Amigos de Raynéia Gabrielle Lima dizem que ela reclamou da violência pelo WhatsApp no começo do mês, por ser estrangeira, não se envolvia com o movimento contrário ao presidente Daniel Ortega
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Por Maryórit Guevara e Manágua
MANÁGUA - É terça-feira à tarde. Uma Devi chora desconsolada em uma das principais rotatórias de Manágua, onde foi erguido uma espécie de monumento em homenagem às mais de 300 pessoas mortas desde o início dos protestos, em abril, contra o governo do presidente Daniel Ortega e a mulher dele, a vice-presidente Rosario Murillo.
Uma não está sozinha, a acompanham cerca de 30 pessoas que estão no local para protestar pelo assassinato, que atribuem a grupos paramilitares financiados pelo governo. Ela chora e abraça duas amigas, que conheceram a brasileira por causa da ioga, um exercício que poucos praticam na Nicarágua, atormentada pela repressão do governo.
“Nos conhecemos três anos atrás. Era uma grande pessoa, muito espiritual. Era uma das alunas mais ativas do movimento ioga urbana na Nicarágua. Ela tinha muita ânsia de viver. Tinha um sentido de espiritualidade profundo”, diz Uma entre soluços enquanto se une em um abraço com as amigas.
Raynéia chegou em 2013 à Nicarágua acompanhando seu ex-namorado, que trabalhava no projeto hidrelétrico Tumarín em Matagalpa, um megaprojeto hidrelétrico anunciado efusivamente em 2016, mas que acabou abandonado após o governo brasileiro suspender os fundos para a empresa Eletrobrás.
Atraída pelos lagos e vulcões, a jovem brasileira decidiu ficar na Nicarágua com intenção de estudar em uma universidade - oportunidade que não tinha em seu Estado natal, Pernambuco.
Universitária brasileira é morta na Nicarágua
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Nicarágua - Raynéia Gabrielle Lima
A estudante brasileira Raynéia Gabrielle Lima vivia na Nicarágua desde 2013, quando se mudou para cursar Medicina, e pretendia voltar ao Brasil quando... Foto: FacebookMais
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
Ela fazia residência no Hospital Carlos Roberto Huembes, administrado pela Polícia Nacional da Nicarágua. Foto: Facebook
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
Raynéia era pernambucana de Vitória de Santo Antão e completaria 32 anos no próximo mês. Foto: Facebook
Rayneia Gabrielle Lima
Em seus perfis em redes sociais, ela demonstrava muito carinho pelo país que a acolheu. “Nascida no Brasil, renascida na Nicarágua. Liberdade, luz, pa... Foto: Reprodução / FacebookMais
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
Colegas de faculdade da brasileira afirmaram à agências de notícias internacionais que ela teve dificuldade no início, porque não falava nada de espan... Foto: Maryorit GuevaraMais
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
Amigos e colegasde Raynéia se reuniram em protesto contra sua morte e para homenageá-la em Manágua. Foto: Maryorit Guevara
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
Raynéia era filha única por parte de mãe, mas tinha três meias-irmãs e um meio-irmão por parte de pai. Foto: Maryorit Guevara
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
O governo brasileiro convocou a embaixadora da Nicarágua, Lorena Martínez, a darexplicações sobre a morte da estudante. Foto: Maryorit Guevara
Raynéia Gabrielle Lima - Nicarágua
O pai de estudante brasileira morta na Nicarágua diz que famíliaacompanha o caso pelas redes sociais. Foto: Maryorit Guevara
“Ela chegou e se apresentou como brasileira. Era divertida. Gostava muito de falar em espanhol e uma das coisas que sempre nos encantou foi seu sotaque, o modo como pronunciava as palavras ‘nicas’ (gírias locais)”, lembra Carlos Blandón, que estudou com Raynéia os seis anos do curso de Medicina na Universidade Americana (UAM).
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A jovem era conhecida por sua disciplina e responsabilidade nas aulas. “Era muito difícil ela deixar de fazer algum trabalho”, diz Carlos, destacando o espírito empreendedor da brasileira que, para manter seus estudos, vendia brigadeiros, além de trabalhar como modelo em eventos e com diferentes agências.
“Era muito dedicada. Gostava de trabalhar como modelo e com seus doces conseguia pagar a universidade. Sua rotina era de estudo e trabalho. Era uma das melhores alunas da sala. Amava a medicina. Seu sonho era se especializar em pediatria”, afirma o colega.
Sobre seu caráter, os amigos destacam seu positivismo, alegria, carinho e atenção, especialmente com os pacientes, com quem tinha longas conversas.
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Em declarações aos meios de comunicação, o doutor Ernesto Medina, reitor da Universidade Americana, negou que Raynéia estivesse vinculada aos protestos estudantis. Ele também disse que a brasileira não integrava as brigadas de auxílio médico, que são perseguidas e detidas pelo governo. “Por sua condição de estrangeira, estou certo de que ela nunca teve nada a ver com os protestos”, disse Medina, confirmando que a jovem era uma excelente estudante. Seus colegas de classe e médicos também afirmam que Raynéia não estava envolvida nos protestos.
Eles lembram que na noite do dia 13, quando grupos paramilitares e policiais atacaram estudantes entrincheirados na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (UNAN), nas imediações de Lomas de Montserrat, onde ela vivia, Raynéia disse pelo WhatsApp que estava com medo por causa dos tiros.
“O único que ela falou no grupo de WhatsApp era ‘tenho medo, muito medo. Se escuta muito alto, dá para escutar que o negócio está feio’, mas ela não esteve envolvida em nada, ainda mais por ser estrangeira”, disse um colega médico que preferiu não revelar seu nome.
A crise na Nicarágua em imagens: 100 dias de protestos
1 / 21A crise na Nicarágua em imagens: 100 dias de protestos
Nicarágua 1
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Já nas primeiras ocasiões, a imprensa foi censurada. O canal 100% Noticias, que transmitia os protestos ao vivo, foi retirado do ar. Em um protesto no... Foto: Jorge Torres/EPA/EFEMais
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