Eleito há menos de um ano, Congresso impopular avalia antecipação de eleições no Peru

Desequilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo no país é apontado como principal fator para a atual crise política

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Por Fernanda Simas

Parte da atual crise política no Peru, o Congresso avalia a partir desta quarta-feira a proposta de antecipação das eleições gerais feita pela presidente Dina Boluarte. Os 130 congressistas, que estão no poder há menos de um ano, enfrentam protestos que já deixam 8 mortos no país e, segundo analistas, precisam assumir a sua responsabilidade nesse cenário.

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“O que se precisa para acabar com a crise política é adiantar as eleições”, afirma a constitucionalista peruana Beatriz Ramírez. Para ela, Boluarte, mesmo chegando ao poder por uma sucessão constitucional, tem pouca legitimidade por ter integrado o governo do ex-presidente destituído e preso, Pedro Castillo.

Para o analista político José Carlos Requena, essa é a saída esperada pela população para a atual crise. “Independente de ser bom ou ruim antecipar as eleições, é o que 90% da população esperava como desenrolar do que acabou sendo o governo de Castillo, preocupado em sobreviver, sem interesse genuíno por governar, ou seja, insustentável.”

Protestos em Lima pedem soltura de Castillo e novas eleições gerais no Peru  Foto: AP Photo/Martin Mejia

Juristas peruanos afirmam que o desequilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo está no centro da crise política atual e, por isso, as recentes trocas de presidentes não colocaram um fim ao caos.

“Nos últimos anos, desde 2019, quando foi dissolvido, o Congresso gerou uma série de reformas que desequilibraram o equilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo, que já era uma questão tensa”, diz Beatriz Ramírez.

Incapacidade moral

O Peru é o único país da América Latina que prevê na Constituição - no caso, desde 1993 - a figura jurídica de destituição presidencial por motivo de “incapacidade moral permanente”. Mas essa ferramenta passou a ser usada de forma abusiva a partir de 2016.

Entre 1993 e 2016, os presidentes eleitos no país chegavam ao poder com maioria parlamentar, própria ou por meio de alianças, que garantia sua sustentabilidade no cargo. Em 2016, Pedro Pablo Kuczynski foi eleito presidente, mas a maioria parlamentar era da oposição (fujimorista).

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O Congresso voltou a usar a ferramenta da destituição presidencial após os escândalos da Lava Jato que revelaram que a Odebrecht pagava assessorias secretas à PPK.

Para equilibrar o uso dessa ferramenta, a Constituição peruana prevê que o Executivo pode reagir quando ocorrem duas votações negando a confiança a ele por temas de política de Estado, que é justamente a opção constitucional de dissolver o Congresso. Isso foi feito em 2019, pelo então presidente Martín Vizcarra.

Desequilíbrio de poderes

A partir daí, como explica Beatriz Ramírez, o Congresso passa a desenvolver regras para desequilibrar o poder. “O Congresso aprovou uma lei que lhe permite, ao receber um pedido de confiança por parte do Executivo, qualificá-lo e se considerar que não está bem colocado, mandá-lo de volta. A Casa pode votar o pedido, mas ele deixa de entrar na conta de primeira ou segunda negativa - que habilita a dissolução do Congresso.”

Castillo é preso após tentar golpe de Estado no Peru  Foto: AP Foto/Renato Pajuelo

Isso vinha sendo feito pelo ex-presidente Castillo. Ele enviava os pedidos para uma votação de confiança ao seu governo, mas eles eram devolvidos pelo Congresso. “Em um Executivo mais ou menos frágil, o Congresso tem mais ferramentas para fazer o seu poder ser sentido”, diz Beatriz.

Por isso, uma das discussões entre juristas peruanos é uma reforma prevendo que as eleições para a presidência e para o Congresso ocorram separadamente.

“Considerando apenas a questão da governabilidade, Keiko Fujimori talvez tivesse tido mais estabilidade e digo isso com ênfase no talvez porque não sabemos como seriam as coisas. De toda forma, o que Boluarte enfrenta agora é justamente por não ter bancada no Congresso”, afirma o analista Requena.

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