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'Efeitos da pandemia podem aumentar insegurança alimentar', diz representante da FAO no Brasil

Representante adjunto organização no país, Gustavo Chianca aponta que 49,6 milhões de brasileiros enfrentaram insegurança alimenta em 2020

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Por Renato Vasconcelos
Atualização:

Os efeitos da pandemia do novo coronavírus ainda são uma preocupação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para os próximos anos. De acordo com Gustavo Chianca, representante adjunto da FAO no Brasil, a crise de saúde gerou um impacto considerável no aumento da insegurança alimentar no mundo, mas seus efeitos sociais e econômicos podem durar ainda mais tempo, prejudicando o acesso da população a uma alimentação de qualidade.

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"Com a crise econômica, milhões de pessoas na região da América Latina e do Caribe foram levadas à situação de extrema pobreza, e a perda do poder de compra impactou diretamente o acesso das pessoas a alimentos não só em quantidade, mas também em qualidade", afirmou Chianca.

Em entrevista ao Estadão, Chianca afirmou ainda que os relatórios mais recentes da FAO apontam um resultado "humilhante" do esforço mundial no combate a fome.

O representante adjunto da FAO no Brasil, Gustavo Chianca. Foto: Divulgação/ FAO

Confira na íntegra:

O relatório aponta uma crescente no número de pessoas subalimentadas. Que fatores, além da pandemia, provocaram esse aumento? Em seus últimos relatórios, a FAO já vinha mostrando um aumento no número de subalimentação em todo o mundo, inclusive alertando aos países da região da América Latina e do Caribe, sobre o risco de não alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 da Agenda 2030, referente à fome zero, até 2030.

O aumento dos índices está ligado, principalmente, ao que chamamos de “os três ‘c’ da fome”: Conflitos, Clima (Mudança do clima, no inglês climate change) e à covid-19 e suas desigualdades. Considerando que a maioria dos sistemas alimentares é afetado por mais de um impulsionador, precisamos olhar para políticas e investimentos integrados, que permitam uma potencialização da transformação dos sistemas alimentares, explorando soluções sustentáveis e resilientes. 

Em termos globais, qual a situação mais preocupante identificada no estudo?

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O que mais nos preocupa, é o dado de que entre 720 e 811 milhões de pessoas no mundo enfrentaram fome em 2020 –até 161 milhões a mais do que em 2019–, e de que quase 2,37 bilhões de pessoas não tiveram acesso a alimentação adequada em 2020 –um aumento de 320 milhões de pessoas em apenas um ano.

O mundo está em um momento crítico muito diferente de onde estava há seis anos, quando se comprometeu com a meta de acabar com a fome, a insegurança alimentar e todas as formas de desnutrição até 2030. 

As últimas quatro edições do SOFI revelaram uma realidade humilhante: em geral, o mundo não tem progredido em direção à Meta 2.1 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), de garantir o acesso a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para todas as pessoas durante todo o ano, ou em relação à Meta 2.2 do ODS, de erradicar todas as formas de desnutrição.

Como a pandemia da covid-19 contribuiu para o agravamento da fome e da piora na qualidade da alimentação no Brasil e no mundo?

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A pandemia de covid-19 teve um impacto devastador na economia mundial, e a segurança alimentar e o estado nutricional de milhões de pessoas, incluindo crianças, está em risco se não agirmos rapidamente. Com a crise econômica, milhões de pessoas na região da América Latina e do Caribe foram levadas à situação de extrema pobreza, e a perda do poder de compra impactou diretamente o acesso das pessoas a alimentos não só em quantidade, mas também em qualidade. 

Outro ponto é que a pandemia expôs e continua expondo as fraquezas em nossos sistemas alimentares, que ameaçam as vidas e meios de subsistência das pessoas ao redor do mundo, especialmente das pessoas em situações mais vulneráveis.

Ao mesmo tempo em que o progresso em relação ao atraso do crescimento infantil diminuiu, o sobrepeso e a obesidade em adultos aumentou, tanto em países ricos, quanto em países pobres. O que esse dado demonstra sobre o acesso e a distribuição de alimentos?

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A má nutrição persiste em múltiplas formas e o impacto total da pandemia de covid-19 ainda está se desenvolvendo. Muitas regiões e países estão lidando cada vez mais com várias formas de má nutrição simultaneamente.

Essa coexistência de desnutrição com sobrepeso e obesidade, associada a doenças crônicas relacionadas à dieta é chamada de “dupla carga da má nutrição”. Isso nos mostra que não podemos apenas nos preocupar com a garantia de acesso a alimentos, mas também com a qualidade destes alimentos que chegam para as populações mais vulneráveis.

Fatores externos e internos aos sistemas alimentares estão elevando o custo dos alimentos nutritivos que, combinados com a baixa renda, estão aumentando o preço de dietas saudáveis. A porcentagem da população que não pode pagar uma dieta saudável em países afetados por vários fatores em 2019 foi 39% e 66% maior, respectivamente, do que em países afetados por um único fator ou nenhum. Aumentos nno preço de uma dieta saudável estão associados a níveis mais altos de insegurança alimentar, especialmente entre os países de renda média-baixa.

O relatório também aponta que, durante a pandemia, os programas de alimentação escolar ganharam ainda mais força, inclusive no Brasil. Qual a importância do ambiente escolar na garantia da segurança alimentar de crianças e jovens no contexto brasileiro e internacional?

Os programas de alimentação escolar são uma importante rede de proteção social, principalmente durante a pandemia, já que eles garantem a alimentação para os jovens, apoiam a construção de ambientes escolares e saudáveis, melhoram a educação, garantem o direito humano à alimentação e também ajudam a atingir diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Na América Latina e no Caribe, são cerca de 78 milhões de estudantes beneficiados com programas de alimentação escolar. O maior deles na região está no Brasil –o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Em relação ao Brasil, qual a situação mais preocupante identificada pelo relatório?

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A estimativa de que entre 2018 e 2020, 23,5% da população esteja em situação de insegurança alimentar moderada ou severa, ou seja, 49,6 milhões de pessoas –12,1 milhões a mais do que entre 2014 e 2016–, é um dado importante e precisa ser olhado com atenção. A pandemia trouxe consigo uma crise econômica sem precedentes, e não sabemos por quanto tempo ainda irá impactar a segurança alimentar dos países, mas sabemos que seus efeitos ainda serão sentidos por muito tempo, o que pode fazer com que mais pessoas enfrentem algum tipo de insegurança alimentar.

Além disso, as condições impostas pela pandemia, como restrições de mobilidade, fechamentos ou horários de funcionamento limitados dos mercados e aumentos de preços de alimentos perecíveis, muitas vezes mais nutritivos, provocaram mudanças significativas nos padrões de qualidade nutricional dos brasileiros. Essas condições, junto com a redução da renda, podem induzir as famílias a escolher alimentos mais baratos e altamente processados em vez de alimentos frescos e mais nutritivos.

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