cinco anos os saldos têm sido deficitários para o País.

 

A possibilidade de contrarretaliação, embora tida como reação grosseira e desleal, não chega a ser infundada. Logo depois de o Brasil ter obtido o direito de retaliar os EUA em US$ 829,3 milhões, o então embaixador americano em Brasília Thomas Shannon indicou que seu país revidaria. "O governo dos EUA e o governo do Brasil já disseram claramente que gostariam de encontrar uma solução que evite a necessidade de retaliação. Porque a retaliação sempre provoca uma contrarretaliação", dissera em sua primeira entrevista coletiva à imprensa, em Brasília, em fevereiro de 2010, antes de o acordo bilateral começar a ser negociado.

 

Neste momento, enviar o imbróglio de volta à OMC não passa de estratégia para ganhar tempo sem deixar de responder às decisões americanas. Os processos na OMC são lentos. A controvérsia do algodão foi aberta no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, e sua definição final deu-se apenas oito anos depois. Apelar à OMC para compor um painel de implementação pode vir a ser útil para o questionamento da criação de um novo mecanismo de seguro para os produtores americanos, o Stax, previsto na nova Farm Bill. Mas esse caminho é desnecessário na opinião da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) que, sem saída, apoiou a decisão de ontem da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

 

"Está claro, no entanto, que se o Brasil decidisse por retaliar, teria o amparo legal da sua vitória no Órgão de Solução de Controvérsias, confirmado pelo Órgão de Apelação da OMC", afirmou a associação, por comunicado. " O importante é que o Brasil reaja e não perca o valor moral e comercial desta emblemática vitória no cenário comercial multilateral."

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Há de se considerar, porém, que nem a retaliação nem uma eventual contrarretaliação recairiam sobre os interesses setor algodoeiro americano ou brasileiro. Seriam outros os setores afetados por essa guerra comercial. O episódio todo traz uma amarga conclusão: o principal instrumento de coerção da OMC é débil e não indica vitoriosos nem perdedores. Sua adoção é e sempre será difícil. Sua não-aplicação, ainda mais quando um acordo de suspensão é descumprido, o torna inócuo. Não sei qual instrumento seria mais adequado. Mas certamente esse tema tem de ser debatido na OMC, se a organização quiser se preservar e e fortalecer o comércio leal e justo.

 

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